Os municípios onde um único voto pode eleger prefeito em 2024

No Brasil, 213 municípios têm candidaturas únicas para prefeito; total é quase o dobro do registrado nas eleições de 2020.

21 set 2024 - 06h32
(atualizado às 07h03)
Imagem de uma urna eletrônica com duas pessoas, desfocadas, atrás: um eleitor e uma mesária
Imagem de uma urna eletrônica com duas pessoas, desfocadas, atrás: um eleitor e uma mesária
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil / BBC News Brasil

Só um voto será necessário para eleger o prefeito ou prefeita de 213 municípios brasileiros em 2024.

Isso acontece em locais onde há apenas um candidato concorrendo ao cargo. Ou seja, a vitória é garantida mesmo que apenas o próprio candidato vote em si mesmo.

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Um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) revela que o número de municípios com candidatos únicos praticamente dobrou em relação a 2020: passou de 107 para o maior número registrado nas últimas sete eleições municipais.

A BBC News Brasil ouviu Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional de Municípios, e o cientista político Eduardo Grin, da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), sobre as razões para o recorde de candidaturas únicas nas eleições municipais deste ano.

O que explica candidaturas únicas

Um dos fatores mais evidentes, segundo Ziulkoski, está no Estado com o maior número de municípios com apenas um candidato concorrendo, o Rio Grande do Sul.

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"As prefeituras de muitos municípios do Rio Grande do Sul passaram por dois fenômenos muito sérios neste mandato: a pandemia, que afetou todos de maneira igual, mas também a devastação pelas chuvas que ocorreu recentemente".

Para Ziulkoski, que é formado em Direito e foi prefeito de Mariana Pimentel (RS), os desafios a serem enfrentados pelas prefeituras de diversos municípios gaúchos desestimulam possíveis candidatos a concorrerem pelo cargo.

"Catástrofes geram muita pressão. O cidadão cobra quem ele conhece mais de perto: o poder local."

Outro fator que pode desestimular a concorrência são os municípios com prefeitos que têm muito apoio local e estão bem-avaliados para continuar no cargo.

"Candidatos de oposição muitas vezes não veem vantagem em enfrentar um prefeito popular, com boas chances de vitória. Além disso, essas situações acontecem principalmente em cidades pequenas, onde é difícil formar uma segunda força política com estrutura suficiente para enfrentar o prefeito", aponta o cientista político Eduardo Grin.

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"Outro fator importante é o aumento de recursos financeiros para prefeitos em reeleição, que muitas vezes vêm de emendas parlamentares. Isso proporciona aos prefeitos mais recursos para campanhas, criando uma vantagem financeira significativa. Dessa forma, o oponente, que já sabe que terá menos recursos, desiste de concorrer."

Grin acrescenta que "em cidades menores, como é o caso dessas 214, muitas vezes não há uma sociedade política organizada, com ONGs, sindicatos, imprensa ou universidades que possam reproduzir ou criar um polo político diferente daquele que domina na cidade."

O presidente da CNM destaca também a polarização intensa como algo que reflete na falta de mais candidatos — em um cenário que há, diz ele, "um baixo nível" de diálogo político na internet.

"As próprias famílias desestimulam seus entes a ingressarem na vida pública, que é uma coisa nobre e importante, por medo de exposição e ataques. Muitos que poderiam fazer uma boa administração acabam não indo, e esse espaço é ocupado por pessoas que talvez não sejam tão competentes", diz Ziulkoski.

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O Brasil tem cerca de 59 mil vereadores, 5.570 prefeitos, 5.570 vice-prefeitos e cerca de 40 mil secretários municipais — um total de aproximadamente 110 mil agentes políticos nas prefeituras do Brasil, segundo a CNM.

O problema da falta de concorrência

A falta de oposição é preocupante, como destaca Grin.

"Em um contexto democrático, é importante que a população tenha mais de uma opção política. Isso permite que os cidadãos ponderem sobre os candidatos e, se necessário, punam o prefeito por uma má gestão. Uma candidatura única elimina essa possibilidade, pois, com votos suficientes, alguém pode ser eleito sem concorrência", diz Grin.

As consequências, segundo o cientista político, incluem sensação de acomodação política na cidade, enfraquecimento do debate político e exclusão de visões políticas diferentes, o que reduz o debate democrático e a transparência na administração pública, já que apenas um grupo político mantém o controle.

"Eleições mais competitivas, com pelo menos duas candidaturas, permitiriam maior controle da população, forçando os candidatos a apresentar propostas mais viáveis e a evitar promessas que não podem cumprir, garantindo assim que a população tenha a oportunidade de optar."

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Ziulkoski complementa que um debate com vários candidatos ajuda a garantir um controle mais eficiente do poder local.

"Quando há apenas uma candidatura, ela tende a se consolidar facilmente, mas a falta de oposição na Câmara de Vereadores pode levar a distorções e problemas ao longo do tempo, já que não há um equilíbrio que permita questionar e fiscalizar as ações do governo local."

Regiões e perfis dos 'candidatos únicos'

O levantamento da CNM mostra que, nos municípios de candidatura única, 72% são candidatos à reeleição, enquanto nacionalmente esse percentual é de 55%.

Entre as cidades de candidato único, a média populacional encontrada foi de 6,7 mil habitantes, de Borá (SP), com 907 habitantes até Batatais (SP), com 58.402 moradores.

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Avaliando os recortes regionais, o Sudeste concentra 68 das 213 cidades com candidaturas únicas (32%), seguido pela região Sul (66 candidaturas ou 31%), Nordeste (37 candidaturas ou 17%), Centro-Oeste (30 candidaturas ou 15%) e Norte (11 candidaturas ou 5%).

E qual é o perfil dos candidatos únicos nas eleições municipais de 2024?

Em comparação à média nacional, esses candidatos apresentam um percentual maior de homens brancos (4 pontos percentuais a mais), casados (4 pontos percentuais a mais) e com menor nível de escolaridade (2 pontos percentuais a mais).

"Nessas localidades, as mulheres estão bastante sub-representadas na política, e por isso muitos prefeitos se destacam como candidatos únicos", afirma Grin.

Além disso, a média de idade dos candidatos únicos é de 49 anos, inferior à idade média de 51 anos dos demais concorrentes.

"O estudo também mostra que os partidos do 'centrão', especialmente o MDB, o PSD e o União Brasil, predominam, ou seja, nesses 'currais eleitorais' do interior, os partidos tradicionais historicamente dominam a política", avalia Grin.

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"Essas cidades são controladas por máquinas partidárias muito vinculadas a partidos conservadores ou de direita, como o MDB, que até 2020 era dominante na política local."

As eleições municipais deste ano serão realizadas em 5.569 Municípios, incluindo o primeiro pleito do novo município de Boa Esperança do Norte (MT)
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil / BBC News Brasil

Os entrevistados acreditam que o número de candidaturas únicas pode crescer ainda mais nas próximas eleições.

"Se o sistema de transferência de verbas federais via emendas de parlamentares continuar aumentando, como parece ser o caso, criaremos uma disputa política nas cidades muito mais desigual, já que quem já é prefeito tende a receber mais dos diversos tipos de emendas, o que desestimulará ainda mais outras candidaturas", diz Grin.

As emendas parlamentares permitem que deputados e senadores atuem na destinação de recursos públicos do Executivo para suas bases eleitorais — Estados e municípios.

"Isso gera um ciclo vicioso: partidos que criam máquinas locais dominam a política, elegem mais vereadores e formam maiorias na Câmara Municipal, o que reforça o apoio ao governo", diz o cientista político da FGV.

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Na ausência de candidaturas plurais, Grin sugere que a sociedade busque criar suas próprias forças políticas mobilizando os grupos presentes nas pequenas cidades, como sindicatos, associações de bairro e movimentos sociais, para criar oposição e cobrar autoridades locais.

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