A ONG Transparência Brasil, que atua desde 2000 contra a corrupção no País, acaba de lançar uma pesquisa sobre trabalho escravo e eleições. Divulgada 48 horas antes do pleito, ela aponta seis candidatos que estão na disputa eleitoral deste ano e “são donos, eles próprios ou sua família, de empresas flagradas submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão”.
A candidata ao governo de Mato Grosso pelo PSD, Janete Riva, está entre eles. O nome dela entrou para a lista suja do trabalho escravo, atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), após fiscais flagrarem a prática em uma fazenda dela, a Paineiras, que fica na Rodovia 325/220, km 23, na zona rural de Juara (a 690 quilômetros de Cuiabá).
A pesquisa da Transparência Brasil investigou o processo movido contra ela no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Mato Grosso. O relator do processo diz que, na fazenda dela, “os trabalhadores eram submetidos a situação degradante: viviam em moradias precárias, em barracos de madeira ou de lona; bebiam, tomavam banho e cozinhavam com água proveniente de um filete que cortava a área onde se encontrava o gado da fazenda; não havia saneamento básico nem cozinha ou local apropriado para as refeições; não eram disponibilizadas ferramentas para o trabalho, que deveriam ser adquiridas pelos trabalhadores ou pelo empregador mediante desconto do salário”.
Janete Riva teve de pagar R$ 350 mil, revertidos ao Fundo Estadual de Amparo ao Trabalhador (FEAT), promover campanha publicitária de combate ao trabalho escravo nas rádios locais e em outdoors e cumprir outras obrigações determinadas pela Justiça. Mas, como não cumpriu todas as determinações judiciais, em agosto deste ano foi também obrigada a pagar multa superior a R$ 3 milhões.
Mediante um pedido de explicações, a candidata emitiu nota de esclarecimento. Os advogados informaram que, por medida judicial, o nome dela não consta mais na lista do trabalho escravo, o que foi confirmado pelo Terra em consulta ao site Repórter Brasil, que tem como foco noticiar sobre o assunto. Diz trecho da nota que “ela responde o processo na Justiça e questiona, com recurso, as acusações e o valor arbitrário da multa aplicada”. Ainda através da nota, “a candidata reforça que nunca manteve trabalhadores em condição análoga à de escravidão ou em situação degradante na sua propriedade”.
Janete Riva argumenta que contratou uma empresa terceirizada para abrir um pasto na fazenda Paineiras. “Essa empresa, sem o conhecimento de Janete, contratou profissionais nas condições apontadas pela fiscalização. Ela, imediatamente ciente da situação, dispensou a empresa. Ela ainda reforça que a empresa deveria ser o alvo da ação do Ministério do Trabalho”.
Os outros citados na pesquisa da Transparência Brasil são três candidatos a deputado federal que tentam se reeleger – João Lyra (PSD-AL), Camilo Cola (PMDB-ES) e Urzeni Rocha (PSD-RR) - e dois candidatos a deputado estadual - Camilo Figueiredo (PR-MA), que também tenta a reeleição, e filho dele, Camilo Figueiredo Filho (PC do B-MA), que está iniciando agora a vida política.
Conforme a pesquisa, “a empresa Laginha Agro Industrial S/A, do deputado federal João Lyra (PSD-AL), submetia trabalhadores a condições precárias em canaviais de Alagoas e Minas Gerais. Em 2008, foram libertadas 53 pessoas na empresa alagoana; dois anos depois, 207 na filial mineira”.
O deputado alega, através do advogado dele, Flávio Moura, que “não há nenhum processo judicial concluído ou qualquer condenação, logo, o princípio constitucional da presunção da inocência deve ser respeitado, até que exista qualquer pronunciamento condenatório.”
No caso do deputado Cola, o flagrante de trabalho escravo foi registrado no Complexo Agroindustrial Pindobas Ltda, de sua propriedade, conforme relato da Transparência Brasil. Por isso, ele entrou na “lista suja” em dezembro de 2012. Foram encontrados 22 trabalhadores em situação precária, atuando na extração de pinus, que é uma espécie de pinheiro.
Diz o relatório que “os empregados moravam em alojamentos sem camas, com esgoto a céu aberto e com instalações elétricas sem proteção. A água fornecida não era tratada nem recebia filtragem e apresentava uma coloração amarelada, com sedimentos suspensos. Os trabalhadores recebiam salários apenas 45 dias após o serviço, sem descanso remunerado, e as jornadas podiam durar até 14 horas, sem pagamento de horas extras. A carteira de trabalho do funcionário ficava retida pela empresa terceirizada Cute Empreteira Ltda, e os trabalhadores tinham de arcar com a reposição dos equipamentos de proteção individuais (EPIs)”.
No gabinete em Brasília do deputado Cola, que é do PMDB do Espírito Santo, a informação na tarde de sexta-feira era de que ele estava em Cachoeiro de Itapemirim, cuidando do Grupo Itapemirim, que aglomera empresas de transporte de passageiros, cargas, logística, comercio de automóveis e veículos comerciais de marcas renomadas, petróleo e seus derivados, hotelaria e alimentação, agropecuária, gráfica e marketing, mineração e corretora de seguros.
Tem um diferencial na narrativa sobre o deputado Urzeni Rocha (PSDB-RR), que responde a ação penal no Supremo Tribunal Superior por submeter trabalhadores a condições análogas à de escravos. Entre os 26 braçais, identificados em fazenda dele, havia menores de idade. Todos “sujeitos a situações degradantes de trabalho e de vida”. Uma coisa que chama a atenção é que, conforme relatos fiscais, havia escassez alimentar e provavelmente fome entre os braçais. Para hidratar, eles usavam a mesma água de um córrego também usado pelos animais.
A Líder Agropecuária Ltda está entre as empresas acusadas de manter a prática da escravidão. O dono dela é o deputado estadual candidato à reeleição Camilo Figueiredo (PR-MA) e o filho dele, Camilo Figueiredo Filho (PC do B-MA), que também disputa uma vaga na Assembleia Legislativa do Maranhão. Em 2012, foram resgatadas sete pessoas em condições degradantes na área da empresa. O Camilo pai já foi acusado de estupro e exploração de duas adolescentes. No gabinete dele, atendeu um funcionário, que, informado sobre o assunto da matéria, ameaçou com processo judicial.
O trabalho escravo é crime no Brasil, conforme estabelece o artigo 149 do Código Penal, que atribui inclusive pena de 2 a 8 anos de detenção, além de multa a ser determinada pela justiça. “A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”, estabelece o Código Penal.
A advogada da Comissão Pastoral da Terra em Mato Grosso (CPT-MT), Bete Flores, que representa a CPT-MT no Fórum Estadual de Direitos Humanos e da Terra Mato Grosso, acredita que grandes proprietários rurais são os que mais cometem este crime e são também os que têm buscado a cada dia mais fortalecer nas casas parlamentares as bancadas ruralistas. Por isso, ou eles saem candidatos ou apoiam terceiros. O Fórum do qual ela participa articula o enfrentamento social à prática do “escravagismo” no Estado.
Uma das bandeiras desse segmento ruralista, conforme Bete Flores, é mudar o conceito de trabalho escravo na PEC 458, que mudou de nome para 49 A. Essa PEC, que foi aprovada este ano mas ainda não está regulamentada, trata do confisco de imóveis daqueles que forem flagrados com trabalhadores em suas terras. Para a advogada, falta punição aos infratores. “Na última década foram mais de 46 mil trabalhadores resgatados e nenhum preso responsável, embora o Código Penal preveja prisão para esses casos”.
Segundo a coordenadora da Transparência Brasil, Natália Paiva, essa pesquisa tem um objetivo muito concreto. Informar o eleitor quais são os candidatos envolvidos de alguma maneira com o trabalho escravo, para que não precisam alegar desconhecimento de causa.
O levantamento, assinado pela pesquisadora Lauren Schoenster, também revela quem são os 61 parlamentares candidatos que “são ou já foram financiados no passado por empresas ou indivíduos ligados a esse tipo de exploração laboral”.