Por que a recuperação da economia não impulsiona os pré-candidatos do governo à Presidência?

Quando vai bem, a economia costuma ser aliada do governo nas urnas e nas pesquisas de popularidade. Temer enfrenta, contudo, uma situação particular, que mistura a rejeição recorde à sua administração e 'desencanto profundo' dos eleitores com o establishment político com uma retomada lenta e marcada pelo desemprego alto.

1 mar 2018 - 09h27
(atualizado às 09h46)
Melhora nos indicadores praticamente não surtiu sobre o desempenho de Temer e daqueles ligados ao governo nas pesquisas de intenção de voto | Foto: Ag. Brasil
Melhora nos indicadores praticamente não surtiu sobre o desempenho de Temer e daqueles ligados ao governo nas pesquisas de intenção de voto | Foto: Ag. Brasil
Foto: BBC News Brasil

Depois de dois anos em queda, o Produto Interno Bruto (PIB) voltou a crescer no ano passado, com alta de 1%, conforme os dados divulgados nesta quinta-feira pelo IBGE. Quando vai bem, a economia costuma ser aliada do governo nas urnas e nas pesquisas de popularidade.

No entanto, os dados que mostram que a atividade está em recuperação no Brasil não têm praticamente surtido efeito sobre a rejeição recorde do presidente Michel Temer, apontada pelas pesquisas, ou sido suficientes para melhorar sua posição - ou daqueles ligados à sua administração - nas sondagens de intenção de voto.

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Tanto Temer quanto seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), não têm mais do que 2% da preferência do eleitorado, de acordo com o último levantamento do instituto Datafolha, divulgado em 31 de janeiro.

Para economistas e cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil, o quadro se explica por um conjunto de razões, que vão desde o fato de Temer não ter sido eleito diretamente, passando pelas denúncias de corrupção envolvendo seu partido e levando em conta até a composição do crescimento em 2017, muito concentrado no agronegócio, e o nível ainda alto de desemprego.

A economia está melhor - mas para quem?

Grosso modo, metade do crescimento da economia do ano passado veio da agropecuária, pontua Fernando Sampaio, sócio-diretor da LCA Consultores - ou seja, praticamente 0,5 ponto percentual do crescimento de 1% veio do setor.

O agro responde por apenas 5% do PIB, diz Sampaio. Se contabilizada toda a cadeia - desde a logística de escoamento da produção até seu beneficiamento pela indústria alimentícia -, o peso sobe para 15%.

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Entre 2015 e 2017 país perdeu mais de 3 milhões de empregos com carteira assinada
Foto: BBC News Brasil

Conforme os dados do IBGE, esse componente do PIB cresceu 13% no ano passado, o maior percentual desde o início da série histórica, que começa em 1998.

Isso significa que parte importante do impacto positivo da "riqueza" gerada pela economia no período - criação de emprego, aumento de consumo - ficou mais concentrado no interior do que nas grandes capitais, por exemplo, onde a maioria da população vive.

"Foi um ano de recuperação bastante assimétrica", ele pondera.

O fator-chave para explicar a "sensação de crise" que ainda predomina para milhões de brasileiros, contudo, é o mercado de trabalho, acrescenta Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Apesar de a taxa de desemprego ter recuado gradativamente entre março, quando atingiu 13,7%, e dezembro, quando chegou a 11,8%, seu nível continua elevado.

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Foram, em média, 12,3 milhões de desempregados, 12,7% da força de trabalho, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua referente a 2017. Em janeiro, conforme divulgado ontem pelo IBGE, a taxa cresceu para 12,2% - segundo economistas, o início do ano é um período em que tradicionalmente há uma procura maior por trabalho e, por isso, o desemprego geralmente aumenta.

"A taxa de desemprego é a variável econômica que mais impacta na vida da população, mais até que a inflação", ressalta Balassiano.

A economia chegou a gerar emprego no ano passado - vagas precárias, entretanto. Foram 263 mil novos postos, ainda de acordo com a Pnad Contínua, em meio a uma média de 90,6 milhões de brasileiros empregados. Desse total, apenas 34,2 milhões tinham carteira assinada, 950 mil menos do que em 2016.

De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), uma outra pesquisa que acompanha o mercado de trabalho (e contabiliza apenas as contratações e demissões com carteira assinada), mostra quadro semelhante. Em 2017, foram fechados 20,3 mil postos, o terceiro ano consecutivo de saldo negativo. No biênio 2015-2016, o país cortou 3 milhões de empregos formais.

Rendimentos têm crescido em termos reais mais por causa da queda da inflação do que pelos reajustes salariais - cenário que também influencia a "sensação térmica" do brasileiro em relação à economia
Foto: BBC News Brasil

"As pessoas se esquecem do tamanho do tombo", pontua Christopher Garman, diretor para América Latina da consultoria Eurasia Group.

Quem está empregado, por sua vez, tem visto a renda aumentar, mas essa alta se deve muito mais à queda da inflação, que eleva o poder de compra, do que de fato a reajustes maiores nos salários - mais um fator que tem impacto sobre a "sensação térmica" do brasileiro em relação à economia.

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Em 2017, a inflação acumulada em 12 meses recuou de 5,35% para 2,95% entre janeiro e dezembro. Quem teve correção do salário pelo IPCA no início do ano, por exemplo, viu os rendimentos crescerem cerca de 5%, enquanto, no decorrer do ano, o aumento dos preços foi perdendo ritmo, aumentando em menor velocidade.

Voto econômico x voto ideológico

"Quão boa tem que estar a situação para as pessoas reconhecerem que ela está boa de fato?", pondera o cientista político Adriano Codato, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

No ano passado, ele lembra, o salário mínimo - com "valor simbólico importante" - teve a menor correção em 24 anos, passando de R$ 937 para R$ 954, a conta de luz aumentou, com reajuste no valor das bandeiras tarifárias, e a gasolina ficou mais cara.

"A melhora da economia ainda não aparece na ponta. Os indicadores macroeconômicos não necessariamente se refletem na vida das pessoas."

'As pessoas se esquecem do tamanho do tombo', diz Garman, da Eurasia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A correlação entre economia e preferências eleitorais é observada na grande maioria dos países, diz Codato, em maior ou menor grau.

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No Brasil, um país de renda média, muito desigual e com parcela significativa da população vulnerável, a maioria escolhe seus candidatos em função do momento em que vive, da percepção que tem do governo, ele afirma, referindo-se ao que a ciência política batizou de teoria do voto econômico.

O chamado voto ideológico, acrescenta ele, que é coordenador do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, fica restrito ao topo da pirâmide - funcionários públicos e classes mais altas - e aos jovens. "São votos de extremos em vários graus."

Nas eleições presidenciais de 1998, exemplifica Codato, o PSDB venceu com folga no Nordeste e reelegeu Fernando Henrique Cardoso, que ainda colhia os frutos da implementação do Plano Real e de programas assistenciais. Quatro anos depois, contudo, após uma crise forte em 2002, o Nordeste votou no PT e elegeu Lula pela primeira vez.

Eleitores irritados

Além da recuperação lenta, o país atravessa em 2018 um momento histórico particular, diz Fiona Mackie, diretora regional para a América Latina da consultoria Economist Intelligence Unit (EIU).

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"O Brasil vive um verdadeiro terremoto político", ilustra a cientista política, para justificar por que a "regra" de que o pragmatismo costuma prevalecer entre os eleitores quando a economia vai bem - levando-os a optar por candidatos governistas ou de centro - pode não funcionar neste ano.

A mistura de recessão com a multiplicação dos casos de corrupção que se tornaram públicos nos últimos anos despertaram nos brasileiros revolta contra a classe política. "Existe um grau de desencanto profundo com o establishment político", ressalta Garman, da Eurasia.

Para ele, a situação é exacerbada por um outro fator: a frustração de uma nova classe média - forjada na primeira década dos anos 2000 - que não viu suas demandas por serviços públicos de melhor qualidade serem atendidas e que assistiu à recessão diminuir seu padrão de vida.

"O que o eleitor quer não é a manutenção do status quo e nem a agenda econômica desse governo", diz o cientista político. "Temer é mal visto de forma geral, não é carismático, não foi eleito diretamente, assumiu com índice de aprovação já muito baixo. Há uma relação bem fundamentada (entre economia e eleições), mas essa recuperação não deve favorecer um candidato governista", reforça.

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Sinais melhores

No último trimestre do ano passado, economia cresceu 2,1%
Foto: BBC News Brasil

Ainda assim, os números do PIB referentes ao último trimestre do ano passado trazem sinais melhores.

Ajudado pela queda da inflação e dos juros, o consumo das famílias ganhou fôlego e avançou 2,6% sobre o quatro trimestre de 2017 e 0,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior - se firmando como potencial indutor do crescimento em 2018.

A indústria teve seu melhor desempenho no ano, com alta de 0,5% em relação aos três meses imediatamente anteriores e de 2,7% sobre o mesmo período do ano passado, e os investimentos esboçaram reação - cresceram 2% na comparação com o terceiro trimestre e 3,8% sobre outubro-dezembro de 2016.

O retrato da economia no fim do ano passado, diz Balassiano, do Ibre-FGV, reflete a composição da reação que se espera para este ano. Com um crescimento mais disseminado, a estimativa da instituição aponta crescimento de 2,9% para o PIB de 2018.

"A perspectiva para este ano é de desafogo", diz Sampaio, da LCA, que projeta alta de 2,8% para o produto. Entre os fatores que favorecerão a economia nos próximos meses estão a inflação ainda comportada, os juros baixos - que devem cada vez mais aparecer nas taxas cobradas à pessoa física e estimular o consumo - e a perspectiva de que o governo possa investir um pouco mais, ajudado pelas surpresas positivas com a arrecadação.

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O desemprego, entretanto, que em geral reage de forma defasada ao crescimento, deve se manter alto. Depois de atingir 12,2% em janeiro, a taxa recuaria apenas para 10,9% no fim de 2018 e para 10,1% no fim de 2019, conforme as estimativas do Ibre-FGV.

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