Ricardo Nunes (MDB) é reeleito prefeito de São Paulo. No segundo turno da eleição municipal pela prefeitura da capital paulista, neste domingo, 27, ele venceu Guilherme Boulos (PSOL). Com mais quatro anos de um candidato de direita no posto, a esquerda chegará a 12 anos sem um representante eleito.
O resultado se deu por volta de 18h45 horas deste domingo, 27, com 90,30% das urnas apuradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com 100% da apuração, Nunes 59,35% (3.393.110) dos votos computados, enquantou Boulos contou com 40,65% (2.323.901). Votos nulos foram 6,75% (430.756), em branco 3,67% (234.317) e 2.940.360 abstenções.
"Vence o equilíbrio contra todos os extremos" -- Ricardo Nunes
No discurso de vitória, o emedebista se emocionou e destacou o papel do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como "líder maior" em sua vitória, agradeceu o apoio da esposa e prometeu um governo voltado para todos. Já ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o prefeito fez uma menção tímida ao elogiar o vice, Coronel Mello Araújo. "Obrigado, do fundo do meu coração, a cada um de vocês. Muito obrigado, São Paulo, pelo apoio e confiança."
A votação não foi tão apertada quanto a do primeiro turno, a mais acirrada da história em São Paulo, quando o resultado entre Nunes, Boulos e Pablo Marçal (PRTB) se deu com 99,52% das urnas apuradas e o ex-coach ficou de fora da corrida eleitoral por 0,93 ponto percentual.
A vitória de Nunes, inclusive, aconteceu com mais "folga" do que as pesquisas eleitorais projetaram. Nunes já aparecia à frente de Boulos nos levantamentos feitos no segundo turno -- mesmo tendo registrado oscilações para baixo ao longo dos últimos dias, enquanto Boulos oscilou para cima. O emedebista venceu em 54 das 57 zonas eleitorais, conquistando todos os locais em que Marçal foi o favorito no primeiro turno e dominando 17 zonas antes de Boulos -- incluindo a de Campo Limpo, onde o psolista mora.
Mesmo em meio ao apagão --que deixou mais de 2 milhões de residências sem luz e chegou a durar mais de 6 dias–, o emedebista se beneficiou do apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), bem como da alta rejeição do adversário, que teve a aliança com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com a vitória inédita para o MDB, que consolida o crescimento da direita na mais rica e populosa cidade do Brasil, Nunes se une a Gilberto Kassab (PSD) e Bruno Covas (PSDB) na lista de mandatários que conseguiram comandar duas vezes a Prefeitura de São Paulo.
Desde a redemocratização, em 1985, a cidade teve 11 prefeitos diferentes e nenhuma reeleição. Kassab e Covas não foram propriamente reeleitos, já que eles assumiram o posto como vices em seus primeiros mandatos. Essa é a mesma situação do atual prefeito –que assumiu o cargo após a morte de Covas, em maio de 2021.
Crescimento da direita e o colapso da esquerda em São Paulo
O resultado das urnas amplia a sequência de vitórias da centro-direita em São Paulo, que não é comandada por um político de esquerda desde 2016, fim do mandato de Fernando Haddad (PT), hoje ministro da Fazenda.
Há 8 anos, Haddad perdeu a reeleição para João Dória (PSDB), que ficou à frente da Prefeitura de São Paulo de 2017 a 2018. O tucano deixou o cargo para concorrer ao cargo de governador do Estado, abrindo caminho para o vice Bruno Covas, que conseguiu a reeleição e governou até a sua morte em 2021, quando Ricardo Nunes assumiu o mandato.
O PT –a sigla mais vitoriosa na capital paulista junto com o PSDB– tem tido dificuldade em frear o crescimento da direita na cidade. Em 2020, tendo Jilmar Tatto (PT) como candidato, o partido ficou em sexto lugar na disputa, o pior desempenho de primeiro turno da história do PT na capital. E, agora, teve a primeira eleição sem um candidato do PT concorrendo ao cargo de prefeito. A estratégia do partido foi apoiar Boulos e lançar Marta Suplicy (PT) como sua vice, no retorno da ex-prefeita ao partido após cumprir mandato no MDB.
Desde 1992, primeiro ano em que foi realizado o 2º turno na capital paulista, todas as eleições municipais tiveram dois turnos, com exceção a de 2016–quando Doria venceu Haddad, que buscava a reeleição. No total, foram oito disputas. E, em sete delas, o candidato que se destacou na primeira rodada venceu a eleição – já contabilizando a deste ano, em que Nunes repetiu o feito.
Segundo turno com apagão, faltas em debates e trocas de acusações
Logo na primeira semana do segundo turno, a dinâmica da campanha mudou devido ao temporal que atingiu São Paulo e que chegou a deixar mais de 2 milhões de residências sem luz. Isso aconteceu no dia 11, uma sexta-feira. Em 24h, 1,35 milhão seguiu sem luz. O problema chegou a se alastrar por mais de seis dias.
E quem foi o responsável pela situação? Nunes e Boulos, ao longo dos debates do segundo turno e de suas declarações públicas, jogaram a culpa um no outro – e, ambos, criticaram a Enel, concessionária privada responsável pela energia na cidade.
Para além da Enel, o atual prefeito e candidato à reeleição tentou colar a culpa no governo Lula, que apoiou o psolista na disputa na capital paulista. Já o deputado federal buscou responsabilizar a atual gestão municipal pela ausência de ações preventivas, como a poda de árvores. No fim, os dois mostraram seus argumentos e a crise não refletiu na rejeição de nenhum dos lados.
Com relação aos debates, no que diz respeito à quantidade, o cenário foi diferente do primeiro turno, quando São Paulo atingiu recorde em número de encontros entre os candidatos, com 11, superando os sete da disputa de 2012. No fim, os candidatos participaram de três: o promovido pela Band no dia 14, o da Record/Estadão/Rádio Eldorado no dia 19 e o da Globo na sexta-feira, 25.
Esse foi o cenário que Nunes idealizou logo no início do segundo turno, quando se posicionou a favor de uma redução de debates nessa reta final da eleição – já que, segundo sua equipe, ele chegou a receber 12 convites. Sua sugestão foi reduzir para três e Boulos usou isso como munição para criticar o atual prefeito, alegando que ele estaria fugindo dos embates.
Seu argumento pelas faltas foi que a prioridade era cuidar de São Paulo, devido ao apagão. A situação também o fez cancelar algumas agendas de campanha na rua, ao longo dos dias.
Já sobre as trocas de acusações e retomada de fantasmas do passado, com o objetivo de intensificar a rejeição do adversário, Nunes apostou em taxar Boulos de “agressivo e extremista” e tentou opor o candidato a pautas alinhadas à direita –como questões em torno da polícia militar, drogas e aborto. O psolista, por sua vez, relacionou por diversas vezes o atual prefeito ao perfil de mentiroso e incopetente e buscou apontar falhas e contradições de sua gestão.
‘Bem entrosado com o governo do Estado’ – e com a Câmara
Há cinco dias do segundo turno, na última terça-feira, 22, Jair Bolsonaro se uniu a Tarcísio de Freitas em um evento de apoio a Ricardo Nunes. Bolsonaro deixou claro o quanto, com a vitória de Nunes, São Paulo terá “um bom governo, bem entrosado com o governo do Estado”. Michel Temer (MDB), Baleia Rossi (MDB) e Rogério Marinho (PL) também marcaram presença no evento.
Durante a agenda, Bolsonaro fez um discurso curto, objetivo e sem grandes elogios a Nunes. Pediu votos, mas sem enaltecer o emedebista, mantendo o mesmo tom desde o início da campanha: tímido e um tanto distante.
"A campanha aqui não é minha, é do nosso prezado Nunes. Temos uma jornada pela frente ainda (...) O voto de todos nós tem que ser contado. Sabemos que [o número de] abstenções é grande. Devemos participar, por convicção, por entendimento, que o melhor para São Paulo é a continuidade de Ricardo Nunes. Boa sorte, Ricardo. Estou torcendo pro você e pelo nosso Brasil", declarou.
Antes, durante a corrida eleitoral, Bolsonaro apareceu em São Paulo apenas no 7 de Setembro, feriado da Independência – em evento na Paulista em que a presença de Marçal, com apoio expressivo de bolsonaristas, ofuscou Nunes. O ex-presidente também participou da convenção do MDB que oficializou a candidatura de Ricardo Nunes, que aconteceu no dia 3 de agosto, faltando 13 dias para o início da propaganda eleitoral.
Mesmo assim, a cartada de ter Bolsonaro como aliado, marcando seu território na direita, deve dar a Nunes mais facilidade para atuar com a Câmara dos Vereadores. Ainda que o PT tenha sido o partido com mais vereadores eleitos, com 8 representantes, a grande massa conta com a forte presença do MDB, PL e União, que garantiram 7 vereadores cada. Na eleição de 2020, o partido com mais vereadores foi o PSDB, com 8 – e, agora em 2024, não elegeu nenhum candidato.
O vereador mais votado foi Lucas Pavanato, do PL. De esquerda, a mais votada foi Amanda Paschoal, do PSOL. Confira o nome dos 55 vereadores eleitos, por partido:
Evolução nas pesquisas
Nunes e Boulos foram para o segundo turno com uma diferença de 0,41 ponto percentual, o que equivale a 25.012 votos. E, após o primeiro turno mais acirrado desde a redemocratização na cidade de São Paulo, as pesquisas eleitorais mostraram uma preferência do eleitor paulista pelo prefeito, que se manteve estável durante toda a reta final da campanha –por mais que tenha registrado oscilações para baixo, dentro da margem de erro.
A região sudeste concentra o maior eleitorado do País: 66.906.335 eleitores (quase 43% do total), segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Deste total, 34.403.609 dos eleitores são do Estado de São Paulo. Isso significa que a cada cinco votantes no País, pelo menos um mora no Estado. Só na capital são mais de 9,3 milhões de eleitoras e eleitores – montante que corresponde quase ao total do eleitorado da região Centro-Oeste, que está com cerca de 9,7 milhões.
Quem é Ricardo Nunes?
Ricardo Luis Reis Nunes tem 56 anos e concorre à reeleição da Prefeitura de São Paulo com apoio da coligação ‘Caminho Seguro pra São Paulo’ (PP, MDB, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, Pode, Avante, PRD, Agir, Mobiliza, União). O governador do Estado, Tarcísio de Freitas, e o ex-presidente Jair Bolsonaro também apadrinham o candidato.
Seu vice-prefeito é o coronel Ricardo Mello Araújo (PL). Ele é ex-comandante da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), coronel da reserva da Polícia Militar e pós-graduado em Fisiologia do Exercício pela Universidade de São Paulo (USP). Essa é a primeira vez que Araújo, que foi indicado pelo ex-presidente Bolsonaro, concorre a um cargo político.
Ricardo Nunes se filiou ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – antigo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) - em 1986, quando tinha 18 anos. Ele nunca trocou de partido. A partir disso, entrou de vez para a política em 2012, quando foi eleito vereador de São Paulo. Em 2014, tentou ser deputado federal, mas não conseguiu. Depois, em 2016, foi vereador novamente. Em 2018 foi deputado federal suplente, sem conseguir se eleger. E, por fim, foi eleito vice-prefeito na chapa de Bruno Covas em 2020.
Com o falecimento de Covas, vítima de um câncer do qual lutava desde 2019, Nunes assumiu a prefeitura de São Paulo em 2021. Por mais que já estivesse há anos na política, Nunes, um empresário do ramo de pesticidas, não tinha grandes projeções e ainda era pouco conhecido. Em todos esses anos, portanto, essa é a primeira vez que ele concorre como cabeça de chapa à eleição.
Ricardo Nunes nasceu em São Paulo e mora em um bairro nobre da Zona Sul de São Paulo. Ele é casado com Regina Carnovale Nunes, tem três filhos e um neto. Ele chegou a estudar Direito no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), mas, por dívidas, não concluiu a graduação. Antes de iniciar a carreira política, Nunes era empresário – e tocava uma empresa de controle de pragas urbanas.
Neste ano, ele declarou à Justiça Eleitoral R$ 4.843.350,91 em bens. A maior parte de seu dinheiro está envolvida em investimentos diversos, que representam R$ 3,1 milhões. Além disso, ele conta com R$ 694,7 mil em terrenos, R$ 862 mil em imóveis e R$ 175,6 em um trator agrícola. Desde sua primeira candidatura, em 2012, seu patrimônio aumentou em cerca de R$ 595 mil.