O primeiro confronto entre os candidatos ao governo do Rio de Janeiro no segundo turno foi marcado pelo embate religioso, bate boca e troca de acusações. Faltou espaço para os concorrentes Luiz Fernando Pezão (PMDB) e Marcelo Crivella (PRB) discutirem ideias. Sobraram xingamentos.
Escalado pela Revista Veja, organizadora do confronto, para fazer perguntas aos candidatos, o pastor evangélico Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, contribuiu para que o tom do encontro fugisse do terreno do concreto para o do sagrado e da polêmica.
De corrente oposta à de Crivella – que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus – Malafaia partiu para o ataque ao fazer sua pergunta ao concorrente do PRB. Questionou o fato de o bispo Edir Macedo – tio de Crivella e proprietário da TV Record – retirar permissões para veiculação de programas de rádio e TV de alguns grupos da própria igreja. Ao que Crivella insinuou, antes de responder: “todos sabem da sua ligação com esse governo”, em alusão ao governo de Pezão. Malafaia, já longe do púlpito e na plateia, respondeu com gritos de “Mentiroso!”.
No intervalo do debate, Crivella, com ares de arrependimento, foi até a cadeira do pastor tentando uma pacificação. Malafaia se levantou e não quis conversa. A turma do “deixa disso” entrou em ação para evitar que o clima, já desandado, piorasse ainda mais. A Crivella coube responder que “não tem nada a ver com decisões da Igreja Universal” e do bispo Macedo.
Num tom bem acima do adotado no primeiro turno, Pezão também entrou na seara religiosa, e fez questão de chamar Crivella de “bispo senador” ao menos cinco vezes. Posição, aliás, que ele jamais adotou até essa etapa da disputa.
No auge do embate entre Malafaia e seu adversário, Pezão disse que chegou o momento de ficar clara a ligação de Crivella com a doutrina evangélica. “Agora então, com a união dele com o Garotinho, isso tem mesmo que pautar o segundo turno”, disparou, em referência ao apoio formalizado ontem por Anthony Garotinho, também evangélico, a Crivella.
E não parou por aí. Além das cenas protagonizadas por Malafaia, a troca de acusações entre os candidatos durou todo o debate. O concorrente do PRB ironizou o nome do rival do PMDB: “O pessoal fala que o pé do Pezão cresceu porque ele é ‘Pénóquio’”. Poucos minutos depois, ouviria do adversário que surgiu no RJ agora no segundo turno a figura do “Crivelinho” – união de Crivella com Garotinho.
Garotinho, aliás, mesmo ausente, de certa forma foi figura central no debate. Repetidas vezes Pezão tentou deixar claro para quem acompanhava a contenda que Crivella estaria “pegando” as piores características do seu novo aliado. Ao menor sinal de agressão, rebatia: “Cuidado, bispo Crivella, essa convivência com o Garotinho não vai te fazer bem!” O humorista Marcelo Madureira, convidado para fazer perguntas, também criticou a figura do ex-governador do RJ. Ao lançar uma questão ao concorrente do PRB, foi direto: “Por que o senhor anda tão mal acompanhado?”, em referência à união com Garotinho.
Quando se pensava que as polêmicas estavam esgotadas, Malafaia novamente ganha os microfones e elege seu assunto predileto: a comunidade gay. A Pezão perguntou se “isso” de dar privilégios aos gays, como aconteceu no governo do seu padrinho político, Sérgio Cabral (PMDB), iria continuar. O pastor ouviu de Pezão que seu governo “não discrimina ninguém”.
Depois de ser alvo preferido de seus adversários no primeiro turno, o governador parece mesmo disposto a mudar a postura agora na segunda fase. Ao ouvir de Crivella que, se que, se eleito, o antecessor Cabral iria continuar mandando no Governo, devolveu: “Quem vai mandar sou eu, bispo Crivella, eu não represento meu tio”, em referência, novamente, a Edir Macedo.
Entre cochilos e boas histórias
Mas nem tudo foram só ataques em nível duvidoso no debate, que, além da Veja, foi organizado pela OAB-RJ e pela Universidade Estácio de Sá. Responsável pelo marketing de Crivella, o publicitário Lula Vieira podia ser visto descontraído, como quem ainda colhe os louros de uma vitória inesperada – Crivella, pouco cotado para o segundo turno, ganhou por ínfimo meio ponto percentual de diferença para Garotinho.
Descontraído, contava ao mediador do debate, o jornalista Augusto Nunes, sobre a surpresa que levou com o resultado. Disse que, com 70% das urnas apuradas, eles estavam na frente, no que ninguém conseguia acreditar direito. Já com 98% da apuração fechada, a maioria dos presentes à casa de Crivella, no domingo, já comemorava a vitória. Neste momento, alguém mais sensato pedia calma, pois as urnas que faltavam podiam ser todas de Campos, cidade natal e reduto eleitoral de Garotinho.
Depois de contar caso e cumprimentar amigos, Lula Vieira se sentou e começou a acompanhar atento o debate. Minutos depois, veio o cansaço e ele foi visto, várias vezes, tirando um cochilo, como quem ainda se recupera de um pesado primeiro turno. Mas o publicitário não pestanejou mais quando os gritos de “mentiroso” de Malafaia ecoaram no auditório da OAB em direção a seu cliente. Ali foi hora de aguentar firme e manter o estado de alerta máximo.
No mais, finda a peleja, os candidatos baixaram as armas e um deles até arriscou: são pessoas de bem que disputam o governo do Rio de Janeiro. Parecia ter razão o porteiro do prédio da OAB, que comentava por lá, meia hora antes do debate: “tudo teatro, tudo encenação. Daqui a pouco, estão se beijando”.
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