A guerra santa foi declarada no segundo turno da disputa estadual no Rio. O governador e candidato à reeleição Luiz Fernando Pezão (PMDB), sob orientação da coordenação da sua campanha, decidiu abrir trincheiras contra o adversário, o senador Marcelo Crivella (PRB), escancarando para o eleitor as ligações deste com a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O palco da batalha é o horário eleitoral gratuito no rádio e na TV.
No último sábado, a campanha do PMDB chegou ao ponto de veicular um vídeo, de 1995, em que o bispo Edir Macedo, fundador da IURD e tio de Crivella, ensina a seus pastores qual a melhor forma de conseguir dinheiro dos seguidores evangélicos. No domingo, nas inserções a que Pezão tem direito ao longo da programação da TV aberta foram várias as menções comparando Crivella ao tio Macedo. A estratégia é dizer que a IURD não passa de uma “organização” – nas palavras do próprio governador – com um projeto de poder político.
Aos ataques, que não foram poucos, Crivella tem respondido que não fazem sentido, já que, conforme alega, em 12 anos de vida pública, “nunca misturou política com religião”. “O problema é misturar política com corrupção e não política com religião”, tem repetido sistematicamente em entrevistas, debates e eventos públicos.
Mas Pezão não deve recuar da estratégia, ao menos por enquanto. Nos últimos dias tem dito que, apesar de não ter nada contra “os membros da Universal, o bispo Crivella e o bispo Macedo fizeram uma guerra religiosa, principalmente contra outras religiões”. Pezão fez questão de lembrar, por exemplo, o episódio em que um pastor da IURD chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, no dia em que se comemora a padroeira do Brasil.
O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), analisa a estratégia como uma forma de brecar qualquer chance de avanço de Crivella entre setores mais ao centro, esquerda e de classe média. “São grupos que poderiam ser levados neste segundo turno a uma coalizão anti-governista. O Lindberg (Farias), por exemplo, está apoiando o Crivella. Com isso, uma parte do eleitor do PT poderia tender ao Crivella”, comenta Monteiro, em referência ao senador petista que ficou em quarto lugar na disputa ao governo e fechou com Crivella.
Segundo o analista, há um traço claro na operação peemedebista: resgatar a antiga rejeição de Crivella, que já foi de 40%. Depois de ficar algum tempo sem disputar eleições, o senador se dedicou ao cargo de ministro da Pesca do governo Dilma e viu essas taxas caírem para a faixa dos 17% - muito pelo fato de ter saído de cena em período eleitoral, acredita o analista.
Monteiro ainda destaca que a campanha de Pezão tinha um planejamento para combater o deputado federal Anthony Garotinho (PR), favorito até as últimas horas do dia 5 de outubro para ir ao segundo turno. Com a surpresa trazida pela abertura das urnas, a estratégia do PMDB teve que ser revista de forma rápida. Aliás, são justamente os apoios de Garotinho e de Lindberg a Crivella que fizeram a campanha governista acender a luz amarela, já que Pezão não teve um apoio ainda substancial que possa significar, de imediato, transferência de votos no segundo turno.
Tom de preconceito
A reação do eleitorado às incisivas críticas de Pezão ao adversário ainda é uma incógnita. As pesquisas devem começar a desenhar isso ainda esta semana. Mas as reações na IURD já aparecem. Uma reportagem publicada nesta segunda-feira no site de notícias evangélicas “Gospel Prime” saía em defesa do candidato do PRB: “na propaganda eleitoral de Pezão, fica evidente o tom de preconceito religioso contra Marcelo Crivella. O candidato tem atacado a crença do adversário, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)”. A reportagem ainda se refere a Crivella como “único candidato ficha limpa na disputa ao governo do Rio”.
A discussão ultrapassa a seara das religiões neopentecostais, como é o caso da IURD. A mistura de fé e política tem sido marca das eleições nos últimos anos no Brasil. Em 2010, o tema do aborto levou a então candidata Dilma Rousseff a se comprometer perante a igreja a, entre outros pontos, condenar a prática. Agora em 2014, questões morais e religiosas voltaram a atingir em cheio a disputa, como acontece no Rio.
Para o diretor executivo da ONG Educafro, Frei Davi Santos, a busca das religiões deve ser por justiça, e não por poder. “O grande problema é quando uma religião acaba se prendendo a um partido. Sou contra qualquer igreja declarar voto ou obrigar fieis a votar em determinado candidato”. E completa: “Está claríssimo que as neopentencostais têm um projeto político partidário para o Brasil”.
Para o especialista em Ciência da Religião, Dom Anselmo Chagas, política e religião não deveriam se misturar. “É claro que o pastor, ou o sacerdote, fazem parte da sociedade e devem ter opinião como cidadão, mas não como líder religioso. Eu fico um pouco assustado vendo líderes religiosos atuando na política”.
Chagas, que é diretor da Faculdade de Teologia São Bento, no Rio, pondera, no entanto, que “não se deve banir Deus da sociedade e da administração”. Para ele, tanto a igreja quanto o político devem ser contra, por exemplo, o aborto. “O político também deve estar a favor da vida”, sustenta.