Antes de entrar na sala onde seria a entrevista, estive em outros dois espaços do luxuoso escritório localizado no 16º andar de um prédio na avenida Paulista, próximo ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). No primeiro deles, incontáveis certificados, diplomas, medalhas de honra e enciclopédias nas paredes do local, que parecia mais uma sala de reuniões. Em seguida, já em companhia da assessora de imprensa, entrei em outra sala não menos chamativa, onde já estava José Roberto Batochio, candidato a vice-governador de São Paulo na chapa de Paulo Skaf (PMDB). De lá, o experiente advogado criminalista preferiu dirigir-se a sua própria sala do escritório, onde concederia a entrevista.
Ao entrar em mais um recinto do gigantesco escritório que tomava todo o andar, sentamos todos no sofá e começamos o bate-papo. Após ter explicado o objetivo da entrevista, fiz o meu primeiro questionamento. Simples de perguntar, mas nem tão simples assim de responder. “O que é política para o senhor?”. E então o bate-papo de uma hora e meia começou.
José Roberto Batochio é advogado criminalista há 48 anos, tendo defendido grandes nomes da política brasileira nos tribunais. O ex-deputado federal Waldemar Costa Neto, envolvido no escândalo do Mensalão, foi um dos clientes mais emblemáticos. Mas, neste caso, o advogado foi contratado para tratar de “uma situação familiar” antes do caso de corrupção, segundo o próprio advogado. Batochio também defendeu Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo.
Fã de Leonel Brizola, político que morreu em 2004, Batochio contou a história de um pedaço de papel que fez questão de emoldurar. Nele, Brizola o convidava a ingressar no PDT e se candidatar deputado federal. O advogado falou sobre sua amizade com Skaf, sua experiência no direito e na Câmara, já que foi deputado entre 1998 e 2002. Também fez referências a Martin Luter King e Nelson Mandela.
Entre algumas risadas, muitos goles de água e até mesmo uma imitação quase perfeita da característica e marcante voz de Maluf, Batochio fez questão de defender seus clientes. “Sinto a mesma coisa que o Martin Luther King sentiu quando tinham aquelas pessoas negras apontadas como marginais nos Estados Unidos. Eu me sinto como Nelson Mandela que também defendia o pessoal considerado terrorista. Ele até foi preso, mas espero que eu não seja”, brinca Batochio. “Só advoguei nessa esfera, defendendo a liberdade humana. E é bom que entendam que o advogado criminal defende os direitos da pessoa humana, não importa o que ela tenha feito. E nem sempre a defesa é dirigida a uma absolvição. Às vezes é para impedir que se cometam truculências, abusos, violências ao direito que a lei assegura à pessoa que está sendo processada. Todos esses defenderam cada um seu espectro, sem nenhuma pretensão. É uma coisa difícil de explicar que há uma tendência criminosa de querer transferir para o advogado as qualidades negativas, os vícios dos seus clientes. Defendi, e daí?”, completou.
Confira a nossa conversa:
Terra: O que é política?
José Roberto Batochio: Para mim, mais do que arte, é uma ciência. Através dela é que se constrói um quadro normativo básico chamado Constituição, que contém as normas disciplinadoras da vida em sociedade de uma determinada nação, as relações entre os homens, entre o Estado e os homens, a distribuição de competências. A ciência política nos legou da antiguidade clássica, de Aristóteles, passando por Barão de Montesquieu. A ideia de que o Estado, para que seja democrático e não sucumba à tirania e ao autoritarismo, tem que dividir a sua soberania, o seu poder, em segmentos autônomos e independentes entre si, mas que se controlem. Se um só homem concentrar o poder, iremos desaguar fatal e inexoravelmente no autoritarismo. A politica modernamente concebida é a ciência por meio da qual as pessoas podem conviver em sociedade. Estou falando juridicamente o que é política. Mas é a mais fundamental das atividades de uma sociedade livre. É algo extremamente complexo. A política é tão importante, interessante, que impede a ditadura da maioria e constrói sistemas que permitam a oxigenação e expressão das minorias. Política é, para vida em sociedade, o próprio ar social que respiramos.
Terra: Como começou na política e por quê?
Batochio: Política partidária ou política geral?
Terra: As duas.
Batochio: Política em geral eu comecei com 15 anos, como presidente de grêmio estudantil. Fui presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), fui presidente da OAB-SP depois presidente nacional da OAB. Posteriormente, quando terminei meu mandato na OAB, recebi uma carta do Leonel Brizola, por fax. Ele dizia: “Doutor Batochio, vi uma entrevista sua na TV e queria que o senhor viesse para o meu partido, que é o PDT. Suas ideias se harmonizam com o que eu penso”. Tenho esta carta até hoje. Coloquei num quadro. O Brizola foi um dos patriotas que tivemos. Eu pensei: “não tenho planos de ingressar na política partidária”. Lembro que era um período próximo à data limite de inscrição. Ele me telefonou e insistiu. “Estou mandando uma ficha e o senhor não deixe de assinar”. Acabei assinando e, no dia seguinte, ele me ligou falando que eu seria candidato a deputado federal. Me tornei um grande amigo e admirador do Brizola. Eu só tive um único partido e meus amigos até brincam: “Você é o único entre nós que só foi de um partido e tem só uma mulher, está casado com ela há 45 anos”. Nunca tive outro. O Brizola acreditava muito firmemente nas escolas de primeiro grau em período integral. Achava que poderíamos refundar nossa nacionalidade através desta modalidade de atividade pedagógica. Essa era a forma mais adequada e eficaz, até porque ‘no hay mejor’, como dizem, de se combater a criminalidade a médio e longo prazo. Sou advogado criminal, advogo há 48 anos. Só advoguei nessa esfera, defendendo a liberdade humana e é bom que entendam que o advogado criminal defende os direitos da pessoa humana, não importa o que ela tenha feito. E nem sempre a defesa é dirigida a uma absolvição. Às vezes é para impedir que se cometam truculências, abusos, violências ao direito que a lei assegura à pessoa que está sendo processada. Por isso que Gandhi foi advogado, assim como Martin Luther King, Nelson Mandela, Abraham Lincoln. Todos esses defenderam cada um seu espectro, sem nenhuma pretensão. É uma coisa difícil de explicar que há uma tendência criminosa de querer transferir para o advogado as qualidades negativas, os vícios dos seus clientes. Defendi, e daí?
Me elegi na primeira candidatura. Fui pra Comissão de Constituição e Justiça e o presidente era o José Carlos Aleluia. As comissões são organizadas por um critério político. Então entrei no Congresso Nacional e fui para a comissão. Também fui vice-líder do meu partido na Câmara etc.
Terra: Como era sua relação com o Brizola?
Batochio: Ah, você quer entrar nisso? Era uma coisa muito bonita, muito bonita mesmo. Ele me chamava de ‘Doutor Batochi’ com aquele jeito dele. E muitas noites, quando eu era presidente do PDT em São Paulo, ia à minha casa e ficávamos horas e horas conversando. Minha mulher dizia: “Com licença, sei que vocês têm muito mais a conversar então fiquem à vontade”. E ficávamos até de madrugada conversando. Pude conhecer detalhes de como ele resistiu ao movimento militar de 1964, as divergências com o Jango sobre ficar ou não ficar (na Presidência em 1964), em detalhes que eram incríveis.
Terra: Por que o Paulo Skaf é a melhor opção?
Batochio: Conheço o Paulo Skaf há muitos anos, desde que era presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). E já o conheci lutando em defesa da indústria nacional, porque havia importações fraudulentas da China. Então, Paulo deflagrou uma guerra para defender e combater irregularidades. Fui advogado dele em algumas providências. Advoguei para a Abit, nos tornamos amigos. Ele se candidatou à Fiesp e fui o assessor jurídico. Durante todo o tempo, conversamos muito, trocamos opiniões sobre vários assuntos, Brasil e todas as coisas. Essa é a relação que tenho com ele. Vejo nele uma pessoa com uma capacidade incomensurável de trabalho. É admirável. Digo isso não porque ele é candidato a governador na chapa que sou vice. Estou prestando esse depoimento com a maior sinceridade e serenidade. Ele é uma pessoa que consegue levantar 5h da manhã e trabalhar até 2h da manhã. E no dia seguinte de novo. É incansável. Outra coisa é sua determinação. Ele pensa bastante ao fazer suas opções. Analisa e toma uma decisão. Mesmo sem dinheiro público e na iniciativa privada, construiu 150 escolas. Está na hora de se fazer algo no longo prazo.
O Paulo vem da cadeia produtiva. Esse é nosso diferencial. Ele sofre com impostos. Fica naquele dilema do fim do mês e fala: “e agora? Eu só tenho para um, pago o imposto ou a folha?” Essa angústia vai ser levada para a administração pública. São ideias para o futuro e, quem sabe daqui a 30, 40 anos, a gente não alcance o Chile ou a Colômbia? Temos programas para longo prazo. Não é shakespeariano. Por que o Brasil é o único país da América Latina que exporta jatos? Há anos os japoneses se matavam para entrar no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e o que é o ITA se não um centro de excelência que gerou a Embraer. Isso se fez há 60 anos. Queremos muitos ITAs, não só do avião, mas da radiografia, da ressonância magnética. E temos que começar por São Paulo, por algum lugar. Quem sabe esse exemplo frutifique? É por isso que entusiasma. É algo a ser feito de forma diferente.
Terra: Como foi o convite para ser vice?
Batochio
: Ele me convidou, mas tive oposição da minha família, que disse: “outra vez? Com três filhos e três netos”. Aquela resistência toda, mas a história se repete. Temos que atender ao chamado, não podemos negar nossa contribuição. Tem que fazer o melhor de você. Foi um convite muito honroso e se transformou em entusiasmo. Não topei na hora, mas foi um processo.
Terra: Como pode ajudar Paulo Skaf?
Batochio: O papel do vice tem uma tônica central que é a descrição, algo discreto e um pouco invisível. Afinal de contas quem está na cabeça, no comando, é quem tem que ter as rédeas. Então, meu papel é de assessoramento, aconselhamento, troca de ideias, sugestões e coisas que vão nesse sentido de coadjuvância. Se puder contribuir com meu conhecimento na minha área de atuação, de leis, será ótimo.
Batochio: Espero que isso nunca ocorra. É claro que temos que nos aplicar, nos familiarizar cada vez mais com os dados concretos e objetivos da nossa realidade. Quando era presidente do conselho nacional da OAB, adotei uma pratica produtiva. Não se compara, mas é uma questão de critério. O poder tem uma coisa que vem com ele e se chama síndrome do isolamento. Quem exerce qualquer parcela de poder imediatamente é cercado por um conjunto de assessores, correligionários, que inevitavelmente elogiam os acertos e não falam dos desacertos. Quando fui presidente da OAB escalei três companheiros de três estados diferentes e disse que queria pessoas que falassem dos meus erros. E marquei reuniões quinzenais pra isso. “não tenham piedade”, eu disse. E com isso eu pude ver as coisas. Faço isso na minha vida prática.
Terra: Conte como foi o caso com Maluf? Ainda tem relação com ele?
Batochio: Ele queria apoiar o (Alexandre) Padilha (PT), tirou fotografia etc. O partido dele ganhou. Ele ficou vencido e veio apoiar o Paulo Skaf. Eu fui advogado do Paulo Maluf colateralmente. Na verdade sou mesmo é advogado do Flavio (filho de Maluf). Aquele episódio da prisão dele, uma coisa, a meu ver, totalmente odiosa, espetaculosa e desnecessária. Eu que impetrei, que sustentei o habeas corpus que foi ganho e que colocou ambos em liberdade. Porque realmente não era o caso, não tinha o menor fundamento. Sei que é difícil explicar isso para opinião pública. Quando um sujeito é político, tem visibilidade, as fúrias se açulam, erguem-se as tempestades. Mas tanto o humilde, o pobre, o miserável, o poderoso, todos merecem justiça. E eu demonstrei ao Supremo que não era o caso de decretar prisão, que eles iriam responder o processo em liberdade e estão aí. Ninguém fugiu. Tenho contato esporadicamente, falo mais com o Flávio.
Terra: Conte alguma história curiosa ou engraçada envolvendo a figura do Maluf.
Batochio: Ele é uma figura muito interessante, é agradável conversar com ele. É muito afável. Estou falando aqui como advogado criminal com quase meio século. Já vi muitas pessoas duronas desmoronarem. Aquilo (ser preso) é o ápice da solidão, o sujeito preso é a solidão absoluta. Nunca li no olhar de Maluf um traço de fraqueza, de hesitação. Ele é sólido, muito bem plantado. Foi um calvário e nem ele nem o Flavio, ao contrário do normal dos clientes de um advogado criminal, nunca houve uma súplica. Ele perguntava: “o que tem que ser feito?”. Eu dizia e ele falava que confiava com uma firmeza admirável, porque não basta confiança. Espero que você nunca viva isso. Essa situação é desestruturante. Desabam todos os seus valores. Às vezes um troglodita chora.
Houve um jantar para me agradecer. A única brincadeira que ele faz comigo é a seguinte. Ele tem uma fazenda de eucaliptos e é exatamente em frente a uma propriedade minha. Toda vez que ele me encontra ele diz: “Quando você vai me vender aquela fazenda? Vamos plantar eucalipto. Gado não dá dinheiro”.
Terra: Foi difícil fazer a defesa do Maluf?
Batochio: Quanto mais notável, mais pública a personalidade, mais difícil é. Aqui no Brasil, vivemos um momento que eu reputo inspirador de cuidados em relação às liberdades públicas e liberdades pessoais. Temos que combater a criminalidade com todo o rigor, mas com o rigor da lei. Não façam discursos para providências além da lei, porque isso não resulta em situação civilizada, mas sim em barbárie. Dá pra fazer as coisas dentro dos limites da lei e com o rigor necessário.
Terra: Você tem receio de ficar marcado por ter defendido pessoas estigmatizadas por casos de corrupção, como Maluf e Antonio Palocci?
Batochio: Não acho que ninguém ficou marcado por casos de corrupção porque ninguém foi condenado. E você estigmatizar uma pessoa antes de ela ser julgada é um preconceito odioso, condenável. O Palocci foi inocentado em tudo, mas tem gente que quer que ele não seja inocente. Não é? Mas ele é. Infelizmente, para esses de inclinação maldosa, ele é, e a Justiça assim proclamou. De modo que não vejo qual o estigma. O estigma de inocência? Ele foi absolvido no caso do caseiro e no do apartamento. Ele tinha uma empresa, de consultoria que toca até hoje e que vai muito bem. Disseram que não era possível e que quem ganhava dinheiro nesse País algum trambique fez. Não existe dinheiro limpo aqui. Ganhar dinheiro trabalhando de jeito nenhum. Então de onde é a sacanagem? Qual a sacanagem para pregar nele. Fizeram devassa federal, estadual e municipal na empresa dele. Perguntaram onde estavam as notas, ele mostrou, o contrato, ele mostrou, qual serviço, ele mostrou, relatórios, ele mostrou. Depois vem: “O MP examinou e opina pelo arquivamento”. Veja que coisa. Estigmatizado com o sentimento de injustiça, de ser acusado de uma coisa que era inocente.
Eu sinto a mesma coisa que (Heráclito Fontoura) Sobral Pinto sentiu quando defendeu o comunista Luís Carlos Prestes. Eu sinto a mesma coisa que o Martin Luther King sentiu quando tinham aquelas pessoas negras apontadas como marginais nos Estados Unidos. Eu me sinto como Nelson Mandela que também defendia pessoas consideradas terroristas. Ele até foi preso, mas espero que eu não seja.