O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo afirmou, numa série de mensagens publicadas neste sábado (1º), que o governo Jair Bolsonaro perdeu a "alma" e o "ideal". A postagem no Twitter é uma crítica direta à articulação política do Palácio do Planalto, sob influência de generais da reserva do Exército e comandada por deputados licenciados. Desde a crise ministerial que derrubou o embaixador do Itamaraty e atingiu outros ministros, a Secretaria de Governo é chefiada pela ministra Flávia Arruda (PL), e a Casa Civil, pelo ministro Luis Eduardo Ramos, desafeto do ex-chanceler.
"Um governo popular, audaz e visionário foi-se transformando numa administração tecnocrática sem alma nem ideal. Penhoraram o coração do povo ao sistema. O projeto de construir uma grande nação minguou no projeto de construir uma base parlamentar", disse o embaixador, atualmente numa função de terceiro escalão no Itamaraty. "Assisti a esse processo com angústia e inconformidade, e fiz o que pude, até onde pude, para preservar a visão original. Nisso estive quase sozinho. Vi confiscarem ao presidente seu sonho, anularem suas convicções, abafarem sua chama. (Não deixei que abafassem a minha)."
Ícone do conservadorismo ideológico, o ex-chanceler foi demitido do cargo no fim de março, após meses de intensa pressão de diversos setores da sociedade e do próprio governo. Aliados do embaixador sempre atribuíram sua queda a articulações de militares e parlamentares do Centrão, ambos pilares de sustentação política do presidente no Palácio do Planalto. Ele teve apoio apenas de próceres do núcleo ideológico bolsonarista para se manter no cargo, entre eles o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho 03 do presidente, mas não resistiu à pressão.
"Muitos desprezam o sonho do presidente de mudar o Brasil. Eu, ao contrário, sempre acreditei, sempre estive e estarei com ele no seu amor pela liberdade e sua luta para libertar o povo de um sistema opressor. Com o apoio popular estou certo de que ele terá a força necessária para vencer", disse, em mensagem de apoio pessoal a Bolsonaro, que ao mesmo tempo serve como forma de isolar as críticas ao núcleo duro do Palácio do Planalto que assessora o presidente.
O governo vem sofrendo uma série de derrotas políticas no Congresso, com o funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia da covid-19, no Senado, que mira na convocação de Ernesto Araújo e deve investigar sua condução da chancelaria. O ex-ministro foi criticado por ter colecionado atritos diplomáticos com parceiros estratégicos e, embora negue, os parlamentares atribuem a ele uma certa indisposição de países como China, Índia e Estados Unidos em colaborar prontamente para a obtenção mais célere de vacinas. O então chanceler era visto como um entrave a negócios e colaborações sanitárias.
O ex-ministro sempre se disse alinhado ao pensamento do presidente, como afirmou na última entrevista que deu no cargo, ao Estadão, dias antes de ser demitido. Ele considerava injustas críticas ao desempenho do governo no combate à pandemia e à imagem do País como ameaça global. Ernesto afirmou agora que a mudança no governo começou justamente com o recrudescimento da pandemia, em meados de 2020, e disse que o sistema se aproveitou do momento.
"Ao eleger o presidente Bolsonaro, em 2018, o povo brasileiro ganhou a chance de transformar o Brasil, de uma cleptocracia numa verdadeira democracia. Chegamos a avançar. Mas, a partir de meados de 2020, a reação do sistema, cavalgando a pandemia, começou a desmantelar essa esperança", afirmou. "Leilões, privatizações, reformas tributária e administrativa? Se não for combatida a essência do sistema, estas serão reformas 'Gattopardo': mudanças para que tudo permaneça igual. Nenhuma 'articulação política' vai mudar o Brasil. Somente a pressão popular. "
Ernesto disse que o povo deve pedir a Bolsonaro que simplesmente volte a ser o presidente eleito em 2018, "aquele que prometeu derrotar o sistema, o líder de uma transformação histórica e constitucional, o portador de uma missão".