A esquerda brasileira tem muito a aprender com a postura da ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner nas eleições deste ano. A constatação é do professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Marco Antônio Teixeira, que também é coordenador da graduação em Administração Pública da instituição, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
"Se a Kirchner tivesse optado por encabeçar a chapa, talvez o resultado das primárias tivesse sido diferente", avaliou Teixeira sobre a vitória da chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner sobre o atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, nas eleições primárias que ocorreram no último domingo no país.
"A decisão dela foi estratégica e muito inteligente, pois a presença de Fernández como cabeça de chapa alargou as potencialidades eleitorais da ex-presidente Cristina Kirchner, marcada pelo peronismo", disse o professor. Os efeitos da provável eleição de Fernández e Kirchner para o pleito marcado para o final de outubro, no entanto, preocupam Teixeira. "Bolsonaro se elegeu com um discurso de evitar a 'venezuelização' do Brasil, mas seu discurso em relação à Cristina Kirchner é idêntico ao do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, em relação ao próprio Bolsonaro", afirmou.
Teixeira afirma que a Argentina é um dos principais parceiros comerciais do País, mas que esse não é o principal problema da postura de Bolsonaro. "Se o peronismo voltar à Argentina, Bolsonaro coloca em risco não só nossa relação com nossos vizinhos mas também nossa posição no Mercosul e, mais ainda, no acordo do Mercosul com a União Europeia", disse.
Nesse aspecto, avalia o professor, quando o presidente Jair Bolsonaro utiliza termos como "bandidos" ou "esquerdalha" para se referir aos prováveis novos governantes da Argentina, acaba por criar um "embaraço diplomático enorme com grandes chances de afetar o mercado, a economia".
Efeito Orloff
"Penso que o efeito de qualquer problema na Argentina pode ser sentido no Brasil, mas não na mesma intensidade. Isso vai depender da relação diplomática que vamos escolher ter com o país vizinho independentemente de quem seja eleito em outubro", avalia o professor. "Se optarmos por isolar a Argentina, os efeitos econômicos podem ser devastadores para nós. Certamente teremos o efeito Orloff por aqui", ressaltou Teixeira.
"Efeito Orloff" foi o termo popularmente atribuído à frequente prática do governo brasileiro na década de 1980 de importar políticas econômicas da Argentina. A expressão surgiu em função da propaganda da vodka Orloff, veiculada pelas redes de televisão a partir de 1985, na qual eram apresentadas situações de ressaca seguidas da frase "eu sou você amanhã", de forma a demonstrar que a correta escolha da bebida é essencial para evitar dor de cabeça no dia seguinte.
Efeito Bolsonaro
O professor se disse partidário da ideia de que a aproximação de Bolsonaro com o presidente argentino, Mauricio Macri, prejudicou o desempenho do presidente nas eleições primárias do último domingo. "Bolsonaro sofreu protestos em sua última visita à Argentina em função das suas recentes e infelizes declarações sobre a ditadura militar", comentou. "O período militar na Argentina tem um peso muito grande para os argentinos, que têm sua história militar resolvida, prenderam generais, passaram esta questão a limpo", disse.
Tendo isso em vista, o professor acredita que Maurício Macri não deve querer estar perto de Bolsonaro tão cedo. "Duvido que Macri chame Bolsonaro para o seu palanque", afirmou. Teixeira também entende que as declarações de Bolsonaro sobre o período militar também deve motivar Macri a criar distância do presidente brasileiro, mesmo que seja reeleito.