Sem citar nominalmente o presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) defendeu a ação do Judiciário no Brasil e disse nesta segunda-feira, 12, que quando o presidente da República se isola, os outros poderes começam a "avançar mais". O tucano foi entrevistado no painel Democracia não é só eleição no segundo dia do Brazil Conference at Harvard & MIT, evento realizado pela comunidade brasileira de estudantes em Boston (EUA) em parceria com o Estadão.
"É importante se manter o respeito mútuo entre os Poderes. Quem tem que dar o exemplo é o Executivo. Quando o presidente se isola, os outros Poderes começam a avançar mais. Não acho que haja uma intervenção do Judiciário para impor limites à ação presidencial. O Judiciário tem se comportado corretamente", afirmou FHC.
Às vésperas da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado sobre ações e omissões do governo federal na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro abriu uma nova crise com Judiciário ao pressionar o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) a ingressar com pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal.
Em conversa por telefone divulgada pelo próprio senador nas redes sociais, Bolsonaro dá a entender que, se houver pedidos de impeachment contra ministros da Suprema Corte, podem ocorrer mudanças nos rumos sobre a instalação da comissão. Na entrevista, FHC revelou que quando era senador ia "anonimamente" assistir às sessões do STF para ver as brigas e debates entre os ministros.
Sobre a perspectiva de uma polarização entre o ex-presidente Lula (PT) e Bolsonaro na disputa presidencial de 2022, FHC avaliou que os políticos do centro precisam encontrar um nome que represente esse campo. "O fato de haver uma situação de polarização não deve assustar os que estão no centro. É preciso que haja personalização. Política não é só ideia. Tem que ter alguém que simbolize um sentimento", afirmou.
Debate
Após a fala de FHC, um painel proposto para discutir o mesmo tema, a democracia além das eleições, trouxe o jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira, o diretor da Fundação Ford no Brasil, Atila Roque, o professor de Direito da Fundação Getulio Vargas e colunista Thiago Amparo e a cientista política Thamy Pogrebinschi. O painel foi mediado pela professora de Governo de Havard Frances Hogopian, brasilianista.
Thamy, que abriu os debates, destacou que a participação popular nas discussões democráticas no País foi, ao longo dos anos, um processo induzido pelo Estado, e não pela própria população. Roque e Amparo destacaram o autoritarismo violento presente na história do País, e que a participação popular ocorre em um ambiente de racismo e desigualdades.
Gabeira falou sobre a distância entre a população e a política mesmo durante as eleições: segundo ele, campanhas caras, que resultaram na aproximação de políticos e empresários interessados em contratos com o governo - que, por sua vez, levaram a esquemas de corrupção - terminaram com a chegada ao poder de um candidato que não usava essas ferramentas de campanha (mas que tinha, ainda segundo Gabeira, seu próprio modelo de corrupção, por meio da coleta do salários das pessoas que empregava, as rachadinhas).