GSI confirma reunião secreta de ministro com Bolsonaro 4 dias antes de entrega de joias

Kit foi trazido por almirante e teria ficado guardado por um ano no Ministério de Minas e Energia até ser entregue a Bolsonaro

19 set 2023 - 05h00
Kit de "joias rose" trazido por Bento Albuquerque da Arábia Saudita, que ficou guardado por um ano no Ministério de Minas e Energia até ser entregue a Bolsonaro.
Kit de "joias rose" trazido por Bento Albuquerque da Arábia Saudita, que ficou guardado por um ano no Ministério de Minas e Energia até ser entregue a Bolsonaro.
Foto: Divulgação/Polícia Federal

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência confirmou a existência de um encontro secreto entre o então ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e Jair Bolsonaro (PL) no dia 25 de novembro do ano passado, no Palácio da Alvorada. A reunião aconteceu quatro dias antes do então presidente receber o estojo de joias avaliado em R$ 600 mil que ficou guardado por um ano na pasta comandada por Sachsida. O encontro, que não consta das agendas oficiais de ambos, foi revelado pelo Terra no início de setembro.

A presença de Sachsida está registrada no “relatório de entrada e saída de pessoas” do Palácio da Alvorada, feito pelo GSI. O documento foi enviado à coluna em resposta oficial a uma solicitação feita com base na Lei de Acesso à Informação. As anotações revelam que o então ministro entrou no Palácio às 15h22 e deixou o local pouco depois, às 15h50. Horário coincidente com o registrado na agenda secreta de Bolsonaro, das 15h30 às 16h.

Publicidade

Naquele dia aconteceu também uma reunião com o ex-ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque. Foi o militar quem trouxe as joias da Arábia Saudita, sem declará-las à Receita Federal, em outubro de 2021. O encontro de Bento Albuquerque, diferentemente do de Sachsida, está registrado na agenda pública de Bolsonaro.

Ainda que a legislação exija transparência das agendas, há encontros que as autoridades omitem. A agenda pública fica disponível nos sites do governo. Já a “confidencial” que revelou a reunião secreta era de acesso restrito, feita por assessores da Presidência destacados para essa função e compartilhadas internamente através de e-mail funcional da Presidência. A coluna teve acesso a essa agenda secreta a partir de trocas de e-mails oficiais do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito de Bolsonaro.

Naquele dia 25 de novembro, ainda, Bolsonaro recebeu a visita de outras autoridades e as manteve secretas: o ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente, general Braga Netto (PL), esteve por duas vezes no Alvorada. Entre as 8h38 e às 9h13 e entre às 10h38 e às 11h12.

Também foi assim com o então Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. Ele esteve na residência oficial da Presidência entre as 12h41 e às 13h14.  As informações públicas do caso das joias, até aqui, não indicam participação ou suspeitas sobre Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira.

Publicidade

No registro do GSI aparecem os demais nomes que estiveram com Bolsonaro naquele dia e constam na agenda oficial. São eles: Bento Albuquerque, o ministro de Relações Exteriores, Carlos França, e Eduardo Barros (que pelo horário de entrada coincidente com a agenda do líder de governo Ricardo Barros (PP-PR), indicando que pode ter havido erro no registro do nome).

Enriquecimento ilícito com joias

O conjunto de joias da marca Chopard, que está na investigação da Polícia Federal (PF),  conhecido como o “kit rosê ", contém uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe (‘masbaha’) e um relógio. Os itens são feitos com partes em ouro e diamante e foram dados pelo governo da Arábia Saudita em outubro de 2021.

O pacote foi recebido pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2021. O item foi trazido na mochila do almirante e não foi declarado à Receita Federal, o que, segundo o órgão, pode configurar violação da legislação aduaneira. A partir de então, o item ficou guardado por um ano dentro do Ministério de Minas e Energia até ser entregue a Bolsonaro em 29 de novembro de 2022.

As joias foram recebidas por um funcionário às 15h50, no Palácio da Alvorada, como consta no formulário de recebimento de presentes para o presidente da República revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. No documento, há um questionamento sobre Bolsonaro ter visualizado o item; a resposta é “sim”.

Publicidade

Entre policiais federais a suspeita é de que as joias foram entregues a Bolsonaro logo após a volta da viagem, em 2021. Desse modo, o ofício da entrega das joias em 2022 seria apenas um álibi para formalizar o ingresso do presente e a posterior incorporação dos itens ao patrimônio pessoal de Bolsonaro.

As investigações sobre enriquecimento ilícito de Bolsonaro com a venda de presentes diplomáticos indicam que, um mês após serem entregues, essas joias foram levadas “de forma oculta” pela comitiva presidencial aos Estados Unidos e colocadas em um leilão. Em uma das conversas encontradas pela polícia, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid lamentou a outro assessor a entrega “só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares“ e riu.

Para a PF, mensagens como essa de Cid “evidenciam” um esquema de peculato [crime de apropriação de bens públicos] de desvio dos presentes recebidos por autoridades estrangeiras para venda e “enriquecimento ilícito do ex-presidente”. Em declarações à imprensa, todos os envolvidos negaram envolvimento ilícito no caso.

Outro lado

A coluna procurou o ex-ministro Adolfo Sachsida e a assessoria de Jair Bolsonaro por mensagem na tarde desta segunda-feira, 18, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Publicidade

Os generais Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira não foram localizados para falarem sobre a reunião fora da agenda. O espaço está aberto para manifestação de todos os citados.

À época da reportagem sobre a agenda secreta de Bolsonaro, Bento Albuquerque não respondeu às perguntas da coluna. Ele, assim como Bolsonaro e Sachsida, em declarações à imprensa já haviam negado qualquer envolvimento ilícito no caso.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se