Negociação do governo Lula com Centrão ignora PSB, partido do vice-presidente

Em entrevista exclusiva, Carlos Siqueira, que comanda partido de Alckmin, diz que só sabe o que lê no jornal e critica alianças sem programa

21 jul 2023 - 09h31
(atualizado às 11h42)
Presidente do PSB, Carlos Siqueira diz que trocar Dino, Alckmin ou França seria 
perda para o governo o país
Presidente do PSB, Carlos Siqueira diz que trocar Dino, Alckmin ou França seria perda para o governo o país
Foto: Sérgio Dutti/Divulgação PSB

"Se [o governo] quer mudar [os ministérios] é muito simples, é chamar, explicar e fazer a mudança", disse objetivamente o presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, ao ser questionado sobre a especulação de que ministros do seu partido podem ser demitidos para dar espaço a quadros do Centrão no governo Lula (PT). O incômodo de Siqueira se dá porque enquanto ministros do Palácio do Planalto discutem uma aliança com partidos que fizeram campanha para Jair Bolsonaro (PL), o PP e o Republicanos, o PSB, que ocupa a vice-Presidência com Geraldo Alckmin, sequer foi procurado pelos interlocutores de Lula. Sem ter conhecimento oficialmente do que o governo planeja, ele diz que o que sabe, é o que lê pela imprensa.

Em entrevista exclusiva ao Terra, o mandatário da sigla que tem três ministérios no governo critica a falta transparência nos critérios para escolha de nomes do Centrão por apoio político, sem alinhar programas ao projeto do governo.

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Pelo PSB estão na Esplanada, o vice-presidente Alckmin, como ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e os ministros da Justiça, Flávio Dino, e de Portos e Aeroportos, Márcio França. 

Horas antes de entrevistar Siqueira, nesta quinta, 20, questionei Alckmin sobre a reforma ministerial, ele desconversou. Siqueira foi franco e direto: "Ele [Lula] que decida o que quer mudar, o que não quer. Agora, não quer dizer que nós estejamos de acordo".

"Estou achando que se aprofunda a anomalia de um sistema político um pouco carcomido que precisa se aperfeiçoar. Mas se querem colaborar para que isso continue, que façam. A responsabilidade é de quem faz", frisou.

Veja os principais trechos da entrevista concedida na tarde desta quinta-feira à coluna: 

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Terra: Qual é o papel hoje do PSB no governo e na base do governo? Como que o senhor vê esse papel?

Carlos Siqueira: Olha, ouço falar nessas histórias. Mas ninguém falou comigo sobre reformas, o que eu tenho são notícias de jornal. Devem ter algum fundamento, mas não sei ainda e o governo não procurou o partido para tratar desse assunto. O que tenho presente é o papel que o país me subjugou [submeteu] na própria sucessão presidencial.

O presidente Lula teve a sorte de ter o Dino, o Alckmin e o Márcio França. Inicialmente seria só um ministério que acabou se transformando em três.

Ninguém oficialmente me falou que vai ter mudança de ministro nenhum, mas é o que leio e ouço todo dia nos jornais televisivos e um pouco, digamos, preocupado. Não com o problema do PSB ser daqui, dali ou de outro partido [perder] o espaço. Mas pelo grau de anomalia a que se chegou o sistema político brasileiro. Partidos, e não são poucos, participam de todos os governos. Do Lula, da Dilma, do Temer, do Bolsonaro e agora voltam a participar do governo Lula.

Nas democracias consolidadas jamais haverá isso. É impossível você pensar que na Inglaterra um governo trabalhista [centro-esquerda] participando do governo dos conservadores [de direita]. Você não vê esse mau exemplo em lugar nenhum do mundo.

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O surgimento da extrema direita e dessa divisão que houve no país reflete essa crise profunda que tem o sistema político brasileiro, que precisa se aperfeiçoar profundamente para evitar no futuro uma ruptura como quase nós passamos aqui. Ganhar a eleição, e ganhar por tão pouco não foi uma solução definitiva.

Terra: Você disse que oficialmente não há nada sobre mudança ministerial. O senhor espera que alguém o procure ou vai procurar alguém do governo? 

Imagino que se realmente houver uma necessidade, que o partido seja contactado a esse respeito. Sempre foi [contactado] para montagem, para desmontagem também suponho que seja eu ouvido pelo menos. 

Terra: E o partido está disposto a aceitar qual espaço, se for necessário mudar? 

A mudança é uma decisão exclusivamente do presidente [Lula]. Se ele quiser mudar, ele vai mudar. Agora, a posição do PSB é manter os espaços que já tem. Se o presidente quiser mudar, é direito dele. Pode mudar um, dois, três, todos, nenhum. Ele que decida o que quer mudar e o que não quer. Agora, não quer dizer que nós estejamos de acordo.

Terra: E isso pode ter que tipo de consequência?

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Não posso antecipar nenhuma consequência porque, como lhe disse, sequer fui comunicado sobre qualquer tipo de mudança. Então também não vou falar sobre hipótese. Na hora que for informado que a mudança é assim, eu vou dizer [ao presidente] o que eu estou te dizendo.

Os três [ministros] estão todos se saindo muito bem, são quadros excepcionais que não têm problema no âmbito governamental, não vejo nenhuma razão para mudar nenhum deles.

Terra: Há um incômodo em ver essas notícias sendo publicadas há pouco mais de um mês e não ter uma conversa com o governo? Como que o senhor se sente sabendo pela imprensa?

Isso é um processo terrível que se criou. Essa história, que apelidaram de fritura das pessoas. Se quer mudar é muito simples, é chamar, explicar e fazer a mudança. Não há nada de espetacular. É desnecessário esse período longo de especulações com o nome das pessoas que ‘sai Fulano, sai Beltrano’. Eu acho muito desagradável, francamente falando.

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Eu fui procurado pela presidente [do PT] Gleisi [Hoffmann] para uma conversa, não sei se será sobre isso. Ela não me antecipou o assunto. Até o momento que falo contigo, não há nenhuma conversa a esse respeito de mudança de ministro.

Terra: E para quando é a conversa?

Amanhã [hoje] ou segunda-feira (24).

Terra: Qual o risco o governo corre com a saída do PSB com a troca  de ministros, das mudanças?

Se houver [mudança em] qualquer um dos três, perderia o governo e o próprio país, porque não vejo nenhuma razão para tirar nenhum deles. Isso não é um assunto decidido pelo partido, é um assunto decidido pelo presidente da República.

Terra: Algum dos ministros do partido ou lideranças procuraram o senhor para falar dessa situação?

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Não, porque nenhum deles foi procurado [pelo governo] sobre isso também. Eles sabem tanto quanto eu, pela imprensa, dessa eventual mudança. Não há razão para ficar decidindo, se pautando por notícias plantadas na imprensa. Deixa que o presidente se pronuncie, mande chamar, mande um emissário, fale.

Terra: Em uma entrevista à Folha, o líder do Governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) disse que o governo está em um processo de um novo ciclo de diálogo e construção de uma frente. Mas esses partidos estavam na eleição com Bolsonaro [interrompe]

Estavam com Bolsonaro e estarão daqui a três anos, provavelmente com o adversário de Lula ou do seu sucessor. Um é o partido do governador de São Paulo [Republicanos] e outro [PP] é um partido que também está em todos os governos. É uma escolha política, cada um tem uma compreensão da realidade.

Eu tenho a minha, Guimarães tem a dele. Em geral, os políticos profissionais acham que o sistema político está funcionando bem, né? Ainda não descobriram porque surgiu Bolsonaro. Será que foi pelos acertos ou pelos erros de todo sistema, sem exceção?

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Terra: A conjuntura política faz o presidente Lula precisar negociar com esses partidos? 

Negociar precisa e tem sido negociado. Ele acabou de fazer a mudança na Constituição com quórum altíssimo, sem precisar de ministério. Eu não sei se ele avalia que precisa [negociar] ministérios, ou se ele assumiu algum compromisso para ter esse apoio em troca de ministérios. Não tenho essa informação. Precisa ter transparência de dizer ‘olha, quero porque aceitei o apoio em função disso’.

Terra: O PSB merece um espaço maior no governo? 

Estamos satisfeitos, queremos apenas manter, só isso. Minha avaliação é de que estamos correspondendo ao espaço que temos e que são ministros excelentes que precisam ser mantidos. Se o presidente acha diferente, ele que diga ou comunique.

Terra: Sinto que tem um ambiente com um pouco de incerteza no ar.

Não tenho nada a reclamar a esse respeito. Para formar o governo, conversaram com o PSB. Não estou reclamando, não. Estou achando que se aprofunda a anomalia de um sistema político um pouco carcomido que precisa se aperfeiçoar. Mas se querem colaborar para que isso continue, que façam. A responsabilidade é de quem faz.

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Terra: Sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ele é forte pelo apoio que conquistou ou pela estrutura que permite isso na Câmara? A estrutura vai fazer qualquer presidente da Câmara tão forte quanto ele?

Política é realidade. Sendo presidente da Câmara, é uma liderança forte e precisa negociar com ele, não sei se necessariamente dar ministério, mas negociar. Se negocia até com a oposição, não há problema. Mas se faz aliança em torno de ideias. Você pode ocupar ministério em torno de um programa. Não sei se existe esse compromisso do Centrão em adotar o programa do governo.

Terra: Pelo que se lê na imprensa e apurando parece que não.

Pois então, você disse bem, “parece”, não está claro para ninguém. Não há transparência sobre isso e é preciso ter. É preciso ver o imediatismo e ver, ao menos, o médio prazo, já que não querem ver a longo prazo. O que pode ocorrer politicamente?

Se você coloca eles [Centrão], está os fortalecendo muito. Eles sabem muito bem como utilizar essas coisas [estrutura do governo], têm prática, são profissionais da política. O governo, tem que fazer essa avaliação. É uma avaliação sobre que rumos se quer dar para política brasileira. É uma avaliação que merece um aprofundamento maior, não é uma coisa banal de troca de cargos.

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Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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