A primeira dúvida que tenho quando se fala em passar a mão na cabeça dos criminosos que tomaram as sedes dos Poderes em Brasília em 8/1 é: que anistia é essa, se os ataques do 8/1 não terminaram ainda? Não me refiro à tentativa de impor um golpe, mas à ideia, à articulação e atuação criminosa de minar e derrubar instituições. Esse plano, que não começou no dia 8/1, ainda está de pé e agora pulsa na veia do terrorismo doméstico.
O capítulo mais recente dessa história aconteceu nesta quarta, 13, na Praça dos Três Poderes. Francisco Wanderley Luiz incendiou um veículo, tentou invadir o STF e atirou bombas contra o edifício antes de se matar. Não é um caso isolado. A atuação pode ter sido solitária, mas em hipótese alguma está desconectada do contexto de intimidação golpista contra instituições.
Segundo informações do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, os explosivos do carro foram acionados à distância por Francisco Wanderley. Ele estava em Ceilândia, próximo a Brasília, há alguns meses morando de aluguel. Deixou recados no imóvel que ocupava e bombas para matar policiais. Os artefatos só não feriram os agentes porque utilizaram um robô para revistar o cômodo.
Essas primeiras informações deixam evidente que havia um nível elevado de premeditação e sofisticação voltado para criar o caos e matar. Não é um maluco como minimizam os bolsonaristas.
O caso das bombas mostra que a violência semeada desde antes do governo Jair Bolsonaro (PL) pela ideia de “Deus, pátria e família” - lema fascista - vingou. O patriotismo e a camisa da CBF é só uma fantasia usada para destruir instituições, ameaçar opositores e perseguir autoridades.
Bombas são algo comum ao bolsonarismo. O próprio Jair Bolsonaro foi preso por arquitetar a detonação de uma bomba no quartel, no final dos anos 80, e por isso foi chutado da instituição. Trilhou seu caminho pelo escurinho do plenário da Câmara por longos e improdutivos 28 anos.
No final de 2022, quando Bolsonaro se recusava a reconhecer a derrota para Lula, seus apoiadores tentaram explodir uma bomba ao lado do aeroporto de Brasília. O artefato foi gestado no acampamento que pedia golpe militar e existiu por três meses sob segurança dos próprios militares. Em Brasília, havia até interdição do trânsito para orientar o fluxo dos golpistas. Aliás, os militares voltaram os tanques contra a PM para impedir a prisão da turba na noite do 8/1.
Na extrema direita, há uma obsessão em livrar da cadeia os golpistas que destruíram os prédios em Brasília. Mas não só ali há relativização. O próprio ministro da Defesa de Lula, José Múcio, considerou ao O Globo, em janeiro de 2024, que a tentativa de golpe foi um ato de “senhoras, crianças, rapazes, moças... Como se fosse um grande piquenique, um arrastão em direção à Praça dos Três Poderes. Foi um movimento de vândalos, financiados por empresários irresponsáveis”. Jura que foi isso?
Em situações sobre a importância de uma punição firme e exemplar a criminosos e a quem burla as regras do jogo, lembro do livro de memórias do ex-presidente FHC, Diários da Presidência 1995-1996 (Companhia das Letras).
O tucano escreveu que em março de 1995, Luiz Carlos Bresser-Pereira, então Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado “foi profundamente ofendido por um tal de [Jair] Bolsonaro, que, segundo me dizem, foi capitão e é deputado. Isso não é aceitável. Já disse de forma muito enérgica que não posso concordar. Pedi aos líderes, na reunião que tivemos ontem no ministério, que levassem adiante o processo de cassação dele por falta de decoro, porque acho que o governo tem que reagir a este tipo de ação” (páginas 106 e 107).
Não houve reação, e anos mais tarde Jair Bolsonaro defendeu em uma entrevista de TV o fuzilamento de FHC, então presidente. À época desta fala, o presidente da Câmara era Michel Temer (MDB), e nada impediu Bolsonaro de seguir seu caminho, eleger os filhos e se tornar presidente. E veja as coincidências da História, o nome de Temer recentemente foi ventilado como possível vice em uma chapa com Bolsonaro, caso recupere seus direitos políticos. Ambos ex-presidentes negam a hipótese.
A bandeira da anistia, por enquanto, foi pelos ares com as explosões na noite desta quarta, 13. E o mais importante é que golpistas, financiadores, plataformas que estimulam o ódio e quem mais arquitete golpes contra pessoas, instituições e a democracia sejam definitivamente punidos, não perdoados.
Bom feriado e final de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro.