“A situação de uma semana atrás era da vaca desconhecendo o bezerro”, essa é a leitura que uma importante liderança da cúpula do Congresso tem feito sobre o cenário político atual. Essa figura de linguagem ajuda a ilustrar um problema que foi se moldando nos últimos meses, mas ficou evidente apenas com a angustiante tramitação do pacote fiscal de Lula (PT), em meio a pressão do mercado, com dólar acima de R$ 6, e pedidos por reforma ministerial.
Já está na boca de todo parlamentar que uma mudança na Esplanada é iminente. Não só por cobranças de congressistas, mas por falhas na articulação do governo, precificação do mercado sobre as contas públicas com reflexos no dólar, inflação e aumento dos juros. O cálculo político dentro e fora de Brasília mira nas eleições de 2026. Afinal, a cada dia que se passa, fervilha mais a disputa presidencial.
E a reforma não é só para “ajudar” o governo, como alguns políticos costumam desconversar. Mas também para cobrar retorno àqueles que - não sem negociações, emendas e cargos - pavimentaram essa primeira metade de mandato e não se sentem reconhecidos. Ou seja, não comandam políticas públicas, ministérios e orçamento. A máxima em Brasília é: você cuida melhor da casa em que você mora.
Voltando à conversa que tive com a autoridade que falou da vaca e do bezerro, a avaliação é de que a estrutura montada por Lula em 2022 não funciona mais e tampouco reflete a realidade política do país. Essa influente fonte pediu para não ter seu nome divulgado.
Para lembrar, ainda antes da posse, com condução de Fernando Haddad (Fazenda), o governo eleito pactuou a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição para ajustar o Orçamento de 2023 com lideranças da Câmara e Senado. Desse arranjo, saiu a montagem dos ministérios.
Embarcaram partidos que já tinham apoiado Lula na eleição, como os da esquerda (Psol, PCdoB, PSB), o MDB, e os que eram mais pendulares como o União Brasil e o PSD. Já em 2023, no primeiro ano da gestão, siglas que estiveram na coligação de Jair Bolsonaro (PL), Republicanos e PP, foram convidadas para assumirem um ministério cada e diretorias da Caixa. É nesse blocão de partidos que fervilha a disputa por reconhecimento político, novos espaços, poder.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Planalto celebra que todos os projetos importantes foram aprovados. E de fato foram, destaco, por exemplo, o arcabouço fiscal (que deu novas regras para o gasto público), a reforma tributária, ajustes em programas sociais, o Pé de Meia. A economia vai bem, a popularidade, nem tanto.
O último esforço estava concentrado nas medidas que vão dando alguma viabilidade ao arcabouço fiscal. Os obstáculos para avançar com a pauta mostraram o ambiente que se criou durante a pausa provocada pelas eleições municipais e estava adormecido.
O governo passou cerca de dois meses negociando internamente. Foi um período em que pipocaram ameaças de ministros descontentes com cortes, vazaram informações incompletas e especulações de toda a sorte que deixaram o ambiente mais difícil e confuso. Quando foram anunciadas as medidas para economizar R$ 70 bilhões até 2026 e de R$ 320 bilhões até 2030, o ministro Haddad teve que lidar com mais fogo amigo.
A divulgação oficial de projetos para serem votados até dezembro se misturou com uma promessa de campanha que será discutida apenas ano que vem. O pacote e a redução do imposto de renda podem ou não ser bons, mas a condução foi ruim.
As medidas chegaram à Câmara com o mercado elevando o dólar - que naturalmente já oscila nessa época do ano com remessas de multinacionais para as matrizes - e precificando a gestão Lula. Com o câmbio acima de R$ 6, a inflação deve seguir aumentando e a Selic também.
Até ser aprovado, o tête-à-tête feito no Congresso para garantir os votos do ajuste foi acompanhado de queixas do dia a dia, como a acomodação dos partidos na eleição Mesa da Câmara, o processo de renovação das lideranças dos partidos, insatisfação da base do governo com ajuste sobre temas sociais, desencontro entre ministérios do governo e do mercado com o governo. São pequenas questões que, juntas, e num ambiente conflagrado pesam e encarecem o apoio político.
Não podemos esquecer de problemas antigos como o desafeto público que há entre o ministro da articulação política, Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Eles não conversam, há mais de um ano, uma situação rara entre jogadores do primeiro escalão da política brasileira, pós-graduados em pragmatismo.
Pois bem. Vencido o pacote, a dúvida que persiste é: Lula criará um novo ambiente político? Qual, com quem e com que rumo? A vaca vai reconhecer o bezerro ou vai para o brejo levando consigo os sonhos de reeleição da esquerda?
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro.