Opinião: Afinal, Lula vai taxar a compra de ‘brusinha’ e bugiganga da China?

No Planalto taxação causa arrepios; na Fazenda, entendimento é de que o momento é para "deixar o debate acontecer"

24 mai 2024 - 12h14
Lula entre os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais)
Lula entre os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais)
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Nesta semana, a política reacendeu uma discussão quentíssima em torno da simples pergunta: afinal, o governo Lula (PT) vai taxar compras internacionais de até US$ 50?

Vamos à resposta que ele deu a jornalistas ontem: “A tendência é vetar (a taxação), mas também pode se negociar”. Bom, mas e aí, vai taxar ou não vai compras na Shein, Shopee, AliExpress, etc?

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Desde o início da gestão, o governo se debruça sobre essa equação politicamente difícil para dizer de maneira taxativa, com o perdão do trocadilho, se haverá aumento ou não, quanto e quando. Todas as vezes que essa discussão esquenta provoca arrepios ao projetar uma queda imediata de popularidade.

Nesta quinta, 23, conversei com uma fonte no Ministério da Fazenda que está diretamente envolvida no tema. A percepção é de que “o bolsonarismo está perdendo apoiadores no empresariado”. Isso porque associações e entidades ligadas ao varejo e à indústria reforçaram o lobby em Brasília pela taxação - mandando vídeos e fazendo corpo a corpo com parlamentares. A taxação tem um forte aliado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Acontece que não é só a oposição que defende a isenção das taxas sobre os produtos asiáticos. O PT e o governo se dividem sobre isso, a primeira-dama Janja da Silva que o diga. Essa fonte da Fazenda reconheceu que o tema não está “maduro” e gera muita controvérsia no Palácio do Planalto. E por isso avalia que o momento é de “deixar o debate acontecer”.

Atualmente, as compras inferiores a US$ 50 estão dentro do programa Remessa Conforme, da Receita Federal. A cobrança que há é pelo Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS, que é estadual (dinheiro para o cofre dos governadores). A alíquota é de 17%. Essa alternativa foi feita pelo governo para dar alguma regularidade a este comércio. Diferente é o caso de valores acima de US$ 50, quando, aí sim, incide a cobrança de 60%.

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O ponto é que a isenção não existia, e a Fazenda apontava que varejistas internacionais fraudavam as vendas como se fossem encomendas de pessoas físicas para não pagarem imposto. A solução do governo, ano passado, foi criar esse programa Remessa Conforme para que as empresas aderissem voluntariamente para pagar o ICMS.

A discussão é acalorada porque atinge diretamente milhões de pessoas e diferentes interesses de uma só vez. Por isso a pergunta “simples” e direta fica complexa. Para além de mim e dos colegas jornalistas, estão interessados nessa resposta diversos grupos como:

  • o consumidor que, com razão, não quer pagar mais caro; 
  • a indústria e o varejo, que não querem competir de maneira desigual com o sistema de produção chinês; 
  • a Fazenda que tenta atender a esses setores chave da geração de emprego e melhorar a arrecadação;
  • operadores do mercado (bancos, investidores, corretoras) que financiam e lucram ou perdem dinheiro atuando sobre o desempenho das contas públicas;
  • a Receita Federal, que é favor de manter a isenção, já que existe o Remessa Conforme.

E há uma análise sobre o protecionismo econômico (como, por exemplo, fazem os Estados Unidos frente e China) e o ponto fundamental para Lula: o eleitor.

Em meio a isso tudo e sem uma posição clara do governo, o tema chegou a figurar na pauta da Câmara desta semana, mas saiu sem ser votado.

Como disse Lula na quinta, as bugigangas compradas na China estão no carrinho da primeira-dama, da esposa do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), Lu Alckmin, e até da filha do presidente da Câmara, Arthur Lira. “Todo mundo compra”, afirmou.

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Ainda que o presidente possa ter informações sobre o perfil dos consumidores que importam produtos da China, o tom da fala foi machista:

“Mulheres, a maioria, e jovens tem muita bugiganga. Nem sei se essas bugigangas competem com as coisas brasileiras. Mas temos dois tipos de gente que não pagam imposto. As pessoas que viajam, que têm isenção de US$ 500 dólares e US$ 1 mil , que são gente de classe média. E como que você vai proibir pessoas pobres, meninas e moças que querem comprar uma bugiganga, um negócio de cabelo, sabe?”, disse Lula.

“O que precisamos ver é um jeito de não tentar ajudar um prejudicando o outro. Mas tentar fazer uma coisa uniforme. Estou disposto a conversar para encontrar uma saída”, finalizou na rápida fala.

Esse recado é para Haddad - que defende a taxação de olho na arrecadação e para coibir fraudes - e é de longe um dos ministros mais habilidosos da gestão Lula 3. Nesta quarta, 22, o ministro que foi orientado pelo presidente a ler menos livros e ir para o Congresso, mostrou que está em forma para o debate. Questionado pela oposição e negacionistas da análise econômica, Haddad viralizou descredibilizando ataques e informações alopradas da (mal articulada) oposição.

De 2023 para cá, a percepção é de que Haddad vem ganhando aliados para essa pauta. Há gestos no Congresso, varejo e indústria, mas não o suficiente para emplacar a medida. Ele defende uma construção dos Três Poderes sobre o tema.

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A Terra é redonda o tempo todo”, respondeu Haddad a um deputado negacionista econômico. A fala que viralizou serve para negar uma alopração geográfica e mostrar também que a política, assim como o mundo, consegue dar suas voltas.

Bom fim de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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