Opinião: Agenda secreta de Bolsonaro traz à tona um novo nome no caso das joias sauditas

Agenda confidencial indica reunião do então presidente com ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, 4 dias antes de receber joias

1 set 2023 - 10h54
Kit de "joias rose" trazido por Bento Albuquerque da Arábia Saudita, que ficou guardado por um ano no Ministério de Minas e Energia até ser entregue a Bolsonaro.
Kit de "joias rose" trazido por Bento Albuquerque da Arábia Saudita, que ficou guardado por um ano no Ministério de Minas e Energia até ser entregue a Bolsonaro.
Foto: Divulgação/Polícia Federal

Caso o tenente-coronel Mauro Cid, aquele ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tivesse tomado a vacina de covid, você, talvez, não estaria lendo este texto. Preso desde maio por suspeita de participar de um esquema de fraude do cartão de vacina dele, de familiares e do presidente, Cid é o homem-bomba do capitão. Sabe de tudo que nós não sabemos. A busca e apreensão daquela operação permitiu que a Polícia Federal avançasse sobre outras frentes de investigação, como as tentativas do golpe de 8 de janeiro e o caso das joias.

Além disso, as revelações dos escândalos deram força política para a PF e Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas de 8 de janeiro fazerem quebras de sigilo fiscal, bancário e descobrirem que Cid apagou seus e-mails dos tempos de Presidência, mas não os deletou da lixeira.

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Uma fonte (que não terá seu nome e função revelados) me encaminhou os e-mails de Cid, dentre os quais encontrei uma informação importante: uma “agenda confidencial” de Bolsonaro indicando uma reunião com o então ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, quatro dias antes de receber

que ficaram guardadas por um ano naquele ministério. Relatei com mais detalhes essa apuração em uma reportagem exclusiva que publicamos nesta sexta, 1, no Terra.

Quando foi derrotado por Lula (PT) nas eleições, Bolsonaro se recolheu no Palácio da Alvorada (residência oficial da Presidência) e fez raras aparições públicas. Por vários dias não teve agendas e tinha conversas apenas com aliados mais próximos, alguns ministros e familiares.

Entre esses poucos compromissos, constam os encontros com o almirante Bento Albuquerque e o então ministro Adolfo Sachsida. Para lembrar: Bento Albuquerque era ministro de Minas e Energia em outubro de 2021, quando driblou a Receita Federal e entrou no país com um estojo de joias dado pela Arábia Saudita. A reunião de Bento Albuquerque está marcada na agenda confidencial de Bolsonaro entre às 15h e às 15h30. Essa reunião consta na agenda pública do ex-presidente.

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A informação que você e eu não encontramos na agenda pública é de um encontro marcado para logo depois, das 15h30 às 16h. Esse registro está na “agenda confidencial”, que foi montada por servidores da Presidência destacados apenas para cuidar dos horários do mandatário e eram compartilhadas internamente a poucas pessoas. Toda a comunicação era oficial, por meio dos e-mails funcionais (@presidencia.gov.br).

Importante fazer um esclarecimento: a agenda pública fica disponível nos sites do governo. Já a “confidencial” era de acesso restrito, Cid é um dos cerca de 25 contatos que recebiam essas atualizações sigilosas.

O registro dessa agenda é um fato. Outro fato é a entrega das joias. Um documento oficial indica que em 29 de novembro, os presentes de ouro e diamante foram entregues. Ou seja, quatro dias depois dos registros da agenda secreta de Bolsonaro indicar conversas reservadas com o ex-ministro que trouxe as joias sem declará-las à Receita e o ministro que chefiava a pasta onde estariam guardados os itens de luxo, o estojo contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe ("masbaha") e um relógio, chegou às mãos do capitão.

Para terminar de contar a história desse kit de joias, vou puxar um trecho da investigação da PF: “[o estojo] foi evadido do país, possivelmente, por meio do avião presidencial, no final do mês de dezembro de 2022, para os Estados Unidos”. Na América, onde Bolsonaro assistiu aos ataques de 8 de janeiro, tentaram vender essas joias por US$ 120 mil, cerca de R$ 600 mil. Não conseguiram e quando o escândalo foi revelado pelo jornal Estadão, em março, correram para trazer o kit sob guarda do Tribunal de Contas da União.

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“Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”, assim reagiu Mauro Cid quando decidiram trazer o kit rosê de volta.

Tentei contato com Albuquerque, Sachsida e Bolsonaro. Nenhum me retornou. Em outras ocasiões, eles, Cid e os outros envolvidos já haviam negado irregularidades.

Enquanto isso, as investigações da imprensa e da PF avançam. Inclusive, como já relatou o UOL, há uma linha da PF que suspeita que as joias não ficaram paradas por um ano no Ministério. Elas teriam sido entregues antes a Bolsonaro e o documento que registrou isso, no dia 29 de novembro, seria um álibi para incorporar as joias ao patrimônio pessoal de Bolsonaro, que depois seriam vendidas. Como os envolvidos não responderam, resta aguardar pelo avanço das investigações.

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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