O primeiro debate do segundo turno em São Paulo teve tensão, embates, ataques e até alguma descontração. Nada comparado às cenas de selvageria que marcaram o primeiro turno e provocações baixas. Ainda que tenha tido temas previsíveis e já abordados até aqui, o que pautou a discussão de Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (Psol) na Band foram dois assuntos correlatos e atuais: “gestão” e “apagão”.
Este foi o melhor debate da corrida em termos de discussão de propostas e confronto de ideias, de questionamentos cara a cara, com tempo para fala que poderia ser gerido como cada candidato julgasse melhor. Principalmente porque estavámos no quente de um problema que apareceu (ou melhor, reapareceu) na cidade há três dias após uma chuvarada. Isso trouxe um problema de agora para a boca dos dois debatedores.
O programa passou por diversos temas, os padrinhos Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), investigações sobre superfaturamentos em contratos da prefeitura, segurança pública na cidade, medicamentos e cirurgias na saúde. Mas a bola da vez, como mostrou o mapeamento de redes feito pela Band, foi mesmo o apagão. Até pouco antes do debate, a falta energia era um absurdo sentido em 338 mil imóveis que continuavam às escuras desde sexta, 11.
Aí entra a “gestão”. A ideia de gestão, de ser gestor e administrador da cidade é um dos focos da campanha de Ricardo Nunes desde o primeiro turno que foi reforçado nesta segunda etapa. O contraponto é direto à falta de experiência de Boulos em cargos no executivo. No entanto, os problemas com falta de energia colocaram a capacidade de Nunes em xeque. É comum no Brasil a culpa do problema da gestão pública sempre cair na conta do político mais próximo, geralmente, o prefeito.
O assunto esbarra em termos técnicos e muito juridiquês, nada que interesse para quem está no escuro perdendo alimentos ou tendo prejuízo com seu negócio, a escola dos filhos, etc. Diante deste cenário, Nunes mostrou o que tem feito e passou a cobrança para o governo Lula, já que a concessão é federal. Em uma das falas em sua defesa, ele cometeu um equívoco que incomoda a qualquer cidadão à espera de respostas urgentes do poder público: leu artigos do contrato da concessão para dizer que, veja bem, a culpa não é minha.
Qualquer pessoa que já se deparou com um serviço público de má qualidade sabe o quanto o sangue ferve ao ver seu problema ser justificado pela burocracia, por um funcionário lendo qualquer papelada para dizer que não vai resolver nada. Foi assim que soou essa fala do prefeito.
Com amplo domínio de palco e de fala, Boulos conduziu o debate. Em alguns momentos o prefeito parecia atingido pela crise que assola a cidade e também ficava apagado no palco.
Nunes se recusou a firmar compromisso com o adversário para mostrarem seus dados bancários, não comentou a fala antiga de seu vice, ex-comandante da Rota, Melo Araújo (PL), sobre fazer abordagens diferentes em bairros nobres e na periferia e nem se aconselharia alguém a sair tranquilo com um celular pelas ruas de São Paulo.
Nos dois blocos que cada um dos candidatos tinha 20 minutos para debaterem livremente, o psolista respondeu às falas de Nunes sempre devolvendo com uma pergunta. Nas réplicas, Nunes oscilava entre, algumas vezes responder, dar alguma cutucada no adversário e justificar sua gestão. Faltou habilidade para deixar Boulos desconfortável e emparedado.
O tom ameno e de evitar assuntos polêmicos é uma estratégia que dá algum conforto a Nunes justamente pela alta rejeição de Boulos, na casa de 58%, segundo o Datafolha. O grande diferencial da noite foi justamente o apagão, porque botou à prova para valer a gestão do prefeito e a capacidade de conduzir e contornar crises, de mostrar serviço, competência, e... gestão.
O tom do debate passou por esses caminhos e com um ponto em comum, ambos concordando com a má qualidade do serviço da Enel, empresa italiana responsável pela concessão de energia elétrica. Mas como é sabido, não é só o debate que importa, mas sim o que se dirá sobre ele e o que o eleitor vai considerar disso tudo.
A gestão de Nunes nesta crise satisfaz o eleitor? E a rejeição de Boulos é tão grande a ponto do eleitor preferir Nunes do que optar por uma mudança? São esses questionamentos que ficam ao final.