A tragédia que devasta o Rio Grande do Sul mostra alguma união no país. Contra as lamas que arrasam a vida de milhares de pessoas, os brasileiros fazem mutirões de doações, salvando desabrigados e acolhendo. Na política, adversários se aliaram para reconstrução estrutural, econômica e social dos gaúchos. Essa união política não se dá sem alguns empurrões e cutucões, mas o fato objetivo é que caminham na mesma direção.
Ocorre que há um grupo intencionalmente alheio à unificação, os extremistas bolsonaristas. A base desse radicalismo é se auto afirmar a partir da obsessão contínua de romper e desestabilizar qualquer instituição e articulação política. Trairão a si próprios se participarem de alguma construção coletiva - ainda mais se for com o PT. Não por acaso, dispararam canhões de fake news até contra as Forças Armadas, aquelas que eles recorreram para pedir golpe de Estado.
Em 3 de maio, nos reflexos iniciais da tragédia, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) publicou um vídeo com trilha emotiva. Ele dizia que “segura um pouco” postagens de sua família sorrindo por não ser um momento propício. E segue falando das enchentes e que é “repugnante” a atuação de Lula (PT) na crise.
“Um presidente da República que chega, praticamente, em clima de festa, falando de futebol em vez de prestar solidariedade, anunciar um pacote de uma ajuda realmente efetiva, não preciso nem me estender, imagina se fosse Bolsonaro chegando numa tragédia dessas falando de futebol”, afirmou. O deputado dizia que lamentava “por quem fez o L” na eleição.
A fala de Lula foi dita naquele mesmo 3 de maio, durante desembarque para a primeira visita ao estado: “estou torcendo pelo Grêmio e Internacional”. Foi só isso que foi dito. Naquela data, já se sabia há dois dias que os jogos das duas equipes estavam adiados. O episódio fora de contexto tenta convencer que o petista estava debochando.
Perceba que o deputado ficou calado quando seu pai, Jair Bolsonaro (PL), andava de jet ski pelo litoral de Santa Catarina dizendo que “espera não ter de retornar antes" do feriado de Réveillon para lidar com as enchentes que mataram 23 e deixaram 30 mil desabrigados na Bahia. À época, o estado era governado por Rui Costa, do PT, que hoje é ministro da Casa Civil. Por isso mesmo o vídeo de Eduardo não passa de oportunismo político sobre a tragédia que aflige os gaúchos.
Outro episódio do negacionismo está nas imagens em que o prefeito de Farroupilha, Fabiano Feltrin (PP), reclama duramente com Paulo Pimenta (Secom) sobre a falta de recursos federais. O que o vídeo não mostrava, se viu em uma outra filmagem, divulgada depois por Pimenta, em que ele diz não haver nenhum plano de trabalho da cidade para liberação de recursos.
Farroupilha, aliás, não foi das mais atingidas. Nesta semana, o governo do estado tirou o município da lista de cidades em estado de calamidade.
O bolsonarismo foi derrotado nas urnas por Lula e Eduardo Leite (PSDB) em 2022. Um, bateu Jair Bolsonaro (PL), que relutou em aceitar a derrota, e outro superou Onyx Lorenzoni (PL). Na atual conjuntura, o petista Lula e o tucano Leite são adversários, mas trabalham juntos. Os bolsnaristas veem ambos como inimigos e trabalham contra.
Há uma diferença basilar entre quem diverge dentro do jogo político e quem trabalha contra ele. Para ilustrar: naquele mesmo dia 3 de maio, um ministro me contava no Palácio do Planalto que considerava “desaforadas” as críticas que Leite fazia cobrando a atuação do governo federal. Houve algum burburinho político, algum incômodo de ambas as partes, mas seguiu a construção conjunta.
Nesta segunda, 13, o governador se queixou publicamente da suspensão da dívida (que vai resultar em até R$23 bilhões para gestão estadual), pois queria o perdão e cobrou Lula. O presidente fechou a cara quando ouviu a crítica, mas disse que o governador tinha que cobrar mesmo e na quarta, 15, foi ao estado anunciar - com Leite - novos recursos e ações.
Repare que nesta semana, a fala de Leite reclamando das doações foi explorada politicamente pela esquerda e pela extrema direita. Como também fizeram a direita, o centro e o bolsonarismo sobre a nomeação de Paulo Pimenta como ministro da Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.
O bolsonarismo está eleito na política convencional e trabalha contra o sistema. Seus artífices embaralham informações, divulgam fake news para plantar dúvidas e estimular a insegurança frente a qualquer atuação política. Condenam tudo, por isso não unem forças com ninguém. O objetivo é confundir, seja com voto impresso, com vacina, com ações de Lula e Leite. A meta é desacreditar as instituições e os políticos.
O bolsonarismo tenta se reposicionar sem que isso soe como uma fraquejada de quem uniu esforços. No máximo vão mostrar a atuação de voluntários aliados, a de governantes considerados inimigos, jamais. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, anunciou agora o direcionamento de emendas para o estado e agora anda de jet ski pelas inundações.
Há erros e acertos na condução de Lula e Leite e é fundamental fiscalizar e criticar as decisões dos governantes. Veja, não é essa a questão aqui. A diferença está entre fazer ou negar a política. A primeira opção pode trazer resultados positivos ou negativos, a segunda, não passa de sabotagem.
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Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.