Na semana passada, a condução política de Lula (PT) estava bamba. O governo havia tomado uma surra na votação sobre vetos no Congresso. Na ressaca da derrota, o presidente chamou “na chincha” seus articuladores políticos. Ao sair da reunião, Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), ministro que conduz esse trabalho, disse à imprensa que a situação não era tão ruim assim:
“Nós não vamos perder o mata mata, não estamos sendo derrotados naquilo que é essencial para recuperação econômica e recomposição das políticas sociais do país. Temos muita consciência dessa prioridade”, disse Padilha no dia 3.
A fala não resistiu a uma semana, o que estava ruim piorou. Na segunda, 10, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi a Lula relatar o incômodo do Senado com a MP a Lula e repassar a queixa de setores produtivos sobre o texto. No dia seguinte, devolveu parte da medida. A decisão política de dar um “não” deste tamanho é incomum e dura.
A derrota do Planalto foi, justamente, onde não deveria: na questão econômica.
A reboque desse anúncio de Pacheco, emergiu a desconfiança no Congresso, em analistas políticos e entre banqueiros, investidores e corretoras (o dito “mercado”) que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, talvez não tenha força suficiente para cumprir as metas fiscais e controlar as contas públicas. O reflexo: dólar que já vinha em alta, subiu um pouco mais.
Lula, com agenda internacional na Suíça, precisou defender Haddad e dividiu a responsabilidade da derrota da MP com o Senado:
“Não deveria ter sido o Haddad que deveria ter assumido a responsabilidade. O Haddad assumiu e fez uma proposta. Por medo, os empresários não quiseram. Então, agora, vocês têm a decisão da Suprema Corte que vai acontecer. Se em 45 dias não houver acordo sobre a compensação, vai acabar a desoneração [da folha salarial de 17 setores e prefeituras]. A bola não está na mão do Haddad, está na mão do Senado e dos empresários. Encontrem uma solução”, disse o presidente entrando em campo publicamente e passando a bola (e o poder) para os senadores.
As notícias ruins seguiram: o presidente chancelou a anulação do leilão do arroz que tinha indícios de fraude, mais um desgaste considerável. O petista viu a Polícia Federal indiciar o ministro Juscelino Filho (Comunicações) por corrupção e organização criminosa, e a greve dos professores e técnicos administrativos de universidades completar dois meses, no dia 12, sem solução.
O nome do governo - e de Lula - ficou carimbado em manchetes negativas ao lado de “arroz”, “corrupção”, “greve sem solução”, “derrota no Congresso” e “alta do dólar”. Tanto faz se por maior ou menor responsabilidade da gestão. Quem colhe o prejuízo nesses temas sensíveis é o próprio governo.
Nesse bololô todo, o governo teve uma atitude covarde e silenciou sobre o projeto de lei (PL) que equipara as penas de aborto a homicídio. Na quarta, 12, em menos de 30 segundos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), botou em votação simbólica e aprovou a urgência na tramitação. Com isso, a proposta pode ser votada diretamente em plenário, sem discussão nas comissões temáticas e em audiências públicas.
O PL, na prática, pode resultar numa situação inacreditável, em que uma mulher, vítima de estupro, que fizer aborto, pode ter pena maior do que quem a violentou.
Nesse contexto de notícias ruins, o ministro Rui Costa (Casa Civil), frequentemente criticado nos corredores do Senado como parte dos problemas de gestão, disse ao G1 que nada tem a ver com a condução política falha. Seguiu afirmando que Lula enfrenta um cenário adverso e tenta minimizar a situação com um bordão de que a crise “abre uma oportunidade”.
A Folha de S. Paulo revelou um desabafo de outro condutor da gestão petista, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Segundo a avaliação que fez em um encontro reservado, falta à gestão Lula 3 "comando político mais estrategicamente centralizado" na relação com sociedade, Congresso, estados e municípios.
Os últimos episódios ajudaram o governo a reafirmar que escolhe as batalhas pelas quais lutar e pelas quais fugir. Nesta semana, por incompetência ou omissão, perdeu em ambas as frentes.
Não se ouviu a voz da ministra Nísia Trindade (Saúde) sobre o projeto do aborto e a crise com os planos de saúde, quem trouxe a questão para si foi Lira. Não se viu o ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) brigar contra o projeto da “saidinha dos presos” durante sua tramitação.
O Executivo escolheu não se posicionar e nem conduzir alguns debates de políticas públicas que são de sua responsabilidade. Isso ampliou os poderes do Congresso, tanto sobre a reoneração da folha, quanto na “pauta de costumes”.
Rui Costa disse que a crise gera oportunidade, e está com a razão. Os reacionários e os poderosos do Congresso estão aproveitando como nunca.
Bom fim de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.