Opinião: Congresso reacionário festeja fraqueza e covardia do governo Lula

O Executivo não quer se posicionar e nem conduzir alguns debates de políticas públicas que são de sua responsabilidade.

14 jun 2024 - 11h47
(atualizado às 11h51)
Lula (PT) durante anúncio de medidas relacionadas ao Rio Grande do Sul, no Campus da Unisinos
Lula (PT) durante anúncio de medidas relacionadas ao Rio Grande do Sul, no Campus da Unisinos
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Na semana passada, a condução política de Lula (PT) estava bamba. O governo havia tomado uma surra na votação sobre vetos no Congresso. Na ressaca da derrota, o presidente chamou “na chincha” seus articuladores políticos. Ao sair da reunião, Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), ministro que conduz esse trabalho, disse à imprensa que a situação não era tão ruim assim:

“Nós não vamos perder o mata mata, não estamos sendo derrotados naquilo que é essencial para recuperação econômica e recomposição das políticas sociais do país. Temos muita consciência dessa prioridade”, disse Padilha no dia 3.

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A fala não resistiu a uma semana, o que estava ruim piorou. Na segunda, 10, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi a Lula relatar o incômodo do Senado com a MP a Lula e repassar a queixa de setores produtivos sobre o texto. No dia seguinte, devolveu parte da medida. A decisão política de dar um “não” deste tamanho é incomum e dura.

A derrota do Planalto foi, justamente, onde não deveria: na questão econômica.

A reboque desse anúncio de Pacheco, emergiu a desconfiança no Congresso, em analistas políticos e entre banqueiros, investidores e corretoras (o dito “mercado”) que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, talvez não tenha força suficiente para cumprir as metas fiscais e controlar as contas públicas. O reflexo: dólar que já vinha em alta, subiu um pouco mais.

Lula, com agenda internacional na Suíça, precisou defender Haddad e dividiu a responsabilidade da derrota da MP com o Senado:

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“Não deveria ter sido o Haddad que deveria ter assumido a responsabilidade. O Haddad assumiu e fez uma proposta. Por medo, os empresários não quiseram. Então, agora, vocês têm a decisão da Suprema Corte que vai acontecer. Se em 45 dias não houver acordo sobre a compensação, vai acabar a desoneração [da folha salarial de 17 setores e prefeituras]. A bola não está na mão do Haddad, está na mão do Senado e dos empresários. Encontrem uma solução”, disse o presidente entrando em campo publicamente e passando a bola (e o poder) para os senadores.

As notícias ruins seguiram: o presidente chancelou a anulação do leilão do arroz que tinha indícios de fraude, mais um desgaste considerável. O petista viu a Polícia Federal indiciar o ministro Juscelino Filho (Comunicações) por corrupção e organização criminosa, e a greve dos professores e técnicos administrativos de universidades completar dois meses, no dia 12,  sem solução.

O nome do governo - e de Lula - ficou carimbado em manchetes negativas ao lado de “arroz”, “corrupção”, “greve sem solução”, “derrota no Congresso” e “alta do dólar”. Tanto faz se por maior ou menor responsabilidade da gestão. Quem colhe o prejuízo nesses temas sensíveis é o próprio governo.

Nesse bololô todo, o governo teve uma atitude covarde e silenciou sobre o projeto de lei (PL) que equipara as penas de aborto a homicídio. Na quarta, 12, em menos de 30 segundos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), botou em votação simbólica e aprovou a urgência na tramitação. Com isso, a proposta pode ser votada diretamente em plenário, sem discussão nas comissões temáticas e em audiências públicas.

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O PL, na prática, pode resultar numa situação inacreditável, em que uma mulher, vítima de estupro, que fizer aborto, pode ter pena maior do que quem a violentou.

Nesse contexto de notícias ruins, o ministro Rui Costa (Casa Civil), frequentemente criticado nos corredores do Senado como parte dos problemas de gestão, disse ao G1 que nada tem a ver com a condução política falha. Seguiu afirmando que Lula enfrenta um cenário adverso e tenta minimizar a situação com um bordão de que a crise “abre uma oportunidade”.

A Folha de S. Paulo revelou um desabafo de outro condutor da gestão petista, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Segundo a avaliação que fez em um encontro reservado, falta à gestão Lula 3 "comando político mais estrategicamente centralizado" na relação com sociedade, Congresso, estados e municípios.

Os últimos episódios ajudaram o governo a reafirmar que escolhe as batalhas pelas quais lutar e pelas quais fugir. Nesta semana, por incompetência ou omissão, perdeu em ambas as frentes.

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Não se ouviu a voz da ministra Nísia Trindade (Saúde) sobre o projeto do aborto e a crise com os planos de saúde, quem trouxe a questão para si foi Lira. Não se viu o ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) brigar contra o projeto da “saidinha dos presos” durante sua tramitação.

O Executivo escolheu não se posicionar e nem conduzir alguns debates de políticas públicas que são de sua responsabilidade. Isso ampliou os poderes do Congresso, tanto sobre a reoneração da folha, quanto na “pauta de costumes”.

Rui Costa disse que a crise gera oportunidade, e está com a razão. Os reacionários e os poderosos do Congresso estão aproveitando como nunca.

Bom fim de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

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Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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