Opinião: E se Tarcísio mandar a polícia matar no seu condomínio?

Tarcísio adotou frases de efeito e para dar a aparência daquele colete almofadinha sem mangas a uma ação truculenta e mal explicada

4 ago 2023 - 11h08
A Rota é a força especial da polícia militar de São Paulo (imagem de arquivo)
A Rota é a força especial da polícia militar de São Paulo (imagem de arquivo)
Foto: DW / Deutsche Welle

O título desta newsletter é uma provocação para o leitor. Sabemos que a Polícia Militar não vai entrar atirando em condomínio de classe média ou de ricos, como faz em favelas. Inúmeras investigações dão conta de que as facções criminosas lavam dinheiro em empresas, contratos públicos, e em atuação conjunta com todo tipo de gente “bacana”. E gente bacana, poderosa e com grana não mora em casebres das periferias. Há bandidos pobres e ricos com fuzis. Ainda assim, quando se fala em combate ao “crime organizado”, vemos imagens da PM em confronto nas quebradas, um enfrentamento seletivo.

A segurança pública é usada como bandeira política. E faz sentido, já que quem possui força policial e inteligência para combater o crime organizado é o estado, comandado por um grupo político eleito pela população. Ocorre que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) adotou a versão mais truculenta e violenta para agitar sua bandeira. É no braço da PM que vai pulsar sua veia bolsonarista e radical

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Não por acaso, o secretário de Segurança Pública é Guilherme Derrite, que já disse ser "vergonhoso" para um policial não ter ao menos "três ocorrências" por homicídio no currículo. O áudio com essa fala foi revelado em junho de 2015 pelo jornalista Luís Adorno, em reportagem na Ponte Jornalismo. Depois de 8 anos, Derrite se retratou.

Em resposta à morte do soldado Patrick Bastos Reis, de 30 anos, durante serviço no domingo, 30, a PM desencadeou diversas operações na Baixada Santista. Ressalto que é necessário todo rigor da Justiça para apuração da morte deste policial.

O suspeito do crime foi preso no mesmo dia, e a operação corre há uma semana, somando 58 prisões e ao menos 16 mortes.

Precisando falar algo sobre as mortes, o governador defendeu os policiais e disse na segunda, 31, que “não houve excesso”. Até então, ele afirmava que eram 8 óbitos e confrontava a Ouvidoria da PM, que já contava 10 cadáveres.

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Dois dias depois, com mais gente morrendo, Tarcísio fez um pequeníssimo recuo e disse que “se houver excesso”, serão investigados. Caso o governador não tenha visto, a repórter do Terra, Isabella Lima, noticiou que uma das vítimas dos policiais parece ter sido vítima de excesso:

No domingo, 30, o jovem Filipe do Nascimento, de 22 anos, trabalhava em uma barraca de praia em Guarujá. Na segunda, 31, foi morto por policiais. Tarcísio diz que todas as pessoas mortas trocaram tiros com os agentes. Amigos, o patrão e a família de Nascimento, contradizem o governador e seus policiais. 

Eles afirmam que, apesar de ter passagem pela polícia por tráfico, naquele dia havia saído apenas para ir ao mercado e não tinha arma de fogo. Passagem pela polícia não é pena de morte. O caso como todos os demais, é evidente, merece ser investigado.

Ao longo da semana, em entrevistas, Tarcísio deu frases como: 

  • "Não existe combate ao crime organizado sem efeito colateral"
  • “Vamos entender que isso [o tráfico de drogas] é um business, que movimenta muito dinheiro”
  • “Pô, vai ver quem tombou! Um líder do PCC morreu nessa confusão. O principal fornecedor de droga da Baixada [Santista]”

Tarcísio adotou frases de efeito e para dar a aparência daquele colete almofadinha sem mangas a uma ação truculenta e mal explicada.

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Com o elevado número de mortes não há clareza se as operações são uma ação coordenada e de inteligência contra o tráfico de drogas, e daí os confrontos com mortes. Ou se é uma revanche da PM para fazer justiça com as próprias mãos e matar. É preciso investigar a conduta dos policiais. Nunca é demais lembrar: no Brasil não há pena de morte nem para bandidos, nem para policiais.

Nesta semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que já foi secretário de Segurança Pública de São Paulo e ministro da Justiça, deu um longo voto a favor da descriminalização da maconha. O ministro discorria sobre o fato de haver mais pretos, jovens e pouco escolarizados presos com poucas gramas de drogas do que brancos com curso superior.

“Em 6 anos, o número de presos por tráfico de drogas triplicou no Brasil, sem que houvesse uma redução drástica nesse tipo de crime ou uma melhoria no combate ao narcotráfico”, disse Moraes.

Volto a Tarcísio. Em março, ele encerrou o leilão de concessão do Trecho Norte do Rodoanel Mario Covas de São Paulo às marretadas. De um modo animalesco deu sete porradas com um martelo ao fim da negociação, a ponto de quase quebrar o símbolo da B3 (a bolsa de valores). À época, houve quem entendesse que a cena era uma maneira de se mostrar “bolsonarista”, de um jeito meio bruto e tosco, radical e violento. Antes fosse só isso.

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Bom fim de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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