O discurso de posse de Luís Roberto Barroso, que assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta, 28, trouxe falas firmes para reforçar o papel da Corte e o peso que os três poderes da República têm: harmônicos e independentes, jamais hegemônicos. A fala acontece em meio às movimentações do Senado que visam rebater decisões do STF, ainda que o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), diga que não há “revanchismo”.
“É imperativo que o Tribunal aja com autocontenção e em diálogo com os outros Poderes e a sociedade, como sempre procuramos fazer e pretendo intensificar. Numa democracia não há Poderes hegemônicos. Garantindo a independência de cada um, conviveremos em harmonia, parceiros institucionais pelo bem do Brasil”, disse Barroso enquanto olhava para Pacheco, sentado à sua direita, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acomodado à sua esquerda.
Em um primeiro momento, a impressão é que o discurso de Barroso rebate a dois momentos recentes de conflito institucional. O primeiro, quando ele era presidente do Tribunal Superior Eleitoral, entre 2020 e 2022, e as urnas foram constantemente atacadas pelo então chefe do Poder Executivo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). E o segundo, com as medidas orquestradas no Congresso nas últimas semanas.
Nesta quarta, 27, em uma votação relâmpago, o Senado aprovou um projeto de lei sobre o marco temporal. A tese jurídica que estabelece que indígenas só têm direito às terras que eles ocupavam ou pleiteavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, foi vencida em votação do STF, na semana passada. O texto do Senado vai para sanção de Lula, cuja expectativa de aliados é que seja vetado.
Além disso, o próprio presidente do Congresso, Pacheco, protocolou neste mês, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que criminaliza o porte de qualquer droga e em qualquer quantidade. A decisão foi tomada em meio às votações do STF sobre descriminalizar o porte de pequenas porções de maconha.
“Incluir uma matéria na Constituição é, em larga medida, retirá-la da política e trazê-la para o direito. Essa é a causa da judicialização ampla da vida no Brasil. Não se trata de ativismo, mas de desenho institucional. [...] Contrariar interesses e visões de mundo é parte inerente ao nosso papel. Nós sempre estaremos expostos à crítica e à insatisfação. Por isso mesmo, a virtude de um tribunal jamais poderá ser medida em pesquisa de opinião”, disse Barroso durante seu discurso.
O presidente também exaltou a defesa da democracia ante os ataques do dia 8 de janeiro e fez um gesto às Forças Armadas.
"Por aqui, as instituições venceram, tendo ao seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da Imprensa e do Congresso Nacional. E, justiça seja feita, na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo", disse.
Sem mágoas
Barroso fez também dois gestos políticos importantes. Um para o grupo político de Lula. O ministro, que foi um dos entusiastas da Lava Jato no seu auge, e votou contra o habeas corpus que tiraria Lula da prisão, saudou nominalmente a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“Minha gratidão vai também para a Presidenta Dilma Rousseff, que me indicou para o cargo da forma mais republicana que um presidente pode agir: não pediu, não insinuou, não cobrou. Procurei retribuir a confiança servindo ao Brasil sem jamais ter qualquer outro interesse ou intenção que não fosse a de fazer um país melhor e maior, um país justo, quem sabe um dia”, disse chamando-a de presidenta, no feminino.
Barroso também agradeceu ao discurso elogioso feito em sua homenagem pelo decano da corte - membro com mais tempo -, Gilmar Mendes, dando-lhe um abraço. Ambos já protagonizaram duelos verbais agressivos no plenário.
Em 2018, Barroso já disparou ao colega falas como “Vossa Excelência é uma vergonha, é uma desonra para o tribunal” e “o senhor é a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia".
Servidor Público
O discurso de Barroso se pautou em três eixos: a “Gratidão, ao reconhecimento às pessoas que pavimentaram o meu caminho até aqui; ao Judiciário, nosso papel e nossas circunstâncias; e ao Brasil, essa paixão que nos une e os compromissos que devemos ter”, como ele próprio disse.
Ainda assim, advogados com trânsito na Corte, ouvidos pela coluna de maneira reservada veem em Barroso um forte componente político e uma atuação mais midiática do que a de sua antecessora, Rosa Weber.
No encerramento, o novo presidente fez menção à parábola que usou quando foi sabatinado no Senado, em 2013.
“Viver é andar numa corda bamba. A gente se inclina um pouco para um lado, um pouco para o outro e segue em frente. É assim para todo mundo, não importa se você está no palco ou na plateia. Às vezes, alguém olhando de fora pode ter a impressão de que o equilibrista está voando. Não é grave, porque a vida é feita de certas ilusões. Mas o equilibrista tem de saber que ele está se equilibrando. Porque se ele achar que está voando, ele vai cair. E na vida real não tem rede”, disse.
Nas últimas palavras, após um discurso com tom político que reafirmou o papel e força do Supremo e, por tabela, também reafirmou o papel e limite dos demais Poderes, disse:
“Assumo a presidência do Supremo e do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] sem esquecer que sou, antes de tudo, um servidor público. Um servidor da Constituição. Que eu possa ser abençoado para cumprir bem essa missão”.