O caso das novas regras da Receita Federal sobre o Pix é uma das mais duras e expressivas derrotas para o governo Lula (PT) até aqui. O recuo sobre a medida em meio a uma enxurrada de desinformação e a dificuldade em retomar o controle da pauta foi uma medalha de mérito para a oposição. Não só para o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), uma das principais figuras nesse embate, mas também para disseminadores de fake news e sonegadores de impostos.
O Pix caiu no gosto do brasileiro e se tornou o sistema mais utilizado para transações financeiras no país. Não precisa ser especialista em comunicação para saber que qualquer assunto relativo ao Pix, portanto, pede uma análise prioritária, divulgação ampla e eficiente para a população. O governo, detentor da informação e de estrutura de comunicação, tem condições de transformar esse tipo de pauta em uma boa onda para surfar. Mas se não fizer isso, o movimento vai brotar bagunçado nas redes e virá como tsunami. Foi o que aconteceu.
A Receita Federal já recebia (e continuará a receber) informações sobre transações financeiras acima de R$ 2 mil por mês feitas por pessoas físicas e R$ 6 mil por pessoas jurídicas, despesas com cartões, TED e transferências A polêmica se deu sobre a Instrução Normativa RFB nº 2.219/24. A medida traria obrigações novas para as instituições financeiras, bancos digitais e aplicativos de pagamento, informarem alguns dados de movimentação ao fisco.
A nova regra estabelecia o monitoramento de movimentações Pix acima de R$ 5 mil por mês, no caso de pessoas físicas, e R$ 15 mil por mês para pessoas jurídicas, sem a origem ou destino e natureza da operação.
A Receita cumpria seu papel: aprimorava a fiscalização e o monitoramento de possíveis crimes de lavagem de dinheiro, dificultando a vida do sonegador de impostos.
A medida, no fim das contas, poderia aumentar a arrecadação? Sim, cobrando de quem está no andar de cima fazendo artimanhas para driblar a Receita. A carga tributária é um peso e motiva a revolta no Brasil pelo menos desde o Século XVIII (Inconfidência Mineira), mas isso não justifica a sonegação, que é crime.
Com uma comunicação atrapalhada, a informação chegou à população misturada com fake news tão rapidamente quanto um Pix. Surgiram confusões sobre novos impostos, taxação sobre transações bancárias, quebras de sigilo, boletos para falsos pagamentos à Receita, etc.
O governo Lula tentou correr atrás. O presidente fez um vídeo doando um valor em Pix para a vaquinha de quitação do estádio do Corinthians. O ministro da Fazenda fez outro desmentindo as notícias falsas, a comunicação do Planalto divulgou cards e tentou ocupar as redes. Mas a tsunami já havia arrasado a nova medida.
Diante desse cenário, voltaram atrás na quarta, 15, sob celebração da oposição e queixas da base que insistia no embate político. O governo pediu também investigações para Polícia Federal contra golpistas e tumultuadores da economia popular. Seria interessante também lavar a roupa suja em casa para entender por que o assunto foi tão mal divulgado e deixou o Planalto zonzo a ponto de recuar.
Foi publicada uma medida provisória para blindar de vez o Pix contra especulações sobre taxação, uma vacina contra fake news. Lula comentou sobre o enfrentamento político às fake news no dia seguinte:
“Nós não temos que ter medo de enfrentar a mentira das fake news, medo de fazer o debate, a disputa, a cada dia, a cada minuto, a cada hora”, disse durante a cerimônia que regulamentou a reforma tributária.
Mas parece pouco. O discurso do presidente se mostrou distante da prática e da estratégia adotada.
A mudança na comunicação do governo já estava no radar de Lula, como falamos aqui, e foi efetivada nesta semana. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) cedeu a cadeira de ministro da Secom ao marqueteiro Sidônio Palmeira.
Nas suas primeiras falas, o novo titular disse que o combate às fake news é um problema mundial e a comunicação está no “centro dos desafios mundiais”. Reconheceu que a informação não chega na ponta e por isso a população não consegue ver as virtudes do governo, que aliás, tem alguns bons números para mostrar na economia.
Mas um problema da dimensão que o Pix tomou não tem só uma causa. A falta de regulamentação de redes é parte dessa discussão. O Congresso tem uma posição sobre o assunto: não regulamentar. O abacaxi foi para o colo do Supremo Tribunal Federal, que deve retomar o julgamento este ano.
Mesmo assim, com esse jogo de empurra sobre a regulamentação de redes e embates com o dono da Meta (Facebook, WhatsApp e Instagram), Mark Zuckerberg, não deixa de surpreender o baile que o governo levou ainda na ressaca da virada do ano.
Bom fim de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro.