Nesta semana vimos dois movimentos de Lula na mesma direção: trouxe para dentro do governo quem presidiu o impeachment de Dilma Rousseff (PT), e selou aliança com quem votou pela queda dela. Pensar um cenário assim em 2016 seria difícil. Mas em 2024 é realidade. Os dois episódios aos quais me refiro são a oficialização do nome do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski como ministro da Justiça e Segurança Pública. E a conversa que fez Marta Suplicy (sem partido) deixar a prefeitura de Ricardo Nunes (MDB) para ser vice na chapa de Guilherme Boulos (Psol) na disputa do comando da maior cidade do país, São Paulo.
Traduzindo para o português claro, o que Lula fez é o que chamamos de pragmatismo político, atuar de modo objetivo, deixando de lado o que tem menos importância, para atingir resultados concretos. Estou utilizando a ideia de pragmatismo que temos no dia a dia da política. Para quem se interessar no pragmatismo como corrente da filosofia americana, sugiro aprofundar suas reflexões nos textos de pensadores como Charles S. Peirce, William James e John Dewey.
Voltando a Lula, antes mesmo de rodar o país na campanha de 2022, Lula foi aos mandatários do MDB que articularam e viabilizaram o impeachment da "companheira Dilma" pedir ajuda com sua candidatura. Assim também aconteceu depois de eleito, quando abriu as portas (e rifou mulheres) para acomodar os partidos que trabalharam na reeleição de Jair Bolsonaro (PL), o PP e o Republicanos. Foram esses e tantos outros momentos recentes e distantes da história que mostram o pragmatismo de Lula e a eficiência em atingir seus objetivos.
Diferentemente do que acontece com os militares. Aqui se confunde o pragmatismo de Lula com a inação e omissão. Nos quartéis estão misturados joio e trigo, golpistas e legalistas.
Lula finge que são todos homogêneos, trajando uniformes democráticos. Ignora que sob fardas, houve quem trabalhasse pelo impeachment de Dilma, a sua própria prisão na Lava Jato e a tentativa de golpe de 8/1, fez comércio de joias do Estado, etc. Esse tratamento afável não é pragmatismo, é se omitir em reformar o papel das Forças Armadas.
A sede de poder político dos militares deve ser contida. É um terreno em que não deveriam se enfiar, pela função institucional que lhes cabe e pela incompetência com o tema, como demonstraram ao longo da história.
Nessa semana, no discurso que fez no Senado, durante o evento que lembrou os ataques de 8/1, Lula declarou que ninguém ficaria impune. "Não há perdão para quem atenta contra a democracia, contra seu país e contra o seu próprio povo. O perdão soaria como impunidade. E a impunidade, como salvo conduto para novos atos terroristas”, disse.
Mas o mesmo Lula que vocifera contra os golpistas, escolheu José Múcio Monteiro para cuidar dos militares. O ministro da Defesa, pasmem, um ano depois dos ataques chama de "piquenique" a quebradeira do 8/1. Múcio fala o oposto do presidente a cada entrevista sobre a tentativa de golpe, e segue no cargo com aprovação de Lula.
O ministro, aliás, revelou que tinha amigos e parentes que frequentavam os acampamentos golpistas de Brasília, onde se cultivava a ilegalidade, a baderna e faziam bombas. Quando questionado sobre a punição aos militares, costuma dar uma cômoda resposta: aguarda as investigações. Sendo que ele próprio poderia se movimentar para descobrir, internamente, quem fez ou deixou de fazer o quê. Mas prefere dizer que a bola está com o STF.
Lula fecha os olhos e tenta criar uma (estranha) boa relação com os militares, também deixando nas mãos do Supremo Tribunal Federal a responsabilidade de avançar (ou não) sobre os crimes cometidos pelos fardados. A investigação, por óbvio, cabe à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal e o julgamento será no STF, no entanto, como presidente, deveria reestabelecer os limites de atuação e influência dos militares da ativa.
Os militares permitiram a montagem dos acampamentos e colocaram tanques nas ruas para impedir a prisão de quem estava ali no dia 8 de janeiro de 2023. Um tanque não sai às ruas sozinho, nem por vontade de um soldado.
Alertas a Lula não faltam. No mesmo evento do dia 8/1, há cerca de 3 metros do presidente e dos comandantes das Forças Armadas, o ministro do STF Alexandre de Moraes disse claramente:
“Um apaziguador, como lembrado pelo grande primeiro-ministro inglês Winston Churchill é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado. A democracia brasileira não admitirá a ignóbil política do apaziguamento, cujo fracasso histórico já foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do então primeiro-ministro [Neville] Chamberlain com Adolf Hitler”.
Para que a democracia não admita a ignóbil política do apaziguamento, seus atores precisam agir de maneira justa, firme e legal contra golpistas, sejam eles fardados ou não. Ainda há tempo.
Bom fim de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.