O capitão do Exército e ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nunca escondeu que defendia regimes autoritários. Já elogiou Hugo Chávez e anualmente saúda o regime militar (1964-1985), os anos de chumbo em que os militares perseguiram e mataram cidadãos brasileiros. Bolsonaro usou o ataque ao sistema político como plataforma de sua carreira política.
Quando foi ao Jornal Nacional, em 2018, disputando a Presidência pela primeira vez, disse:
“O que é artigo 142? É um artigo da Constituição que eu não entendo da maneira como alguns pouquíssimos entendem. Quando alguns falam em fechar o Congresso, é liberdade de expressão deles”.
É o tal artigo que, quatro anos depois, foi tortuosamente sacado para basear a “minuta do golpe”. Esse documento, que circulou no núcleo do governo, era uma das peças jurídicas que eles queriam usar para dar legalidade a um golpe de Estado.
O vice daquela chapa, general Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e atual senador, foi colocado na reserva meses antes da eleição. Após diversas manifestações políticas (que não cabem a militares) saiu dizendo que o Judiciário deveria "expurgar" Temer da vida pública e que o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra era “herói”.
Quem votou em Bolsonaro tinha toda condição de saber o que ele defendia. As pessoas podem se dizer arrependidas, enganadas, não.
Vamos a um breve histórico do que houve durante a gestão de Bolsonaro comandada com apoio de militares e políticos “pau para toda obra”, aqueles que topam participar de qualquer governo a um preço justo.
Em 2019, já presidente, ele disse que “democracia e liberdade só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer".
Em maio de 2020 voltou a defender que “nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia e pela liberdade".
Em 2021 seguiu dizendo que "quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas".
Houve ainda uma declaração de que: "nas mãos das Forças Armadas, o poder moderador. Nas mãos das Forças Armadas a certeza da garantia da nossa liberdade, da nossa democracia, e o apoio total às decisões do presidente para o bem da nação". Isso só é verdade na cabeça de um golpista autoritário.
Daí vieram os ataques às urnas, à Justiça Eleitoral, ao Supremo Tribunal Federal, ao ministro que relata casos criminais contra ele e seus aliados no chamado “gabinete do ódio”. Esse processo é a raiz de todas as investigações da Polícia Federal sobre o ex-presidente, golpe de Estado, joias, vacina, etc.
Em 2022, outro general foi escolhido para vice, Braga Netto. Assim como o mandatário e o vice que fora escanteado, este também celebrava o nojento golpe militar com frequência. Este general, contei em reportagem no The Intercept, era extremamente poderoso e sempre foi inteligente. Então ministro da Casa Civil, ele conduziu as medidas e a gestão assassina da pandemia. E passou impune.
O acampamento golpista, a tentativa de invasão da Polícia Federal e a queima de ônibus no dia da diplomação de Lula (PT), o acampamento golpista, a tentativa de explodir um caminhão de combustível no aeroporto de Brasília. E claro, o ponto alto, o dia 8 de janeiro. Tudo isso aconteceu ao vivo, nas redes, ao alcance dos olhos, na palma da mão, na tela do celular.
O plano e as tentativas de golpe aconteceram à luz do dia.
O que não se sabia eram os detalhes da estrutura jurídica, a articulação administrativa que vinha sendo elaborada para um eventual governo pós golpe, a quadrilha de militares que planejou matar um presidente e um vice-presidente eleito e o presidente da Justiça Eleitoral. Não se sabia que Braga Netto cedeu sua casa para discutir e articular golpe, que ele xingou e pressionou a colegas do topo do Exército para embarcarem no golpe. Isso e outros tantos detalhes que a Polícia Federal investigou e traz a público nós não sabíamos.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, receberá uma investigação recheada dessas e outras informações que a Polícia Federal apresentou no indiciamento de 37 pessoas no caso do golpe de Estado. Caberá a ele levar a denúncia adiante.
No caminho para condenação dos golpistas haverá obstáculos, cinismo e grupos políticos trabalhando por Bolsonaro e seus 36 aliados. Um dos primeiros a puxar essa fila é o egresso do Exército e pupilo do ex-presidente, Tarcísio de Freitas (Republicanos). O governador do estado de São Paulo, diante de todos esses fatos, não vê nada além de uma “narrativa que carece de provas”.
O golpismo ainda vive em segmentos da sociedade. E quanto mais cristalinos os fatos se tornarem, mais a cegueira vai acometer aqueles empresários, analistas, e toda sorte de políticos que, como Tarcísio, conviveram e se criaram às custas de Bolsonaro.
A Justiça, simbolizada com uma venda nos olhos, tem autoridade e poder para ajudar na retomada da normalidade democrática e social. Anistiar golpistas seria não só uma cegueira deliberada, mas um erro histórico.
Bom feriado e final de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro.