Opinião: Nikolas e Carol de Toni são a vitória da guerra cultural de Bolsonaro

Pior do que está fica?

8 mar 2024 - 12h20
(atualizado às 12h29)
Foto: Reprodução/TV Câmara

No final do ano passado, quando conversava com um deputado de centro, no cafezinho da Câmara, encontramos o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Ele passava por nós em direção ao plenário. Simpático, abordou e cumprimentou os colegas deputados que encontrou pelo caminho. Assim também passou por nós, nos cumprimentando rapidamente. Questionei ao deputado com quem eu conversava: “E a atuação do Nikolas, como o senhor tem avaliado?”

“É isso aí que você viu, garoto simpático, boa gente, mas nunca vi arregaçar as mangas conversar com outros deputados para criar consensos, ceder, negociar projetos para além do bolsonarismo”, avaliou o parlamentar.

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Este parlamentar ilustrou a caricatura do baixo clero da Câmara. Deputados fortemente ideológicos, que carregam um mundaréu de votos a partir de discursos vorazes e reacionários - ainda que num tom simpático - , mas com atuações pífias dentro do Congresso. Assim foi com Jair Bolsonaro (PL), que por 28 anos se escorou nas últimas cadeiras do plenário sem nunca trabalhar na política do Congresso. Também com Tiririca (PL-SP), que desde 2011 se diverte fazendo piadas com colegas e funcionários da Casa durante discussões calorosas no plenário. E tantos outros.

Agora, Nikolas Ferreira é presidente da Comissão de Educação da Câmara. O tema é chave para o bolsonarismo. As alucinações sobre, “banheiro unissex”, “kit gay” e “ideologia de gênero”, todas giram em torno da educação. Se você buscar no Google uma palavra-chave associada à educação, “escola”, e o nome do parlamentar, não vai encontrar projetos, ele não propôs nenhum. A busca vai entregar notícias como “Nikolas Ferreira vira réu por expor aluna trans nas redes sociais”. O parlamentar nega ter cometido irregularidades.

Outra deputada de perfil igualmente reacionário e alinhadíssima ao bolsonarismo raiz, Carol de Toni (PL-SC), está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa. Pastor Eurico (PL-PE), relator do projeto que proíbe o casamento gay, comandará a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família.

O baixo clero talvez devesse mudar de nome, porque a própria noção de atuação desse grupo se alterou. O PL, partido com maior bancada na Câmara, são 96, vai se fortalecendo como o herdeiro do bolsonarismo. Se valeu do peso de sua bancada para pleitear as comissões, como preconiza a regra do jogo, e não por acaso indicou os radicais para estarem nessas funções.

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A condução foi feita pelo líder da sigla na Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ). O parlamentar tem um pé na defesa radical do bolsonarismo e outro no trabalho político de construção de espaços para o PL dentro da Câmara. Por exemplo, na lista de assinaturas para um pedido de impeachment de Lula (PT), divulgada por Carla Zambelli (PL-SP), não consta o nome de Côrtes. Pedido, que aliás, nunca teve força política para avançar na Câmara e nem na oposição se fala muito mais disso.

O governo Lula deve pagar o preço dessa guerra cultural nas urnas. No plenário, onde quem define a pauta é Arthur Lira (PP-AL), os projetos devem andar com um tropeço ou outro. Os temas econômicos e aqueles caros ao governo, como a regulamentação de aplicativos, vão pular as comissões e irão direto ao plenário para voto.

É provável que as comissões, além de palco para os discursos inflamados, sirvam como instrumento para pressionar ministros e expor fragilidades do governo. O PT preferiu brigar pelo comando da Comissão de Saúde, que tem R$ 4,5 bilhões para distribuir em emendas.

Falamos aqui na semana passada, Lula abandonou a pauta ideológica da esquerda. O mesmo movimento acontece na Câmara. O líder de Lula na Casa, José Guimarães (PT-CE), foi às redes sociais minimizar dizendo que “o governo não se envolve em disputas para a composição e eleição das comissões, essa é uma prerrogativa das bancadas e de seus líderes. Cada líder encaminha suas prioridades, atendendo o critério da proporcionalidade, de acordo com o tamanho de cada bancada”.

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Por outro lado, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse: “O comando de colegiados importantes fortalece o papel da nossa bancada e confirma a relevância da oposição e da direita nas decisões políticas do Brasil”.

Os radicais em posições políticas relevantes vão trazer à pauta assuntos caros aos seus eleitores. É o poder se hidratando com o mais puro suco bolsonarista. Os discursos que se ouvia nas últimas fileiras da Câmara, no escurinho do baixo clero e que ganhou voz nas redes sociais elegeu Bolsonaro. Agora, se normaliza como uma força política não só fora, mas dentro do jogo da política institucional.

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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