O primeiro sobressalto veio antes mesmo do governo Lula (PT) começar. Há um ano, a capital federal, Brasília, via ônibus em chamas bloquearem o trânsito a poucos quilômetros do Congresso. Criminosos se escondiam e montavam bombas em acampamentos golpistas nas áreas administradas pelo Exército. Era o prenúncio de uma tentativa de golpe que foi às ruas em 8 de janeiro.
O levante fracassou, quase duas mil pessoas foram presas, há processos correndo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda pelo STF, uma decisão determinou que a Polícia Federal tratasse militares como civis em investigações sobre a tentativa de golpe. No plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jair Bolsonaro (PL) e seu candidato a vice-presidente, Braga Netto (PL), foram considerados inelegíveis. Estão fora do jogo. Assim também aconteceu com o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol (Novo-PR), cujo mandato foi cassado.
O ex-juiz da Lava Jato e cabo eleitoral de Bolsonaro, Sergio Moro (União Brasil-PR), pode tomar o mesmo caminho. Isso é assunto para o ano que vem.
A economia foi melhor do que as projeções de mercado e bem como defendia o governo, deve crescer na casa dos 3%. Ano que vem será mais desafiador, o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sabe disso e na última reunião ministerial pincelou um pouco do cenário negativo para o presidente. Lula fez uma fala final “corrigindo” o ministro, dizendo que quem está no governo tem que ser otimista. A fala seguiu o mesmo tom que o petista costuma adotar em eventos públicos, sendo o mais otimista possível.
O Congresso aprovou a reforma tributária, que há 30 anos era debatida sem solução, mostrando sua força e articulação, criou junto com o governo um novo conjunto de regras fiscais e arrecadação.
O governo que subiu a rampa com mulheres e representantes de minorias foi o mesmo que pouco se esforçou para mantê-las em cargos de poder. Em um café com jornalistas, Lula tentou tirar das costas uma responsabilidade que é sua, dizendo que os partidos do centrão não indicaram mulheres nas trocas ministeriais, por isso as vagas delas foram preenchidas por homens. Saíram duas ministras e uma presidente de banco.
O presidente ainda foi chamado de “capacitista” pelo influencer digital Ivan Baron, ativista pela causa das pessoas com deficiência que subiu a rampa do Planalto com Lula (PT) na posse. A reclamação se deu porque o petista disse que não seria visto de andador e muleta, “mas sempre bonito”, após uma cirurgia no fêmur.
A vacinação foi retomada e aumentou, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também e outras bandeiras das gestões petistas. O Plano Safra foi o maior da história, houve programas para renegociar dívidas, avanços no caso Marielle.
Houve ainda outras tantas notícias e movimentações no mundo da política brasileira. Mas o ponto central desse ano é o momento histórico em que vivemos, marcado por mudanças e tensões institucionais. Há um rearranjo institucional acontecendo às cotoveladas e seguirá assim. Este processo de tontura democrática se dá pelo menos desde 2013, passando por um impeachment com cara de golpe parlamentar, uma tentativa de golpe pela força.
A tentativa de romper a ordem dos bolsonaristas golpistas foi a face mais abominável dessas convulsões institucionais. É importante dividir o que é uma tentativa de romper a ordem, como vimos em janeiro, de alterações e disputas entre os poderes. De todo modo, é ruim que as discussões sobre novos modelos de freios e contrapesos da democracia aconteçam na ressaca de uma tentativa de golpe, quando tudo ainda está turvo e a poeira não baixou. Mas é o que acontece.
O Congresso avança para ter cada vez mais poder e influência, esbarrando em funções da Presidência, como a execução do orçamento. Há queixas sobre a atuação do STF que interpreta leis e em alguns casos legisla por suas decisões. O processo é mais de um poder querer reformar o outro do que se auto regular. No Congresso não se ouve falar em uma discussão rumo ao parlamentarismo que traga também a possibilidade do presidente dissolver o Congresso em momentos de crise. É muito querer e pouco ceder.
A votação do Orçamento de 2024, que deve terminar hoje, mostra um pouco disso: Lula terá menos dinheiro disponível e mais complicações para pagar, obrigatoriamente, emendas.
Esse nó institucional aparece em diversas situações para além do plano abstrato e dos gabinetes federais. Um exemplo prático é o marco temporal para a demarcação das terras indígenas. Existe uma discussão jurídica sobre a regulamentação de artigos constitucionais. A lei do marco temporal é uma lei ordinária (mais fácil de aprovar). E, a rigor, o que o Congresso fez foi mudar o que está determinado na Constituição Federal. Ou seja: essa alteração exigiria PEC. E mesmo em caso de PEC há dúvidas entre juristas se poderia se avançar para retirar direitos de indígenas, cláusulas pétreas da Constituição. O Congresso precisa saber que eles legislam, mas há limites para se legislar.
Politicamente o enrosco é ainda pior. Derrubada no STF, a tese foi aprovada no Congresso. Lula vetou o texto, que foi restabelecido pelos congressistas. A discussão voltará ao STF, que tende a manter o entendimento contrário criando dissabores e tensões.
Paz e boas festas só para as celebrações de fim de ano, 2024 nos reserva tensão e intensos debates. Mas até lá, é hora de descansar.
Bom fim de semana e final de ano!
A Peneira Política volta na primeira quinzena de janeiro.
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.