Opinião: O que é jogo de cena e o que importa na posse de Barroso

No evento que deu a Barroso o comando do STF, todos os presidentes sorriam; uma harmonia que só existe no protocolo

29 set 2023 - 12h49
(atualizado às 14h08)
Luís Roberto Barroso assume a presidência do Supremo Tribunal Federal com presença de Pacheco, Lula e Lira
Luís Roberto Barroso assume a presidência do Supremo Tribunal Federal com presença de Pacheco, Lula e Lira
Foto: Carlos Moura/SCO/STF

A posse de Luís Roberto Barroso como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira, 28, foi mais um daqueles eventos longos, com muito cerimonial, um ajuntamento de autoridades, algumas celebridades, jornalistas e personalidades históricas. Há sempre muito simbolismo em cerimônias de cargos de poder, para dar dimensão visual àquilo e alguma boa aparência. Mas há que se separar o que é roteiro do que é recado.

Estiveram ali, o representante da Presidência da República, Lula (PT); do Congresso e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Eles não falaram, só acompanharam, é parte do protocolo.

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Barroso falou que os poderes são harmônicos, não hegemônicos. Soa como retórica, já que as autoridades presentes sabem que a teoria é essa. Mas não é retórica. A declaração foi dada olhando diretamente para Pacheco e Lira, é um recado.

“Um equilíbrio delicado e fundamental”, disse. O contexto da fala também importa. Ele lembrou que em diversos lugares do mundo, a democracia constitucional viveu momentos de sobressalto, com ataques às instituições e perda de credibilidade.

“Por aqui, as instituições venceram, tendo ao seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da Imprensa e do Congresso Nacional”. Houve um afago aos militares: “Justiça seja feita, na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo”, disse Barroso, ignorando que nas Forças houve estímulo e discussão sobre o golpe.

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Foi Barroso quem, me parece, inocentemente, convidou os militares para palpitar sobre as urnas. O convite se deu quando ele presidia o Tribunal Superior Eleitoral e o chefe de outro poder, Jair Bolsonaro (PL), mandava nos militares e atacava as eleições.

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Os militares questionaram a Justiça Eleitoral a partir de consultas feitas - secretamente - ao hacker de Araraquara, Walter Delgatti. Foi esse o resultado da inocência ou boa-fé exacerbada que o ministro depositou sobre os fardados. A tese sobre fraude, veja só, foi o catalisador dos golpistas que se abrigam nos quartéis e tentaram tomar Brasília de assalto.

Desde a República no Brasil, instituída em 1889, a vida oscila entre democracia e ditadura. Recentemente, em 2015, foi Barroso quem ditou o rito do impeachment de Dilma Rousseff (mais uma tensão institucional) dizendo que o STF não tinha lado. Ontem, ele fez elogios, chamando-a de presidenta e dizendo que ela o “indicou para o cargo da forma mais republicana que um presidente pode agir: não pediu, não insinuou, não cobrou”.

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Voltando a Bolsonaro, foi com o capitão que criou-se o tal “orçamento secreto”, uma super evolução do poder que o Congresso passou a ter sobre uso de emendas. Na prática, significou tirar o poder do Executivo sobre bilhões de orçamento para botar na mão do Legislativo. É estranho que quem legisle, execute, desconfigurando o presidencialismo, mas foi o que aconteceu.

No fim do governo Bolsonaro, o STF derrubou o orçamento secreto (em mais uma tensão). A redistribuição dos cerca de R$ 20 bilhões ficou sendo metade para o Congresso, metade para o governo, que utiliza o montante para negociar (ou comprar) apoio dos congressistas. Mas o Congresso segue tão forte quanto antes, veja que mesmo com seguidas trocas de ministros, não há garantia de base para o governo.

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Desde 2013, por mais difícil que seja identificar as mudanças de força enquanto elas acontecem, podemos perceber que há alterações na regra do jogo. E isso se intensificou com Bolsonaro e sua campanha permanente de ataque às instituições, às autoridades e à imprensa. E, claro, seu desgoverno. 

O capitão extremista abriu mão dos deveres e responsabilidades do Executivo, delegou ao Centrão, enquanto contava quantos os votos bolsonaristas que teria para interferir no STF. Conseguiu emplacar dois e criar uma Procuradoria-Geral da República inativa. Não fosse o STF, o Brasil não teria, sequer, plano de vacinação na pandemia de covid, esse era o tamanho abandono que chegou a 700 mil mortes e uma tentativa de golpe.

Entre 2019 e 2022, o Congresso tomou uma força que não tinha, o Executivo perdeu a que tinha. O Supremo se meteu em questões do Executivo e do Legislativo, seja pelo momento atípico da crise, seja pela ambição de poder, mas ajudou a manter a democracia.

O pós-Bolsonaro parece ter um Congresso que briga menos entre si e mais com os demais poderes. Neste mês, o Senado anunciou medidas para rebater decisões recentes do STF, é uma afronta, ainda que Pacheco negue “revanchismo”. O Supremo recuperou parte da unidade que se perdeu com a Lava Jato, e está mais coeso. A Presidência tenta retomar a institucionalidade e o país, enquanto se equilibra no jogo de forças e chantagens.

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A crise estimulada por Bolsonaro trazia a ideia de que, para resolvê-la, o Brasil contaria com um poder moderador fardado. Quem atribui ou reivindica isso às Forças Armadas tem nome e sobrenome: golpista e traidor da pátria. E tem lugar certo para estar: a cadeia.

O jogo de poder mudou e segue mudando. Na foto do Supremo ontem, os presidentes sorriam institucionalmente, uma harmonia que só existe no protocolo.

Bom final de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui e receba os próximos conteúdos.

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Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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