Opinião: Os poderes guardam suas grades e se abrem. O Brasil voltou à civilidade?

Os gradis de Brasília são parte da história política do Brasil de 2013 até os ataques de 8/1; Ainda é preciso cuidado para que não voltem

2 fev 2024 - 17h30
Presidentes do STF, Luís Roberto Barroso, da República, Lula (PT), e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), durante a retirada simbólica das grades de proteção, que estavam instaladas na Praça dos Três Poderes
Presidentes do STF, Luís Roberto Barroso, da República, Lula (PT), e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), durante a retirada simbólica das grades de proteção, que estavam instaladas na Praça dos Três Poderes
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Dos Três Poderes, faltava apenas o Supremo Tribunal Federal retirar as grades que entrincheiravam o palácio. E assim como o Palácio do Planalto e o Congresso, o entorno do prédio da Suprema Corte está aberto à população. Em ato simbólico, na tarde desta quinta, dia 1º, o presidente Luís Roberto Barroso, acompanhado dos presidentes da República, Lula (PT), e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), retirou os gradis que cercavam o palácio desde 2016 . Quem visitar Brasília poderá admirar e passear pelas três obras de Oscar Niemeyer como foram projetadas.

Símbolos e rituais ajudam a dar sentido a comportamentos, identidade, valores culturais, religiosos, etc. E se nos valemos deles cotidianamente, na política tanto quanto. As grades que bloqueavam os palácios do poder começaram a ser utilizadas em situações eventuais em 2013, quando se iniciou a onda de protestos pelo valor da passagem do transporte público, contra a Copa e um apanhado de pautas misturadas pelo país. A efervescência constante das ruas reorganizou os protestos em atos pró e anti-impeachment de Dilma Rousseff (PT). Naquele contexto os gradis foram instalados para ficar de vez e passar pelos governos Michel Temer (MDB), Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT).

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Quem for contar a história política deste país terá de relatar a presença dos gradis que tanto simbolicamente, quanto fisicamente, significaram um cerco às instituições, para sua proteção - e consequentemente, limitação. Barreiras, aliás, que serviam para delimitar o “cercadinho” que Bolsonaro montou para dar aquelas entrevistas toscas do lado de fora do Palácio da Alvorada, em que obrigava jornalistas a ficarem encurralados sob ataque da feroz claque verde amarela.

Não é só na política. O brasileiro gosta de se cercar. Principalmente os mais abastados, é só ver a quantidade de grades, a altura dos muros e os quilômetros de cercas laminadas e pontiagudas que rodeiam as residências Brasil adentro.

O cercadinho se foi com o governo Lula. Em maio de 2023, o presidente tirou as proteções do Palácio do Planalto. Em janeiro deste ano, Pacheco recolheu as do Congresso e em fevereiro, Barroso foi tirar as do STF. A ideia é mostrar que esses anos turbulentos ficaram para trás, não parece que há motivos corroborando esta ritualística, o tempo (e as ações e omissões futuras dos atuais membros dos Três Poderes) nos mostrará melhor.

O país viveu uma tentativa de golpe há pouco mais de um ano. Senadores da oposição cultivam as sementes do conflito institucional semeadas por Bolsonaro. Nesta semana foram a Pacheco cobrar o avanço de pautas que limitem a atuação do STF. O pensamento radical ainda fervilha em rodas de amigos, grupos de zap e reuniões familiares. O radicalismo (que é mais profundo do que uma mera e, até saudável, polarização de ideias) vive solto, com ou sem grades.

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Em seu discurso, durante a abertura do ano do Judiciário, momentos antes de retirar os gradis, Barroso considerava que nem precisava falar da separação dos Poderes “porque, embora independentes e harmônicos, convivemos de maneira extremamente civilizada e respeitosa”.

O presidente do Judiciário estava firme na ideia de que há uma normalidade política e institucional no país.

As palavras usadas por Barroso são semelhantes àquelas usadas durante sua posse, em setembro de 2023. Mas o tom é diferente. Ano passado, o ministro foi mais enfático ao delimitar as competências de cada poder e pregar uma harmonia. Essa mudança significa que a relação entre os poderes ficou menos belicosa? Talvez mais velada.

A iniciativa dos três presidentes é louvável e trilha o caminho de uma sociedade civilizada. O simbolismo da retirada dos gradis precisará ser trabalhado pelos poderes, partidos, organizações da sociedade e (óbvio) os cidadãos para que se converta em realidade concreta.

Se não, caminhamos para cair no conto “A Roupa Nova do Rei”, de Hans Christian Andersen, escrito em meados do Século XIX. Resumidamente, a história é sobre um rei orgulhoso e vaidoso que pediu a renomados alfaiates um traje especial. A roupa foi feita enquanto ele e os súditos criavam grande expectativa sobre o figurino.

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Quando pronta, o rei a vestiu e saiu com pompa para um desfile. Seus súditos viam o que ele via, um figurino elegante e belo. No entanto, um menino que não havia sido informado sobre as histórias de grandeza das novas veste percebeu que o rei não vestia nada além do cetro e da coroa e gritou: o rei está nu! Só então a multidão percebeu a cena bizarra e desandou a gargalhar do rei, que voltou às pressas para o palácio.

Bom final de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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