Opinião: Por barganha, espírito público e convicção, a política venceu

Diferentemente dos projetos do dia a dia, em que há um ou outro interesse envolvido, a reforma tributária exigiu muito mais esforços

7 jul 2023 - 13h17
Plenário da Câmara durante votação da reforma tributária
Plenário da Câmara durante votação da reforma tributária
Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados / Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

“Isso daqui não dá um voto, vamos em frente”, dizia o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) a um grupo de parlamentares do MDB, Republicanos, PSD e Podemos na tarde de terça-feira, 4. Em tom descontraído, o relator da reforma tributária falava sobre a dificuldade que enfrentava desde 2019 para criar consenso entre os mais diversos grupos de interesses e vertentes políticas a fim de votar um novo conjunto de regras tributárias para o país. A votação comandada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) entrou para história com aprovação ampla e apoio até de gente da oposição.

O tema é árduo, exige entendimento técnico, conhecimento de setores da economia e do funcionamento do Brasil. É preciso olhar com perspectiva histórica, já que os frutos desta PEC serão colhidos ao longo dos próximos anos e décadas. Daí a brincadeira de Ribeiro sobre o esforço hercúleo de que não terá os votos de seus eleitores. A política nem sempre é e nem sempre deve ser um espetáculo em busca de manchetes e likes em redes sociais.

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Diferentemente dos projetos do dia a dia, em que há um ou outro interesse envolvido na votação, para que a reforma avançasse, a política teve que dobrar e acomodar os lobbies de grandes setores da economia como indústria, agro, comércio e serviços, governadores dos mais diversos estados, prefeitos de grandes e pequenas cidades. 

O que retrata isso é a foto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), apoiando a reforma. Cenário totalmente diferente de um ano atrás, quando os pupilos de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) afiavam as facas para uma campanha dura pelo governo paulista. Passada a eleição, as armas foram guardadas para dar voz ao diálogo.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista a jornalistas, em Brasília
Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda / Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

Durante a cobertura desta semana, nós, jornalistas, esbarrávamos em governadores pela Câmara, prefeitos, assessores tentando cavar um espaço no noticiário com o posicionamento de lobistas, entidades e de tudo que era setor. A correria acontecia porque Lira mandou avisar que quem quisesse pleitear alguma mudança, ajuste ou mostrar pontos negativos da reforma teria essa semana para fazê-lo. Uma vez criado o consenso e os votos para aprovar a PEC, as concessões terminariam.

Como também é da política, não faltaram emendas. Reportagem do Poder 360 mostrou que o empenho orçamentário do governo Lula para adocicar a votação chegou a R$ 5,4 bilhões, um recorde.

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Nesta votação ganhou a política e quem fez política: de Lula às menores prefeituras, de Lira aos maiores lobbies. Perdeu quem sempre negou a política, Bolsonaro (PL) e seus seguidores, que durante a semana papearam tranquilamente no plenário sem tomar conhecimento das dezenas de reuniões duras que lotavam gabinetes em Brasília. No dia da votação, restou a Bolsonaro se desentender com Tarcísio e os bolsonaristas argumentarem que a reforma faria mal para o país, sem conseguirem sequer apresentar elementos para corroborar o que falavam.

Por um capricho do destino, a cadeira do deputado cassado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), hoje é ocupada por Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR). No lugar do ex-chefe da Lava Jato, que criticava a vida política e não sabia diferenciar crimes de atividade político-partidária, está um dos grandes entusiastas e articuladores da reforma. Político há 30 anos, Hauly, que apoiou o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e é crítico ao PT, fez política. Botou suas digitais na tramitação da reforma e deu voto favorável.

Por barganha, convicção e espírito público, a Câmara deu 375 votos a favor das mudanças e passou a bola para o Senado. Venceu a política.

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme MazieiroAssine aqui e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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