“Isso daqui não dá um voto, vamos em frente”, dizia o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) a um grupo de parlamentares do MDB, Republicanos, PSD e Podemos na tarde de terça-feira, 4. Em tom descontraído, o relator da reforma tributária falava sobre a dificuldade que enfrentava desde 2019 para criar consenso entre os mais diversos grupos de interesses e vertentes políticas a fim de votar um novo conjunto de regras tributárias para o país. A votação comandada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) entrou para história com aprovação ampla e apoio até de gente da oposição.
O tema é árduo, exige entendimento técnico, conhecimento de setores da economia e do funcionamento do Brasil. É preciso olhar com perspectiva histórica, já que os frutos desta PEC serão colhidos ao longo dos próximos anos e décadas. Daí a brincadeira de Ribeiro sobre o esforço hercúleo de que não terá os votos de seus eleitores. A política nem sempre é e nem sempre deve ser um espetáculo em busca de manchetes e likes em redes sociais.
Diferentemente dos projetos do dia a dia, em que há um ou outro interesse envolvido na votação, para que a reforma avançasse, a política teve que dobrar e acomodar os lobbies de grandes setores da economia como indústria, agro, comércio e serviços, governadores dos mais diversos estados, prefeitos de grandes e pequenas cidades.
O que retrata isso é a foto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), apoiando a reforma. Cenário totalmente diferente de um ano atrás, quando os pupilos de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) afiavam as facas para uma campanha dura pelo governo paulista. Passada a eleição, as armas foram guardadas para dar voz ao diálogo.
Durante a cobertura desta semana, nós, jornalistas, esbarrávamos em governadores pela Câmara, prefeitos, assessores tentando cavar um espaço no noticiário com o posicionamento de lobistas, entidades e de tudo que era setor. A correria acontecia porque Lira mandou avisar que quem quisesse pleitear alguma mudança, ajuste ou mostrar pontos negativos da reforma teria essa semana para fazê-lo. Uma vez criado o consenso e os votos para aprovar a PEC, as concessões terminariam.
Como também é da política, não faltaram emendas. Reportagem do Poder 360 mostrou que o empenho orçamentário do governo Lula para adocicar a votação chegou a R$ 5,4 bilhões, um recorde.
Nesta votação ganhou a política e quem fez política: de Lula às menores prefeituras, de Lira aos maiores lobbies. Perdeu quem sempre negou a política, Bolsonaro (PL) e seus seguidores, que durante a semana papearam tranquilamente no plenário sem tomar conhecimento das dezenas de reuniões duras que lotavam gabinetes em Brasília. No dia da votação, restou a Bolsonaro se desentender com Tarcísio e os bolsonaristas argumentarem que a reforma faria mal para o país, sem conseguirem sequer apresentar elementos para corroborar o que falavam.
Por um capricho do destino, a cadeira do deputado cassado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), hoje é ocupada por Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR). No lugar do ex-chefe da Lava Jato, que criticava a vida política e não sabia diferenciar crimes de atividade político-partidária, está um dos grandes entusiastas e articuladores da reforma. Político há 30 anos, Hauly, que apoiou o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e é crítico ao PT, fez política. Botou suas digitais na tramitação da reforma e deu voto favorável.
Por barganha, convicção e espírito público, a Câmara deu 375 votos a favor das mudanças e passou a bola para o Senado. Venceu a política.
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui e receba os próximos conteúdos.