Se fizermos uma rápida leitura na história republicana do Brasil, esbarraremos repetidas vezes na atuação de um grupo intruso na política, os militares. Na proclamação da República, no golpe de 1930, no golpe de 1964, no impeachment de Dilma Rousseff (PT), na eleição de 2018, em ameaça ao Supremo Tribunal Federal (STF) para manter Lula (PT) preso e eleger o capitão Jair Bolsonaro (PL) à Presidência, etc. Seja com arma na mão, seja com um tweet. Onde teve instabilidade institucional, tinha militar.
A vitória de Lula (PT) e o fracasso dos atos golpistas do dia 8 de janeiro trouxeram ao país a volta à normalidade institucional. Ainda que a vida siga aos trancos e barrancos, a rotina dos civis vai indo. Já a rotina dos militares, lembra mais a dos bombeiros: correndo para controlar o incêndio provocado pelas investigações da Polícia Federal.
No último sábado, 19, o ministro da Defesa, José Múcio, reuniu os comandantes da Marinha, Aeronáutica e Exército para um encontro com Lula. A reunião, fora das agendas, serviu para dizerem ao presidente que "interessa às Forças que os fatos [investigados pela PF] sejam devidamente esclarecidos e a decorrente individualização das condutas".
Ao longo da semana, essa mesma conversa foi levada por Múcio ao ministro da Justiça, Flávio Dino, ao presidente da CPMI do 8/1, deputado Arthur Maia, e ao diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. Percebe-se o quanto as investigações tiraram o sono dos milicos.
As falas de Múcio não têm amparo na realidade. As Forças não disseram (ou não querem dizer) quem são os militares golpistas? Quem são os criminosos que queriam enganar o eleitor fingindo haver fraude nas urnas? Aliás, quando um general envolvido em venda ilegal de joias sofreu busca e apreensão, o ministro disse que atuaria para “evitar uma crise”.
O general, vocês sabem, é o pai do tenente-coronel Mauro Cid, Mauro Lorena Cid. A afirmação sobre “evitar crise” foi dada à jornalista Daniela Lima, da GloboNews, poucas horas depois da PF cumprir uma busca e apreensão na casa do general.
Os fardados passaram praticamente ilesos após 21 anos de tortura e desordem com uma ditadura nojenta. Na CPI da Covid militares que mandavam de verdade foram dispensados. O ex-Casa Civil e general, Braga Netto (candidato a vice na chapa de Bolsonaro), que, por decreto de Bolsonaro, se tornou o chefe do Centro de Coordenação de Operações do Comitê de Crise da Covid-19, sequer foi ouvido. Ora, como investigar a gestão da crise sem ouvir o chefe?
Você, caro leitor, tem tanque de guerra na sua casa? Não tem. Então é impossível que tanques tenham sido apontados para Polícia Militar do Distrito Federal, no dia 8 de janeiro, por uma ação “individual” para proteger o acampamento golpista. A CPMI, até aqui, segue o roteiro da CPI da Covid e passa a mão na cabeça da cúpula das três forças militares.
Sobre investigações policiais, os militares se mantêm corporativistas, ninguém deda ninguém. Nas relações políticas, seguem bem posicionados. No PAC de Lula, a Defesa é quem tem a maior fatia, R$ 52,8 bilhões. Acima de Saúde (R$ 30,5 bilhões) e Educação (R$ 45 bilhões) e obras de infraestrutura.
Hoje, dia 25 de agosto, é celebrado o dia do soldado. Uma referência ao patrono do Exército Brasileiro, Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, nascido nesta data, em 1803. Ainda que se posicionem politicamente, o avanço inédito da PF sobre as muralhas das Forças Armadas deixa pouco para a cúpula militar comemorar.
Bom fim de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui e receba os próximos conteúdos.