Opinião: Senado trabalha para punir pobre e privilegiar juízes

As PECs de Pacheco e seus aliados mostram como o pensamento majoritário do Senado é reacionário, tosco, descolado da realidade do país.

19 abr 2024 - 11h18
(atualizado às 11h20)
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no plenário
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no plenário
Foto: Pedro França/Agência Senado

Nesta semana, o Senado Federal trouxe dois recados à população brasileira. Vamos a eles: o primeiro é para o cidadão comum, que trabalha, estuda, procura emprego ou seja lá o que faz da vida, mas usa drogas: “atenção! a Justiça poderá te confundir com um traficante e te levar às cadeias brasileiras”. Se você é pobre e negro, essa sentença é praticamente certa. A novidade não é essa lógica torta e racista de prisão, é a iniciativa de reforçá-la na Constituição.

O segundo recado é para juízes e promotores, lotados nas mais altas e caras carreiras do funcionalismo público: “reorganize as finanças! O Senado trabalha para te dar aumentos de salário automáticos a cada cinco anos”.

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Foram esses os recados.

Nos últimos dias, a estrutura, o tempo e o custo dos senadores da República serviram para botar em marcha duas PECs de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Propostas que vêm com o carimbo da Presidência do Senado têm força e peso político para serem aprovadas com mais facilidade. Dos dois textos, um foi aprovado em plenário e outro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), agora está pronto para ir à votação final.

As PECs são os tipos de propostas mais importantes no Congresso. Não só porque alteram a lei máxima do país, mas também por exigirem votações expressivas: aprovação de 49 dos 81 senadores e 308 dos 513 deputados.

A primeira PEC que citei é a das Drogas. Os senadores aprovaram uma alteração que “considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas”. Tanto se fala em liberdade individual no Brasil, mas neste assunto não há brechas para escolhas (principalmente para jovens negros). A preocupação dos políticos também passou longe das garantias constitucionais e de discussões decentes sobre o combate ao crime organizado.

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A PEC soa como populismo penal, igual ao projeto das “saidinhas”. O garantismo legal é de ocasião. Para muitos dos senadores, se a espada da Justiça bater injustamente no lombo do pobre não é um problema, que fique o usuário preso como traficante.

O que parte deles considera grave é processar e prender parlamentar que defendeu o fechamento do STF (ou seja, um golpe), fez apologia ao ato mais duro da Ditadura Militar, o AI 5, e ameaçou ministros do STF, como fez o então deputado Daniel Silveira. Tão grave ainda é regulamentar rede social e desarticular grupos de fake news que estimulam ódio e golpe de Estado.

Nesse espírito de indignação seletiva com o que chamam de interferência do STF no Senado, vários senadores registraram, durante a votação, que a PEC das Drogas era uma resposta aos ministros.

Já imaginou se essa sede dos senadores, de legislar sobre drogas ilícitas, avançasse sobre uso indiscriminado de drogas legalizadas, alimentos ultra processados, e agrotóxicos?

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O incômodo dos senadores se dá porque o STF julga a possibilidade de descriminalizar a posse de pequenas porções de maconha considerando garantias constitucionais e a Lei de Drogas, de 2006. Parte dos votos dos ministros expôs dados oficiais indicando que sem um parâmetro para orientar o que é ou não tráfico, a mesma quantidade de drogas que um branco de classe média carrega o torna usuário, mas se a porção estiver no bolso de um negro pobre, o torna traficante.

A PEC passou longe de tratar dessa questão e jogou o texto para análise da Câmara.

A segunda PEC da semana é a que dá “bônus” para juízes, promotores, membros da Advocacia Pública da União, dos estados e do Distrito Federal, membros da Defensoria Pública, delegados e ministros e conselheiros de Tribunais de Contas.

O objetivo é aumentar, automaticamente, em 5% o salário desses servidores a cada cinco anos. A PEC resgata um benefício que foi extinto em 2006 e retomado para o Judiciário, veja só, por decisão do STF, em 2022. Aqui o Senado não se incomodou com a atuação do Supremo.

O governo Lula (PT) vai contra o texto e diz que a previsão de impacto da medida é de R$ 42 bilhões por ano aos cofres públicos. A proposta dá o bônus no salário até o limite de 35% da remuneração do servidor e o valor não seria contabilizado dentro do teto do funcionalismo, que é de R$ 44 mil. Em janeiro, o IBGE indicou que a remuneração mensal média do trabalhador brasileiro era de R$ 2.979 no final de 2023.

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As PECs de Pacheco e seus aliados mostram como o pensamento majoritário do Senado é reacionário, tosco, descolado da realidade do país.

Bom fim de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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