Nas últimas semanas, casos estarrecedores de violência policial em São Paulo tomaram o noticiário. Uma criança de 4 anos morreu baleada durante uma operação na Baixada Santista, um estudante de medicina morreu baleado a queima-roupa em um hotel, um homem que furtou produtos de limpeza morreu ao ser baleado 11 vezes pelas costas, outro foi jogado de uma ponte, uma idosa foi agredida em uma ação policial e ficou com o rosto ensanguentado.
O que fez o responsável político por essas ações, Tarcisio de Freitas (Republicanos)? Defendeu o responsável por coordenar diretamente as polícias, o secretário Guilherme Derrite, e disse que o manterá no cargo.
Depois, subitamente, tentou se reposicionar politicamente. Afirmou que estava “completamente errado” sobre o uso de câmeras nas fardas e que hoje considera “um instrumento de proteção da sociedade, do policial”. Derrite segue no cargo.
Da maneira como trata e fala dos casos, o governador tenta convencer os paulistas de que estão diante de casos isolados e que ele aceita a truculência só até certo ponto. A polícia sob comando de Tarcísio e Derrite mata mais. De janeiro a 17 de novembro deste ano, 673 pessoas foram executadas por policiais, contra 460 nos 12 meses do ano passado, aumento de 46%, informa o Ministério Público.
O que diferencia esses números do recuo (por enquanto só nas palavras) de Tarcísio nesta semana são as imagens gravadas pela população que tomaram o noticiário e as redes sociais. O número de mortes não impacta tanto quanto ver um homem ser atirado da ponte ou uma idosa ficar com o rosto ensanguentado.
Nesse ambiente, o celebrado pupilo de Jair Bolsonaro (PL) vai se consolidando como quadro político em parceria com Gilberto Kassab (PSD) e Derrite, um policial que fora afastado da Rota por excesso de mortes.
Formado nas fileiras do Exército, o capitão Tarcísio não só decidiu por essa política como também faz dela sua marca de gestão.
Em março deste ano, foi questionado pela imprensa sobre as acusações feitas contra ele por entidades brasileiras à Organização das Nações Unidas (ONU) em razão da escalada de violência nas operações na Baixada Santista, no litoral de São Paulo.
“Essa semana, tive a Intermodal. Aí cheguei na Intermodal, tem lá uma série de empresários da baixada santista que operam no Porto de Santos. O que eu ouvi: ‘Tarcísio, muito obrigado pelo o que vocês estão fazendo. Nunca ninguém fez isso’. Eu ouvi isso do Judiciário. Então, sinceramente, nós temos muita tranquilidade em relação ao que está sendo feito. E aí, o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não estou nem aí”, disse.
O governador não está nem aí para denúncias de abusos cometidos. Por que, agora, se incomodou com os casos trazidos a público e anuncia punições para os autores desses abusos que são de baixa patente?
Há parte da população que celebra a morte de bandidos e de meros suspeitos pelo justiçamento. Por isso são considerados extremistas, por estarem contra o que o regramento jurídico do país e das próprias polícias determinam.
Mas repare que mesmo quando se trata de um bandido, a matança desenfreada pode chocar a população. É normal ver o fuzilamento de um delator do PCC, à luz do dia e em meio ao corre corre do maior aeroporto do país?
Neste caso, PMs faziam a segurança particular do criminoso. O dedo duro do crime organizado, ao que indicam as investigações, não revelava segredos só do PCC, mas também esquemas de corrupção nas polícias. Alguém viu o governador “linha dura” tomar alguma medida concreta sobre isso?
A percepção de Justiça de Tarcísio é muito particular, aliás. O governador que pouco diz sobre a infiltração do PCC na estrutura do estado que ele comanda e não está “nem aí” para abusos da polícia em bairros pobres também é a favor do impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Vestido de verde e amarelo, ele é presença garantida nas manifestações convocadas por Bolsonaro para atacar o juiz e pedir a liberdade daqueles que tentaram roubar as eleições.
No caso do indiciamento de Bolsonaro, a partir do trabalho da Polícia Federal que mostrou uma tentativa de golpe de Estado e até planos de assassinato, Tarcísio afirmou que há “uma narrativa disseminada contra Bolsonaro que carece de provas”.
A confortável postura radical e autoritária, que fala fino com golpista e grosso com pobre, tem grande adesão no país. Nesta semana, o deputado Sargento Fahur (PSD-PR) criticou o fato de um policial ser responsabilizado e afastado por dar “11 tirinhos” (pelas costas) em um homem que furtava produtos de limpeza. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), foi além. Não só defendeu o correligionário Derrite como também já anunciou que ele será candidato a senador, se não concorrer ao governo de São Paulo daqui a dois anos.
Quão diferente Tarcísio e Ciro Nogueira são dos parlamentares que abertamente defendem o justiçamento ilegal pelas mãos da polícia? Você ainda acredita em bolsonarismo moderado?
Bom fim de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro.