A vitória do republicano Donald Trump traz um desafio imenso para as propostas da agenda internacional de Lula (PT). O petista vai penar para conseguir espaço para discussões efetivas e, em seguida, avançar com propostas voltadas ao meio ambiente, combate à fome e taxação de grandes fortunas.
Não custa lembrar que o mesmo Lula, há cinco dias, declarou sua torcida por Kamala Harris. “Acho que a Kamala, ganhando as eleições é muito mais seguro de a gente fortalecer a democracia nos Estados Unidos. É muito mais seguro. Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, ou seja, fazendo aquele ataque ao Capitólio”, disse o petista.
Após a confirmação do resultado, Lula publicou uma mensagem parabenizando pela conquista. “A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade”, disse o petista em redes sociais.
Os apelos de Lula por diálogo e trabalho conjunto não constam no vocabulário de Trump. Os três temas fundamentais da agenda do petista muito menos. Este é o maior obstáculo. São pautas opostas àquelas defendidas pelo republicano. No primeiro discurso já eleito, indicou maior uso de petróleo. Ele nega a crise climática, defende menos impostos para os endinheirados e promete deportações em massa e a atuação dos EUA independentemente dos organismos e cooperação internacional.
A diplomacia é feita com muito pragmatismo pela defesa dos interesses nacionais e regionais de cada país. Mas com Trump, o primeiro condenado que assumirá os EUA, será “América primeiro”. Pelas promessas de campanha, o republicano trabalhará para um maior protecionismo econômico, impondo dificuldades e barreiras para China - que por sinal, é o maior parceiro comercial do Brasil.
Lula concentra grande energia no G20, que acontecerá neste mês no Rio de Janeiro, e na COP 30 - cúpula do clima que será em Belém em 2025. Ainda que consiga arrancar acordos ou sinalizações para defesa do meio ambiente, aliança contra a fome no mundo e taxação de grandes fortunas neste finalzinho de mandato de Biden, não poderá contar que esses compromissos serão mantidos e cumpridos por Trump.
A vitória de Trump reflete em dois conflitos com peso em discussões diplomáticas: a tensão no Oriente Médio com Israel x Gaza/Líbano/Irã e na Ucrânia. O resultado das urnas dá força para Benjamin Netanyahu (Israel) e traz preocupações para Volodymyr Zelensky. Ainda, de quebra, essa eleição anaboliza os ânimos da extrema direita no mundo.
Pelo lado econômico, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta, 6, que na campanha de Trump foram ditas muitas coisas que causam apreensão no mundo inteiro, “então o dia amanheceu mais tenso”. Mas considera que entre o que foi dito e o que vai ser feito, pode ter alguma moderação.
“Temos que aguardar um pouquinho e cuidar da nossa casa, das finanças, para ser o menos afetado possível qualquer que seja o cenário externo”, disse a jornalistas.
O sistema americano de pesos e contrapesos dos EUA parece desequilibrado. O republicano voltará ao poder com uma Suprema Corte com composição conservadora, maioria no Senado e na Câmara. Ele tem muita condição política de cumprir o que prometeu durante a campanha.
Chamado de fascista por seu ex-chefe de gabinete, Trump volta mais forte e com mais sede de poder. Entre suas promessas de campanha, disse que usaria a força militar contra seus oponentes políticos nos EUA; tiraria a independência do Departamento de Justiça, demitiria milhares de servidores públicos de carreira; deportaria milhões de imigrantes em detenções de estilo militar.
Pode ser que Haddad tenha razão em dizer que, posta em prática, a gestão de Trump não siga à risca o que ele prometeu. Ainda assim, diferentemente do que disse o ministro, o principal jornal americano, o The New York Times, destacava em letras garrafais o resultado: a tempestade Trump voltou.
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro.