Orçamento de 2025 pode ser insuficiente para combater crimes ambientais, diz diretor da PF

Diretoria de Amazônia projeta R$ 80 milhões para operações e ações integradas; parlamentares discutem liberação de R$ 10 milhões.

7 jan 2025 - 05h00

Um dos temas prioritários deste mandato de Lula (PT), o combate a crimes ambientais, pode enfrentar dificuldades em 2025 por falta de recursos. Em entrevista à coluna, o diretor da Amazônia e Meio Ambiente (Damaz) da Polícia Federal, Humberto Freire, falou sobre as negociações no Congresso para conseguir R$ 80 milhões em recuros no Orçamento de 2025. Este o é montante projetado para executar ações de investigação, prevenção e viabilizar novas estruturas de cooperações interestaduais e internacional. No final do ano, no entanto, os parlamentares estudavam liberar um valor menor, cerca de R$ 10 milhões.

A entrevista foi concedida ao Terra no dia 16 de dezembro, antes do recesso parlamentar, quando havia expectativa da votação do Orçamento de 2025. Com a votação do pacote fiscal do governo finalizada em 20 de dezembro, a peça foi adiada. A expectativa de parlamentares é de que a discussão final e votação aconteça até março.

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"Esse ano a gente apresentou pedido na LOA [Lei Orçamentária] de R$ 80 milhões, o que seguiu na proposta de LOA foi R$ 10 milhões e fizemos algumas reuniões em busca de complementar esses R$ 70 milhões faltantes. Não tenho esse cenário final, se vai ter ou não esse complemento para 2025", disse Freire.

Diretor da Damaz, Humberto Freire
Diretor da Damaz, Humberto Freire
Foto: Jose Cruz/Agência Brasil

O delegado disse que o valor reduzido limitaria o custeio do trabalho e estimou que algumas operações, dado o trabalho operacional e logístico, chegam R$ 1,5 milhão.

A diretoria sob coordenação de Freire foi criada por Lula em janeiro de 2023 com objetivo de centralizar um sistema para coordenar a segurança na Amazônia e unidades de gestão entre as polícias e países que ocupam este bioma. O modelo se baseia nas experiências que Freire e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, tiveram com a integração de órgãos de segurança que houve durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Parte dos investimentos das estruturas como o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia (CCPI) e o programa Ouro Alvo, que identifica a origem do ouro ilegal apreendido parcerias com universidades, se dá com recursos do BNDES e do Fundo da Amazônia. A previsão da corporação é que o CCPI, que integrará ações dos nove estados e seis países (França, Suriname, Guiana, Equador, Venezuela, Colômbia e Bolívia) amazônicos, seja inaugurado em março.

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Veja os principais trechos da entrevista exclusiva: 

Terra: A diretoria foi criada em 2023, qual o balanço até aqui?

Humberto Freire: Na equipe de transição, a gente apresentou a proposta de criar uma diretoria na Polícia Federal para tratar dessa temática e que essa unidade fosse o órgão central de um novo sistema de segurança para a Amazônia. O objetivo era criar um sistema integrado, a exemplo do que a gente fez para Copa e Olimpíadas, em que todos os órgãos trabalhassem de forma integrada.

E cria-se mais duas atribuições da diretoria: coordenar a segurança pública na Amazônia Legal e coordenar as unidades de gestão integradas que o Brasil estabelecesse na Amazônia. 

Quando você chama para construir juntos a operação acontece de forma muito melhor. É a experiência que a gente traz desses grandes eventos e está empregando. Com esse plano, a gente parte para criar nos 9 estados da Amazônia os planos táticos integrados, baseados naquela estratégia macro mas que atende às peculiaridades de cada estado.

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Agora, a gente tá elaborando planos ou operacionais integrados em diversas frentes, contra o garimpo, o desmatamento, apropriação da madeira, biopirataria, poluição.

Terra: E já tem recurso para isso?

O investimento já está garantido porque é o dinheiro que está vindo do BNDES. A gente está implementando o CCPI, investindo R$ 50 milhões no programa Ouro Alvo, de rastreamento da origem do ouro, pela leitura dos isótopos, é tipo um DNA que você consegue identificar a origem, porque aquela leitura é única da área onde ele foi gerado.

Rio Juami, Japurá AM em 1.dez.22, poluído com ação do garimpo
Foto: Reprodução/Polícia Federal

A gente precisa ser autossuficiente, a gente tem que contar com parcerias com universidade. Estamos investindo um terço desse recurso para o Ouro Alvo. Locamos dois helicópteros de porte maior que devem chegar no primeiro semestre 2025, o CCPI que é um investimento de cerca de R$ 10 milhões para implementar, depois vai ter o custeio. Recursos para adquirir lanchas.

Rio Juami, Japurá AM em 9.abr.24, após desocupação do garimpo
Foto: Reprodução/PF

Essa questão estrutural é sempre um desafio, muitas vezes precisa de ajuda da Defesa, de órgãos estaduais.

Esse desafio da pauta ambiental não é só na Amazônia, é no país todo. Ele não vai ser enfrentado por uma instituição. Isso é realmente sistêmico. A gente precisa que o governo federal e todas as suas forças,  o Ministério de Meio Ambiente, o Ministério da Defesa com as três Forças Armadas, o Mistério dos Povos Indígenas, Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Polícia Federal, Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal. Isso é um desafio muito grande.

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Para ter essa governança, de execução tática, operacional e de integração, criamos o CCPI Amazônia que estamos implementando em Manaus. Onde estarão representadas essas nove secretarias de Segurança Pública, os outros oito países da Amazônia, França Suriname, Guiana, Equador, Venezuela, Colômbia, Bolívia e Peru e organismos de segurança como Europol, Interpol. A gente precisa ter essa integração acontecendo diariamente nesse centro. Até março inaugura.

Quantas pessoas devem trabalhar lá?

Acho que vamos chegar a 60 pessoas quando estivermos em pleno funcionamento. 

Como é a cara de quem comanda os crimes ambientais no Brasil? Onde estão essas pessoas, onde moram?

Primeiro estigma que a gente tem que acabar, esses crimes ambientais de altíssimo lucro, não estão sendo praticados pelo ribeirinho, pelo simples é garimpeiro com sua bateia lá. São organizações criminosas que estão se dedicando ao crime ambiental porque identificaram que tem apenas baixas, em nível mundial, e altíssimos lucros.

Ele investe o dinheiro já criminoso para tirar muito mais e quando é descoberto as penas são, infelizmente, muito baixas. A gente precisa avançar ainda com essa pauta bem pode ter realmente medidas judiciais e legais que realmente sejam coercitivas a essa prática, porque o lucro é muito alto.

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Quando o senhor fala em crime organizado posso pensar em PCC e Comando Vermelho?

Organizações criminosas já existentes e outras que sejam criadas, porque não é só a organização criminosa que nós conhecemos. Existem outros organismos criminosos, quadrilhas que foram criadas para esse fim, explorar garimpo em terra Yanomami. Tanto que a gente desestruturou várias dessas dessas quadrilhas nessas operações. 

Fizemos duas grandes operações no Pará, uma envolvia um empresário que morava em Goiânia, o sócio em São Paulo e tinha na folha de pagamento um coronel da Polícia Militar do Pará, que era o comandante da região toda. Um Tenente Coronel que era comandante do batalhão da cidade de Itaituba, e estava uma folha de pagamento para fazer vista grossa e para proteger a atividade criminosa.

Normalmente, esses crimes ambientais têm uma conexão de todos esses fatores. Precisa de altos investimentos, equipamentos caros, agentes corruptos do serviço público, não só policiais, mas o pessoal de cartório, de fiscalização para esquentar uma guia de acompanhamento de madeira ou de questão de autorização de lavra.

É um ecossistema criminoso que precisa do peso de uma organização criminosa. Não vai se fazer com amadores. Esse é o grande enfrentamento, descapitalização e no lucro.

Hoje, quase metade de todo valor de bens apreendidos pela Polícia Federal foi da área ambiental, o que em outros anos nem se imaginaria uma proporção dessa. Foi R$ 1,150 bilhão em 2024, de um total de R$ 3 bilhões apreendidos pela Polícia.

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Qual o risco dessa integração não ter brechas para agentes corruptos?

Isso é sempre um flanco, tem que ter muito cuidado sobretudo nas instituições de Segurança Pública, porque a gente sabe que nós não somos infalíveis. As instituições de Segurança Pública têm suas peças corruptas, a gente procura sempre fazer um trabalho inteligência para saber quem vai compor essas esferas de integração. Mas se houver alguma falha, a gente abre investigação, como foi esse exemplo da Polícia Militar.

E o obstáculo político para esse combate ao crime ambiental?

Veja, a gente tem, como é natural que seja, todos os segmentos representados no Congresso Nacional e é saudável que isso aconteça. Algumas vezes a gente enfrenta visões diferentes do que nós entendemos como necessário neste momento de emergência climática.

A gente entende que explorar as riquezas naturais do nosso país é algo possível, necessário, mas isso não pode se dar sem uma regulamentação e sustentabilidade. Há quem defenda a exploração só pensando nas divisas que isso pode trazer, mas isso tem uma vida muito curta e a gente pode chegar num ponto de não retorno.

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Por isso que a gente prega melhorar nossa legislação, combater quem está explorando fora dos marcos legais. Hoje, na nossa legislação, essa exploração nas terras indígenas é proibida. A mesma coisa a grilagem e exploração de terras públicas, como foi a Operação Greewashing [contra venda ilegal de créditos de carbono].

O PL do Ouro e o endurecimento das penas andam muito lentamente no Congresso. Quais são os obstáculos para avançar nesses temas?

Sabíamos que as discussões no Congresso Nacional seriam bastante acirradas, demoradas, mas demos o primeiro passo.

Existem forças que são antagônicas ao que nós pretendemos para essa para essa pauta e isso é natural que aconteça em uma democracia. Não pode ficar com isso estagnado, essas propostas precisam avançar. 

Há uma emergência climática, não estamos batalhando por algo que a gente meramente acredita ou prefere

Estamos trabalhando para que não aconteça outro calamidade como aquela do Rio Grande do Sul, para que cidades da Amazônia não fiquem tomadas pela fumaça.

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Quanto seria necessário em recursos para ter um funcionamento ideal nesse combate?

O ideal, a gente está bem aquém. Vamos pensar primeiro no recomendável. Depois a gente pensa no ideal. Pedimos, pela Polícia Federal, R$ 80 milhões especificamente para essas duas ações orçamentárias [uma para proteção de bioma e outra para proteção das terras indígenas]. R$ 40 milhões para uma e R$ 40 milhões para outra.

Na LOA tem R$ 10 milhões.

A gente vê um valor imenso de emendas no Congresso [na casa dos R$ 50 bilhões]. Os parlamentares ajudam destinando emendas para essas situações?

Para essas não. É uma das metas que a gente quer para 2025, tentar também ganhar emendas parlamentares.

Por que os deputados não querem ser parceiros desse tipo de política pública?

Não diria que não querem. Esse ano a gente apresentou pedido na LOA de R$ 80 milhões, o que seguiu na proposta de LOA foi de R$ 10 milhões e fizemos algumas reuniões em busca de complementar esses R$ 70 milhões faltantes. Não tenho esse cenário final, se vai ter ou não esse complemento para 2025.

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Esse valor de R$10 milhões, por exemplo, inviabiliza o trabalho? 

Ele limita. Para você ter ideia, uma grande operação chega a custar R$ 1,5 milhão.

Deixa eu pensar de outra maneira, R$ 10 milhões é suficiente para um ano inteiro de planejamento? 

Não. Para fazer tudo que nós queremos não. Por isso que a gente precisa de mais recursos. O custeio do CCPI, vamos pagar diária passagem. Um oficial da Colômbia que vier representar ele vai ser custeado com passagens e diárias pela Polícia Federal. O custo disso é na casa de milhões de reais, R$ 4 milhões, R$ 5 milhões por ano.

É óbvio que é insuficiente para realizarmos as operações que queremos com os estados.

Esse ano foi quanto, sem toda essa estrutura nova elaborada?

Esse ano, como no ano passado, tivemos créditos extraordinários que suportaram essas nossas operações. Considerando os créditos extraordinários, a gente chegou na casa de R$ 20 milhões.

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Ano que vem seria uma estrutura maior com recursos pela metade, com o cenário que temos hoje?

O que a gente não quer é ficar dependendo de crédito extraordinário. Ele é bom, é recurso, mas não permite que a gente faça um planejamento a longo prazo. Se eu tivesse os R$ 80 milhões de garantia de na LOA, já faço o planejamento.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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