“Há uma tentativa clara contra mim, de desestabilizar, por parte de alguns parlamentares. Então isso vem com interrupções. Como eles não conseguem vencer no debate, tentam tumultuar”, disse objetivamente à coluna a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do dia 08/01.
A senadora foi interrompida nesta terça-feira, 20, aos gritos pelo deputado bolsonarista Éder Mauro (PL-PA) durante o primeiro depoimento da CPMI, do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal do governo Jair Bolsonaro (PL), Silvinei Vasques. A parlamentar reagiu e mandou o deputado calar a boca.
Gama disse que já esperava essa postura de parlamentares, mas a situação é pior do que ela imaginava. “Há um nível muito grande de misoginia", disse.
Na entrevista, a senadora contou também que deve ouvir representantes das empresas responsáveis por redes sociais, as big techs, e que não vê atuação institucional das Forças Armadas na tentativa de golpe, mas responsabilidades individualizadas de oficiais que serão investigados.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista dada à coluna na manhã desta quarta-feira, 21:
Primeiro depoimento
Terra: Qual avaliação da senhora sobre o depoimento de ontem, considerando as afirmações que Silvinei fez, falseando dados e informações, e a postura que a CPI diante disso?
Eliziane Gama - Nós tivemos o primeiro dia de CPI. O presidente da CPMI tomou a decisão de não partir para uma ação mais drástica, porque ao longo do processo ele [Silvinei] claramente mentiu.
Mentiu quando disse que não foi oficiado pelo STF em relação à ida para falar com o ministro Alexandre de Moraes, quando colocou os dados da região Nordeste. Nessa, ele acabou pedindo perdão. Mentiu quando disse que no planejamento não havia direcionamento para região Nordeste. Depois disse que não tinha conhecimento. E por fim, mentiu quando disse que não tinha processo administrativo contra ele.
Terra: Foi discutida em algum momento a possibilidade de prisão?
Apresentei para ele [Arthur Maia]: “presidente não dá para a gente receber aqui na CPI pessoas para ficar mentindo”.
Ele falou, que se ele pedisse desculpas, a gente poderia relevar, para começar sem essa prisão logo no começo. É uma decisão de tolerância, mas na verdade havia os elementos próprios para isso, havia.
Terra: Esse entendimento do presidente traz algum prejuízo para os trabalhos?
Traz se for repetido. A gente demonstrou claramente que estamos atentos em relação à questão da mentira e que isso não pode se repetir. Ficou muito claro para todos, sobretudo para os próximos depoentes de que eles não podem mentir na comissão.
Terra: O deputado André Fernandes (PL-CE) e o senador Marcos do Val (Pode-ES) são investigados e estão na CPMI. Eles podem trazer para a investigação?
Não há dúvida nenhuma que traz prejuízo na medida em que temos investigados na comissão. O compartilhamento de dados referente a eles ficará inviabilizado. Essa não é uma decisão da relatoria, mas que passa pelo presidente do Congresso Nacional. A decisão, infelizmente, não é minha.
Machismo
Terra: É natural que tenha muito debate, falas atropeladas nas reuniões, mas acompanhando a CPMI, dá a impressão de que a senhora é mais interrompida do que o presidente da comissão. Ontem, teve o episódio com o deputado Éder Mauro gritando. A senhora vê um componente machista na atuação da oposição?
Totalmente, totalmente, totalmente. Te digo ainda mais. É pior até do que eu imaginei que seria. Há um nível muito grande de misoginia por parte de vários parlamentares. Digo isso sem sombra de dúvidas.
Há uma tentativa clara contra mim, de desestabilizar, por parte de alguns parlamentares. Então é isso vem com interrupções. Como eles não conseguem vencer no debate, tentam tumultuar. Isso acontece desde as primeiras reuniões. Ontem o deputado chegou do nada gritando na comissão. E ele nem é membro da CPMI.
No primeiro debate veio o outro parlamentar vestido com uma camiseta de dormir também tumultuando. Sempre se cria um clima de tumulto quando ele não consegue vencer no debate.
Contra mim isso é muito mais claro. Muito mais claro, muito mais claro, muito mais claro. Infelizmente essa é uma prática contra nós mulheres brasileiras que ocorre com muita frequência.
A gente não pode naturalizar. Mas que infelizmente essa é uma prática. Nós mulheres somos mais interrompidas. Há uma tentativa clara de desestabilizar para criar na gente a coisa do histerismo, da mulher histérica que grita. Por exemplo, ontem, eu tive que dar uma palavra mais firme. Mas me contrapus a um grito de outro parlamentar.
Há uma tentativa de obstrução em relação a nós mulheres, ao trabalho na verdade da mulher como todo.
E essa questão é discutida na Cúpula da CPMI, para tentar minimizar esse impacto?
A gente conversa, o presidente Maia tem tentado trazer o equilíbrio, mas infelizmente, na cabeça deles é algo cultural. Que ele faz achando que é natural, mas não é. A gente vai romper se impondo, se posicionando ao longo de todo processo.
Tem alguma medida que pode ser tomada, de questionamento jurídico?
Pode ocorrer, pode fazer algum pedido de medida extrema. Mas espero que a gente não chegue a esse ponto. Vamos tentar ver se a gente resolve no diálogo.
Militares
Terra: Frequentemente vemos na imprensa nomes de generais e coronéis envolvidos em articulações de golpe. A senhora está convencida de que os militares agiram por conta própria, de maneira indisciplinada? Ou há vínculo com as instituições das Forças Armadas?
Honestamente falando não acho que a instituição em si tenha trabalhado em relação a aplicação deste golpe.
Mas tenho entendimento claro que havia várias pessoas, vários militares, inclusive com patentes importantes que contribuíram, que estavam trabalhando na tentativa de implantação de golpe. Se isso representa a cúpula principal das Forças Armadas? Acredito que não.
A gente precisa pegar essas pessoas, para dar a elas a responsabilidade que elas precisam. Não podemos deixar de ouvir nenhum militar somente pela condição de ele ser militar.
Terra: Considerando a rigidez hierárquica nas Forças Armadas não conseguimos dizer que tem, pelo menos, uma conivência da instituição? Inclusive, parte deles continuam os cargos que eles já ocupavam mesmo após as revelações.
Às vezes, para você fazer um desligamento, precisa de elementos mais concretos. Temos vários processos em cursos, inquéritos em curso e não há dúvida nenhuma que havendo a responsabilidade, a cúpula deverá, obrigatoriamente seguir essa orientação legal. Não acho que haveria conivência.
Terra: Qual o entendimento da senhora do papel da instituição das Forças Armadas, dos quartéis com os acampamentos?
Veja bem, nós temos um comando ali nos quartéis, todo o quartel no Brasil tem um comando. Nesse caso específico, em relação à questão [de ocupação] física, é algo que a gente precisa realmente aprofundar nessa investigação. Pode ter certeza, se você quiser fazer um acampamento hoje lá, você não consegue.
Fazer um acampamento na frente dos quartéis, é algo que precisa de alguma flexibilidade [do Exército]. Isso aí é uma questão que é fato. Precisamos aprofundar [para entender] melhor como isso se deu. Houve uma permanência muito demorada, houve um volume muito grande de presença, inclusive as informações que nós temos em torno desses quartéis havia várias atividades ilícitas como a possibilidade de tráfico de drogas e até de estupro.
A gente precisa compreender até onde se deu essa flexibilidade. E aí é uma questão que a gente deverá direcionar especificamente em relação a esses comandos.
Terra: Mas a senhora, a princípio, não vê uma orientação ou um papel institucional do Exército das Forças Armadas?
Não vejo. Acho que houve flexibilidade mais pontual. Dizer que havia pessoas flexibilizando, não há dúvida nenhuma. Militares flexibilizando tinha. Militar impedindo que não saísse [o acampamento], com toda certeza tinha. Se não houvesse, a PM do DF teria tirado. Mas foram impedidos na verdade de fazer essa desocupação.
A senhora considera chamar alguém do Alto Comando do Exército para dar esclarecimentos?
Não, considero chamar quem teve participação direta. envolver a instituição não tem porque. É uma responsabilidade que deve ser individualizada.
Redes Sociais
Terra: Qual vai ser o peso dado para o papel das big techs e o entendimento que a senhora tem, se prevê convocar representantes das empresas para falarem das plataformas como meio de articulação?
Acredito que vai ser necessário, mas primeiro vou me cercar de mais elementos e dados para poder partir para essa área, que é muito importante.
Até porque toda a comunicação era feita nas redes sociais. No acampamento [em Brasília], no dia 7, você tinha no máximo 200 pessoas no acampamento e no outro dia você viu milhares de pessoas, por comunicação feita em rede social.
A gente precisa buscar algumas informações, se elas não vierem, buscar a responsabilidade.