"Há uma ditadura na Venezuela", diz Human Rights Watch

10 jan 2025 - 15h55

Diretor-adjunto para as Américas da ONG, Juan Pappier aponta violação de "todos os elementos básicos da democracia", diz não restar dúvida sobre fraude eleitoral e faz apelo a países latino-americanos por ajuda.A posse de Nicolás Maduro para um terceiro mandato presidencial na Venezuela nesta sexta-feira (10/01) acontece em meio a uma nova e violenta série de confrontos que opõem as forças governamentais a manifestantes que questionam o resultado das urnas nas ruas do país.

Um dia antes de Maduro ser empossado para um terceiro mandato, manifestantes foram às ruas exigir a libertação dos presos políticos
Um dia antes de Maduro ser empossado para um terceiro mandato, manifestantes foram às ruas exigir a libertação dos presos políticos
Foto: DW / Deutsche Welle

Para Juan Pappier, subdiretor para as Américas da Human Rights Watch (HRW), a crescente repressão representa uma "violação massiva de direitos humanos" e de todos os elementos que compõe uma democracia.

Publicidade

A organização lista denúncias de detenções arbitrárias, assassinatos, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e crimes de tortura no país e pede maior participação dos países da região, como o Brasil, no gerenciamento da crise migratória e para pressionar por uma transição democrática na Venezuela.

DW: Após as eleições de julho, vocês reportaram um aumento da repressão na Venezuela. De que tipo de repressão estamos falando?

Juan Pappier: O que documentamos após as eleições foi que houve 23 manifestantes mortos, em muitos casos com responsabilidade das forças de segurança de Maduro ou dos coletivos [grupos de civis armados que operam sob ordens de Maduro].

Além disso, documentamos dezenas de detenções arbitrárias de pessoas que simplesmente estavam participando das manifestações e, após serem detidas, são mantidas incomunicáveis, privadas do direito de escolher o advogado que as representará, e são perseguidas criminalmente por crimes amplos que acarretam penas longas, como terrorismo ou incitação ao ódio.

Publicidade

Estamos falando de uma repressão sistemática aos direitos humanos que ocorreu após as eleições e a fraude de 28 de julho.

Em setembro, a HRW também denunciou vários abusos cometidos pelo governo da Venezuela nos últimos anos: assassinatos, torturas, etc. Esses abusos podem levar a condenações em tribunais internacionais?

O que ocorreu na Venezuela foram violações massivas aos direitos humanos: detenções arbitrárias, assassinatos de manifestantes, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, crimes de tortura. O Tribunal Penal Internacional investiga esses crimes como crimes contra a humanidade. Há uma investigação pendente em Haia sobre esses delitos, e o procurador está na fase em que precisa começar a atribuir responsabilidades individuais aos líderes do regime de Maduro e, eventualmente, emitir ordens de captura contra eles.

Há alguma esperança de que isso aconteça?

Eu acredito que sim, está avançando. O procurador [Karim] Khan demonstrou ter a intenção de ir atrás daqueles que cometem crimes internacionais e já emitiu ordens de captura contra [o presidente da Rússia Vladimir] Putin e [o primeiro-ministro de Israel Benjamin] Netanyahu. É esperado que também haja ordens de captura contra os responsáveis pelas atrocidades que ocorrem na Venezuela.

A HRW pediu aos países da região que recebam mais refugiados. Ao mesmo tempo, a população muitas vezes demonstra certo cansaço em relação à onda migratória venezuelana. Como equilibrar essa equação difícil?

Publicidade

Há uma onda na região porque, na última década, 8 milhões de venezuelanos saíram do país, e, a nível regional, passamos de 7 milhões de migrantes e refugiados para 15 milhões. Ou seja, o nível do desafio migratório mudou de magnitude, e isso precisa ser entendido.

Agora, a realidade é que enquanto todos nós trabalhamos para que haja uma transição democrática na Venezuela - e parte da resposta dos países da região deve ser continuar pressionando para que os venezuelanos tenham a democracia que merecem -, precisamos ao mesmo tempo reconhecer que os venezuelanos provavelmente continuarão fugindo de seu país. Muitos fogem de perseguição e graves violações dos direitos humanos, portanto, têm todo o direito de buscar refúgio.

Em países cada vez mais sobrecarregados...

O que pedimos é que se trabalhe para criar um mecanismo de distribuição das responsabilidades entre os países da região, para que haja maior coordenação entre os governos e não seja o caso de alguns adotarem políticas restritivas e outros, não.

Como a HRW vê o papel que a Organização dos Estados Americanos ou os grandes governos da região, como Brasil e México, desempenharam para pressionar Caracas?

Publicidade

Acredito que a enorme maioria dos países da região tem sido muito clara e contundente sobre o que ocorreu na Venezuela, e isso é notável. Acho que a iniciativa da Colômbia, do Brasil e, em menor medida, do México, de buscar um diálogo com a Venezuela também é importante. Ao mesmo tempo, é necessário ter uma distribuição das tarefas. Alguns países devem se dedicar a ser mais vocais, mais claros e mais contundentes, enquanto outros devem tentar promover vias de negociação para que haja uma saída democrática.

Vocês pediram para os países não reconhecerem a vitória de Maduro. É um fato que Maduro cometeu fraude, pode-se dizer isso de forma clara?

Os relatórios das duas entidades internacionais que observaram as eleições, o grupo de especialistas da ONU e o Centro Carter, foram muito claros. Os resultados apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não estão sustentados por evidências, e as atas da oposição, que tanto o Centro Carter quanto os especialistas da ONU consideram confiáveis, refletem um resultado bem diferente. Ou seja, temos indicações claras de que estamos diante de uma grande fraude eleitoral.

À luz de tudo isso, levando em conta os relatórios que vocês divulgaram sobre torturas, assassinatos, perseguições à oposição política e à imprensa livre, podemos falar sem problemas que na Venezuela há uma ditadura?

Na Venezuela há uma ditadura. Lá se violam todos os elementos básicos da democracia: a possibilidade de eleições livres e justas, a possibilidade de ter pluralismo nos partidos políticos, as garantias de liberdade de expressão, de associação... Todos os elementos essenciais em uma democracia estão sendo tristemente violados na Venezuela, e por isso dizemos que estamos diante de uma ditadura.

Publicidade
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
TAGS
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se