Foi um momento peculiar da política americana. Cinco pré-candidatos do Partido Democrata foram questionados em um debate televisivo, na noite dessa terça-feira (14), se eram ou não capitalistas. A resposta a essa pergunta geralmente é dada como certa nos Estados Unidos.
Bernie Sanders, o senador independente pelo estado de Vermont, agitou a campanha das primárias e se destacou em eventos políticos. O autodeclarado socialista democrata obteve progressos significativos frente à favorita à nomeação do partido, Hillary Clinton, nos estados onde as ocorrem as primeiras primárias.
No terceiro trimestre do ano, Sanders arrecadou quase tanto dinheiro para sua campanha quanto Hillary. Sem contar com o apoio de grandes doadores, o senador angariou 25 milhões de dólares, contra 28 milhões da ex-secretária de Estado.
"Há um clima neste ano entre o eleitorado de rejeição ao discurso político padronizado e aos candidatos padronizados", observa Alan Schroeder, autor do livro Presidential Debates: 50 years of High Risk TV (Debates presidenciais: 50 anos de TV de alto risco, em tradução livre). "A mensagem de Bernie Sanders encontra ressonância em muitas pessoas."
O discurso de Sanders, como ficou evidente no debate, foca na desigualdade de renda e do sistema do qual ela resulta. Ele ataca a "classe dos bilionários", classifica como corrupto o sistema de financiamento de campanhas e exalta os países escandinavos e suas políticas de bem-estar social como exemplos para os EUA.
"Não somos a Dinamarca", afirmou Hillary, em uma discussão com o senador sobre os méritos do capitalismo. "Somos os Estados Unidos da América."
Mesmo assim, o pré-candidato conseguiu fazer com que o debate tivesse um viés esquerdista. Hillary admitiu que algo está errado no sistema econômico americano, que o capitalismo saiu do controle e gerou desigualdades. Ela disse que o próximo presidente deve "salvar o capitalismo de si mesmo".
"Atoleiro dentro de outro atoleiro"
Apesar de Sanders ter se tornado uma força política, ainda é Hillary o nome a ser batido. Ela tem todas as vantagens de uma candidata do sistema: o apoio de grandes doadores, um nome reconhecido, a experiência de já ter concorrido à presidência e sua atuação como secretária de Estado.
Entretanto, Hillary também tem suas fraquezas. Uma pergunta sobre a intervenção do presidente russo, Vladimir Putin, na Síria se tornou rapidamente um debate sobre o apoio da então senadora à invasão do Iraque em 2003. Essa decisão teria lhe custado a nomeação do partido em 2008, ano em que Barack Obama foi eleito.
"Ela nos levou ao Iraque sob pretextos falsos, nos dizendo que havia armas de destruição em massa, o que foi um dos maiores fiascos da História americana", afirmou o progressista Martin O'Malley, ex-governador do estado de Maryland.
A ex-secretária de Estado se mantém na ofensiva em relação à política externa, mais do que seus oponentes nas primárias democratas. Entre ouras coisas, ela apoia a criação de uma zona de exclusão aérea na Síria. Sanders classificou a guerra civil no país árabe como um "atoleiro dentro de um atoleiro". E prometeu evitar que os EUA se envolvam ainda mais no conflito.
Enquanto Hillary foi criticada por seu apoio à invasão do Iraque, Bernie Sanders foi obrigado a se defender sobre sua posição ambígua em relação ao controle de armas nos EUA. O tema é de grande importância para os democratas, principalmente após o massacre no Oregon, o mais recente de muitos ocorridos em todo o país.
Nos anos 1990, o senador votou cinco vezes contra um projeto de lei que propunha a expansão do período de espera para a compra de armas de fogo. Ele também votou a favor da imunidade jurídica às empresas de armamentos. Entretanto, ele diz apoiar as verificações dos antecedentes criminais dos compradores e votou a favor da proibição às armas de assalto.
"Nessa época, eu estava no Senado", lembrou Hillary. "Não foi tão complicado para mim. Estava bastante claro que ele iria dar impunidade a uma única indústria nos EUA." Sanders é oriundo de um estado rural, onde o controle de armas é bastante reduzido.
Confiança do eleitorado
De acordo com o analista Bruce Newman, a questão mais importante na campanha presidencial é a confiança do eleitorado. Pesquisas indicam que a maioria dos americanos não considera Hillary confiável, em razão do escândalo gerado pela utilização de sua conta de e-mail pessoal para tratar de assuntos oficiais, quando ela exercia o cargo de secretária de Estado. No final, porém, sua posição sobre os principais temas deverá ser considerada mais importante.
"Os eleitores pensam 'eu me importo realmente se ela é completamente honesta, mas acho que poderá mudar minha vida pessoal e melhorar minha situação'", analisa Newman, autor do livro The Marketing Revolution Politics (A política da revolução do marketing, em tradução livre).
Ele aponta que, durante o debate, nenhum dos pré-candidatos conseguiu enfraquecer Hillary Clinton. O'Malley, respeitado no partido por sua atuação progressista em Maryland, teve bom desempenho, ainda que seu nome mal apareça nas pesquisas.
O senador Jim Webb, da Virgínia, um veterano da guerra do Vietnã, é um político democrata conservador cuja campanha ainda não decolou. Outro pré-candidato, o ex-governador de Rhode Island Lincoln Chafee, já foi do Partido Republicano e mudou sua afiliação política três vezes.
"Ninguém esteve perto de tocar ou causar qualquer fissura na armadura da liderança de Hillary Clinton", diz Newman. "Ela deixou claro que é única candidata seriamente viável."