'Justiça é lenta, cega, burra, errada, torta, mas chega', diz juíza ao ler sentença para Ronnie Lessa e Élcio Queiroz

Assassinos foram condenados após 22 horas de julgamento pelas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes, em 2018

31 out 2024 - 19h33
(atualizado às 20h37)
Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz são condenados pelo assassinato de Marielle Franco
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A juíza Lúcia Glioche, responsável pelo julgamento dos assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, chamou atenção para o sofrimento que os homicídios provocaram nos familiares das vítimas ao proferir a sentença, na noite desta quinta-feira, 31, no 4º Tribunal do júri do Rio de Janeiro.

"A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez Justiça fosse que o hoje o dia jamais tivesse ocorrido, talvez Justiça fosse Anderson e Marielle presentes. Como se a justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta", iniciou a magistrada.

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"Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano [...] A sentença não serve para tranquilizar as vítimas [...] A sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro, livres por aí", acrescentou.

Juíza lê a sentença do julgamento dos assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes
Juíza lê a sentença do julgamento dos assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes
Foto: Reprodução/Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

Ronnie Lessa, responsável pelos tiros que mataram Marielle e Anderson, foi condenado a 78 anos e 9 meses de prisão, e Élcio de Queiroz a 59 anos e 8 meses de prisão. Os dois também deverão pagar R$ 706 mil de indenização para os parentes de Anderson e Marielle.

Leia a sentença

"A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.

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Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.

A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.

Homicídio é um crime traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.

A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.

A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?

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Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro, nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.

Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro, livres por aí.

Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu. Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.

Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.

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Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.

Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.

Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem: A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.

A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.

A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital: a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie. A 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.

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Saem os 2 condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão. Ficam os 2 condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.

Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.

Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados. Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.

Tenham todos uma boa-noite".

Fonte: Redação Terra
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