Micróbios podem ajudar a colonizar o espaço, produzir medicamentos e gerar energia

Usando plantas digitais do metabolismo de micróbios, cientistas podem simular experimentos que de outra forma seriam caros e demorados

9 jan 2025 - 09h54
Os modelos metabólicos em escala de genoma capturam as reações químicas complexas que permitem o funcionamento das células, permitindo simular experimentos que de outra forma seriam muito caros e demorados Yuri Arcurs/iStock via Getty Images Plus
Os modelos metabólicos em escala de genoma capturam as reações químicas complexas que permitem o funcionamento das células, permitindo simular experimentos que de outra forma seriam muito caros e demorados Yuri Arcurs/iStock via Getty Images Plus
Foto: The Conversation

Depois de anos aprendendo como os micróbios funcionam, pesquisadores agora estão recriando digitalmente seu funcionamento interno para enfrentar desafios que vão desde as mudanças climáticas até a colonização espacial.

Em meu trabalho como biólogo computacional, estudo maneiras de fazer com que os micróbios fabriquem produtos químicos mais úteis, como combustíveis e bioplásticos, que podem ser usados nos setores energético, agrícola ou farmacêutico. Tradicionalmente, os pesquisadores precisam realizar vários experimentos de tentativa e erro em placas de Petri para determinar as condições ideais que os micróbios precisam para fabricar grandes quantidades de produtos químicos.

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Em vez disso, sou capaz de simular esses experimentos em uma tela de computador por meio de projetos digitais que replicam o interior dos micróbios. Chamados de modelos metabólicos em escala de genoma (GEMs, na sigla em inglês), esses laboratórios virtuais reduzem significativamente o tempo e o custo necessários para descobrir o que os pesquisadores precisam fazer para obter o que estão buscando. Com os GEMs, os pesquisadores podem não só explorar a complexa rede de vias metabólicas que permitem o funcionamento dos organismos vivos mas também ajustar, testar e prever como os micróbios se comportariam em diferentes ambientes, inclusive em outros planetas.

Como a tecnologia GEM continua a evoluir, acredito que esses modelos desempenharão um papel cada vez mais importante em moldar o futuro da biotecnologia, da medicina e da exploração espacial.

Modelos metabólicos em escala de genoma

Os modelos metabólicos em escala de genoma são mapas digitais de todas as reações químicas conhecidas que ocorrem nas células, ou seja, o metabolismo da célula. Essas reações são essenciais para converter alimentos em energia, construir estruturas celulares e lidar com substâncias nocivas.

Para criar um GEM, começo analisando o genoma de um organismo, que contém as instruções genéticas que as células usam para produzir proteínas. Um tipo de proteína codificada no genoma chamada "enzimas" é o carro-chefe do metabolismo, pois facilita a conversão de nutrientes em energia e blocos de construção para as células.

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Ao vincular os genes que codificam as enzimas às reações químicas que elas ajudam a realizar, posso criar um modelo abrangente que mapeia as conexões entre genes, reações e metabólitos.

Depois de criar um GEM, uso algumas simulações computacionais avançadas para fazê-lo funcionar como uma célula viva ou um micróbio. Um dos algoritmos mais comuns que os pesquisadores usam para fazer essas simulações é chamado flux balance analysis (análise de balanço de fluxos). Esse algoritmo analisa os dados disponíveis sobre o metabolismo e, em seguida, faz previsões sobre como diferentes reações químicas e metabólitos agiriam em condições específicas.

Isso torna os GEMs particularmente úteis para compreender como os organismos respondem às mudanças genéticas e aos estresses ambientais. Por exemplo, posso usar esse método para prever como um organismo reagirá quando um gene específico for eliminado. Também posso usá-lo para prever como ele poderá se adaptar à presença de diferentes substâncias químicas em seu ambiente ou à falta de alimentos.

Resolvendo desafios energéticos e climáticos

A maioria das substâncias químicas usadas na agricultura, nos produtos farmacêuticos e nos combustíveis é obtida de combustíveis fósseis. Entretanto, os combustíveis fósseis são um recurso limitado e contribuem significativamente para as mudanças climáticas.

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Em vez de extrair energia de combustíveis fósseis, minha equipe no Great Lakes Bioenergy Research Center da Universidade de Wisconsin-Madison se concentra no desenvolvimento de biocombustíveis e bioprodutos sustentáveis a partir de resíduos vegetais. Isso inclui o caule do milho depois que as espigas são colhidas, e plantas não comestíveis, como grama e algas. Estudamos quais resíduos de culturas podem ser usados para bioenergia, como usar micróbios para convertê-los em energia e maneiras de gerenciar de forma sustentável o solo em que essas plantas são cultivadas.

Estou construindo um modelo metabólico em escala de genoma para a Novosphingobium aromaticivorans, uma espécie de bactéria que pode converter produtos químicos muito complexos de resíduos de plantas em produtos químicos valiosos para as pessoas, como os usados na fabricação de bioplásticos, produtos farmacêuticos e combustíveis. Com uma compreensão mais clara desse processo de conversão, posso aprimorar o modelo para simular com mais precisão as condições necessárias para sintetizar quantidades maiores desses produtos químicos.

Os pesquisadores podem, então, replicar essas condições na vida real para gerar materiais mais baratos e mais acessíveis do que aqueles feitos a partir de combustíveis fósseis.

A bioinformática analisa dados biológicos para responder a perguntas sobre organismos vivos.

Extremófilos e colonização espacial

Existem micróbios na Terra que podem sobreviver em ambientes extremamente severos. Por exemplo, a Chromohalobacter canadensis pode viver em condições extremamente salgadas. Da mesma forma, o Alicyclobacillus tolerans pode se desenvolver em ambientes muito ácidos.

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Como outros planetas costumam ter climas igualmente severos, esses micróbios - também conhecidos como extremófilos - podem não apenas prosperar e se reproduzir nesses planetas, mas também mudar o ambiente para que seres humanos também possam viver lá.

Combinando GEMs com aprendizado de máquina, vi que C. canadensis e A. tolerans podem sofrer alterações químicas que as ajudam a sobreviver em condições extremas. Elas têm proteínas especiais em suas paredes celulares que trabalham com enzimas para equilibrar os produtos químicos em seu ambiente interno com os produtos químicos em seu ambiente externo.

Com os GEMs, os cientistas podem simular os ambientes de outros planetas para estudar como os micróbios sobrevivem sem necessariamente precisar ir até esses planetas.

O futuro dos GEMs

Todos os dias, pesquisadores estão gerando grandes quantidades de dados sobre o metabolismo microbiano. À medida que a tecnologia GEM avança, ela abre portas para novas e empolgantes possibilidades na medicina, na energia, na exploração espacial e em outras áreas.

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Biólogos sintéticos podem usar GEMs para projetar organismos ou vias metabólicas totalmente novos a partir do zero. Esse campo poderia promover a biofabricação, permitindo a criação de organismos que produzam com eficiência novos materiais, medicamentos ou até mesmo alimentos.

Os GEMs de todo o corpo humano também podem servir como um atlas para o metabolismo de doenças complexas. Eles podem ajudar a mapear como o ambiente químico do corpo muda com a obesidade ou o diabetes.

Seja na produção de biocombustíveis ou na engenharia de novos organismos, os GEMs são uma ferramenta poderosa tanto para a pesquisa básica quanto para aplicações industriais. Com o avanço da biologia computacional e dos GEMs, essas tecnologias continuarão a transformar a maneira como os cientistas compreendem e manipulam o metabolismo dos organismos vivos.

The Conversation
Foto: The Conversation

Blaise Manga Enuh não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

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Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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