Aconselhado pelo núcleo militar do governo a adotar um estilo mais conciliador diante do avanço da crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro vive um dilema. Ao mesmo tempo em que os generais querem que Bolsonaro recorra a uma estratégia de menos confronto e se concentre no combate ao inimigo invisível, a ala ideológica do governo mantém a pressão para que ele intensifique a ofensiva contra a imprensa, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
Os panelaços dos últimos dias, com gritos de "Fora Bolsonaro", viraram um divisor de águas para o presidente, que, a partir de agora, passa a contar com forte oposição. Na tentativa de reverter o desgaste de sua imagem, Bolsonaro tem como meta anunciar todo dia várias medidas, não só sociais como econômicas, para debelar a crise.
Nesta quinta-feira, 19, por exemplo, o governo endureceu as restrições de combate à propagação da doença ao fechar fronteiras terrestres com Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa,Guiana, Paraguai, Peru e Suriname. Inicialmente, Bolsonaro resistia a adotar essa iniciativa. Na área econômica, o Executivo anunciou o pagamento de uma parcela do seguro-desemprego para trabalhadores que tiverem o salário e jornada reduzidas. A medida deve atingir 11 bilhões de pessoas.
Presidente capital político ao ignorar pandemia
A avaliação interna no Planalto é a de que o presidente perdeu tempo e capital político ao ignorar a pandemia e dizer que tudo não passava de uma "fantasia" superdimensionada. Agora, precisa dar respostas rápidas à população.
Em transmissão ao vivo pela internet, Bolsonaro disse nesta quinta-feira, 19, que em três ou quatro meses o pico do vírus deve diminuir. "Haverá normalidade em seis ou sete meses", previu ele. Para recuperar o apoio perdido, o presidente fará um novo "tour" por programas populares. Nesta sexta, 20, ele anunciou a participação, às 22h30, no Programa do Ratinho, no SBT.
O triunvirato militar do governo
No núcleo militar, com o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, em quarentena por ter contraído o coronavírus, Bolsonaro tem hoje como interlocutores preferenciais os generais Walter Braga Netto, chefe da Casa Civil, e Fernando Azevedo, titular da Defesa. Outro auxiliar consultado com frequência é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, um capitão da reserva.
O trio de auxiliares quer que Bolsonaro ignore os "panelaços" e quaisquer protestos contra o governo. Na prática, esses ministros traçam cenários e fazem planejamentos sobre como as Forças Armadas podem colaborar nessa "guerra", caso haja necessidade de garantir que a logística para o abastecimento da população seja assegurada na crise.
Articulador político do Planalto com o Congresso, o general Luiz Eduardo Ramos é amigo de todos, mas está "escanteado" por Bolsonaro desde a polêmica referente ao acordo para a repartição dos recursos do Orçamento. Para o presidente, Ramos foi "ingênuo" e caiu na "armadilha" do bloco de partidos que dá as cartas na Câmara, conhecido como Centrão.
Enquanto isso, discípulos do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, avaliam que Bolsonaro está enfraquecido porque só ouve generais. "Eleito para derrubar o sistema, Bolsonaro, aconselhado por generais e políticos medrosos, preferiu adaptar-se a ele. Suicídio", escreveu o guru em suas redes sociais, na quarta-feira.
Ao contrário de outras vezes, nas quais o presidente encontrou respaldo nas mídias digitais, desta vez sua conduta provoca ácidas críticas. Na percepção do próprio Planalto, o momento não é de procurar culpados, mas, sim, de encontrar soluções.
Desde o início da crise, o governo tem perdido apoios importantes e um sentimento de apreensão toma conta do Planalto, pois muitos ali temem os resultados das próximas pesquisas. Há quem compare a atual situação com a queda abrupta de popularidade da então presidente Dilma Rousseff, que, em 2015, perdeu aproximadamente 40 pontos porcentuais no intervalo de um mês. Menos de um ano depois, ela sofreu impeachment.