Ministério ignorou alertas ao firmar contrato com alvo da PF

Contratada pela atual pasta da Cidadania, B2T é suspeita de ter sido usada como fachada para desviar R$ 50 milhões durante a gestão Temer

11 fev 2020 - 16h43
(atualizado às 18h22)

O Ministério da Cidadania ignorou alertas e aceitou um certificado de serviço que nunca foi prestado, segundo a Polícia Federal, para firmar contrato milionário com uma empresa de tecnologia. Segundo documentos obtidos pelo Estadão, a Business to Technology (B2T) atestou à pasta sua capacidade técnica usando como base as ações que teria desempenhado anos antes no Ministério do Trabalho.

Documento acessado pelo 'Estado' que atesta a capacidade técnica da B2T pelo extinto Ministério do Trabalho em 2018
Documento acessado pelo 'Estado' que atesta a capacidade técnica da B2T pelo extinto Ministério do Trabalho em 2018
Foto: Ministério do Trabalho/Reprodução / Estadão Conteúdo

Ocorre que o negócio apresentado pela B2T como comprovante de experiência foi alvo, na última quinta-feira, 6, da Operação Gaveteiro e, segundo a PF, nunca foi prestado. O Estadão revelou sábado que a empresa contratada pela pasta do ministro Osmar Terra é suspeita de ter sido usada como fachada para desviar R$ 50 milhões dos cofres públicos entre 2016 e 2018, durante a gestão de Michel Temer.

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O certificado de capacidade técnica apresentado pela B2T chegou a ser contestado por duas empresas concorrentes durante o pregão. Apesar dos alertas, o responsável pela contratação, assinada no primeiro ano do governo Bolsonaro, decidiu considerar o documento válido e decretou a B2T vencedora do edital.

No ano de 2017, um relatório de auditoria da CGU havia apontado fraudes no contrato fechado com o Ministério do Trabalho. Na ocasião, o órgão orientou que o governo federal cessasse as contratações com a empresa. No mesmo ano, a AGU também emitiu parecer em qual aponta suspeitas de irregularidades. Dois alertas também ignorados pelo atual governo.

O Estadão revelou no sábado que a B2T continuou fechando contratos com a União e, em julho do ano passado, venceu licitação do ministério de Osmar Terra de R$ 6,8 milhões. A contratação é para prestar os mesmos serviços em que a PF disse ter havido desvios de mais de R$ 50 milhões.

A B2T foi procurada na manhã desta terça-feira pelo Estadão, por meio do telefone disponibilizado em seu site. A atendente disse que "no momento não tinha ninguém disponível para falar".

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No documento entregue pela B2T, o extinto Ministério do Trabalho informa que nos anos de 2016 e 2017 adquiriu solução de apoio a tomada de decisão Business Inteligence (BI) da B2T.

Alertas

O primeiro alerta ao Ministério da Cidadania foi feito pela Citis Tecnologia. A empresa apresentou um recurso afirmando que o atestado emitido pelo Ministério do Trabalho é referente aos contratos nº 28/2016 e nº 04/2017, estavam sob investigação tanto pela CGU quanto pela AGU, "em virtude de séria suspeita de fraude, face à provável direcionamento da licitação, superdimensionamento do quantitativo de licenças, superfaturamento nas Ordens de Serviços e contratos", além de outras irregularidades.

O ministro da Cidadania, Osmar Terra
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / Estadão Conteúdo

Àquela altura, a própria CGU já havia emitido alerta a administração federal sobre a auditoria feita no contrato com a B2T, que poderia ter resultado no desvio de milhões dos cofres públicos.

A exemplo da Citis, a Datainfo Soluções também apresentou recurso, questionando a idoneidade dos atestados apresentados pela B2T. As duas empresas alertaram que o documento emitido pelo Ministério do Trabalho não poderia ser considerado apto ou ter efeitos legais na licitação, "em razão da séria investigação dos Órgãos de Controle, que apontam para a falsidade e incorreção das informações ali documentadas".

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"Considerar o atestado emitido pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) vai de encontro com os princípios de Direito mais basilares como o da moralidade e da probidade, ligada à confiança e legitimidade das informações. Há que se considerar também as sérias consequências à Administração Pública e especialmente aos seu gestores, administradores, que, mesmo cientes da gravidade da situação e da alta probabilidade de fraude na contratação que fora atestada, optam por contratar empresa sob essa fundada suspeita", dizia outro trecho do recurso.

A área jurídica do Ministério da Cidadania, no entanto, disse que era preciso aguardar desdobramentos das investigações promovidas pela CGU e AGU. A proposta da pasta foi de se fazer uma diligência para certificar a real validade e legitimidade do atestado apresentado pela B2T.

O ministério chegou a citar, em relatório interno do pregão, trecho da investigação da CGU feita na contratação anterior como o Ministério do Trabalho. No documento, o órgão de controle aponta, entre outras irregularidades, direcionamento de licitação e superdimensionamento do serviço que seria prestado, com "consequente superfaturamento nas Ordens de Serviço dos contratos".

Apesar de todas essas irregularidades, a área jurídica decidiu ignorar os recursos e dar prosseguimento à licitação, declarando a B2T vencedora. Na avaliação do Ministério da Cidadania, "em que pese o citado relatório (da CGU) apontar graves falhas no planejamento da contratação, merece atenção que o documento se trata de um relatório e não um decisão condenatória transitada e julgada o qual não pode ser usado para desqualificar os atestados apresentados".

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Pagamento antecipado

Além de ignorar os alertas de irregularidades ao considerar a B2T vencedora da licitação, o Ministério da Cidadania demonstrou pressa em começar a depositar as parcelas do contrato na conta da empresa. Um dia antes da vigência oficial do contrato, a pasta já havia autorizado o empenho das duas primeiras parcelas do pagamento à empresa. O empenho é o primeiro passo para a liberação dos recursos.

Um dos pagamentos, no valor de R$ 3,9 milhões, foi pela prestação de 14.339 serviços de manutenção corretiva e sustentação de software. O empenho do valor foi feito em 16 de julho de 2019. O contrato com a B2T só passaria a vigorar no dia seguinte.

Procurado pelo Estadão, o Ministério da Cidadania não respondeu se o serviço chegou a ser prestado. Também não informou em quais repartições ou computadores teriam sido instaladas as soluções inteligentes que custaram quase R$ 7 milhões aos cofres públicos, nem deu explicação para a necessidade da urgência de autorizar o pagamento do contrato um dia antes dele começar a vigorar.

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