"Nossos soldados foram enviados para todas as partes da Faixa de Gaza."
Assim, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, confirmou neste sábado (28/10) que seu país deu início a uma nova fase na guerra contra o Hamas, lançando uma operação terrestre e intensificando seus ataques aéreos contra Gaza.
O caos reina na região desde que o exército israelense iniciou a nova ofensiva entre sexta-feira à noite e sábado de manhã. Centenas de milhares de pessoas tiveram de fugir das suas casas, enquanto o número total de mortos já ultrapassa 8.000, segundo o ministério da saúde local, administrado pelo Hamas.
Os bombardeios mais recentes são descritos os mais intensos desde o início da guerra, em 7 de outubro, quando um ataque do Hamas deixou mais de 1.400 mortos e sequestrou 200 pessoas em Israel.
Centenas de palestinos morreram nas últimas horas, segundo autoridades em Gaza. Além disso, os bombardeios deixam um rastro de prédios destruídos e milhares de casas danificadas.
No sul, onde a maior parte da população se refugiou depois de Israel ter ordenado que abandonassem as suas casas, também foram relatados ataques, embora em menor escala.
"Será uma guerra longa e difícil", disse Netanyahu em um discurso pela televisão no sábado.
Em paralelo, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, garantiu que o país estava estava na "próxima fase da guerra" - no que se espera ser uma incursão terrestre de longo prazo.
Durante o sábado, Gaza também ficou sem telecomunicações internas e externas, dificultando saber o que se passava no território palestino.
Na manhã de domingo (29/10), serviços de internet e telefonia móvel haviam sido parcialmente restaurados.
O Ministro das Comunicações palestino, Ishaq Sider, disse que esforços estão sendo feitos para recuperar o sistema de comunicações em Gaza.
1. O que diz Israel sobre sua ofensiva?
Em seu discurso no sábado, depois de se reunir com familiares de alguns dos reféns detidos pelo Hamas em Gaza, Benjamin Netanyahu disse que seu principal objetivo é derrotar o Hamas e libertar os sequestrados.
Netanyahu disse que soldados e comandantes israelenses "foram enviados para todas as partes da Faixa de Gaza" e que a operação em curso por terra é a segunda fase da guerra contra o Hamas, com "objetivos muito claros".
Ele disse que forças terrestres israelenses entraram no que ele definiu como "aquela fortaleza do mal", referindo-se a Gaza, para "desmantelar" o Hamas e trazer os reféns para casa, e disse que a batalha será "longa e difícil".
Netanyahu acrescentou que os militares estão tomando precauções para proteger civis e acusou o Hamas de cometer crimes contra a humanidade ao "usar seu povo como escudos humanos".
Netanyahu colocou a batalha em um contexto mais amplo e afirmou que se tratava de uma guerra de 3.000 anos pela sobrevivência do povo judeu.
Ele descreveu a intervenção em Gaza como a "segunda guerra de independência" de Israel.
"Vamos lutar e não nos renderemos. Não vamos recuar. [Continuaremos] na superfície e no subsolo", continuou.
Já o ministro da Defesa, Yoav Gallant, referindo-se ao ataque que começou na sexta-feira, disse que "quanto mais os atingirmos [o Hamas], sabemos que mais eles estarão dispostos a chegar a algum tipo de acordo, e seremos capazes de trazer a nossa amados reféns para casa".
Segundo o correspondente diplomático da BBC, Paul Adams, as palavras de Gallant refletem a estratégia do exército israelense, que se baseia em três fases.
Há uma semana, Gallant disse a uma comissão parlamentar de seu país que esta segunda fase tinha o objetivo de "eliminar os focos de resistência" do Hamas.
A primeira fase consistiu em destruir a infraestrutura do grupo, enquanto a terceira seria "libertar Israel da sua responsabilidade" sobre a Faixa de Gaza e "estabelecer novas medidas de segurança para os cidadãos israelenses".
Neste sábado também foi noticiado que o Hamas se ofereceu para trocar os mais de 220 reféns que mantém em Gaza por prisioneiros palestinos que estão em prisões em Israel.
Netanyahu afirmou que a questão foi discutida com o gabinete de guerra israelita, mas recusou-se a dar detalhes.
2. Qual é a situação em Gaza?
Enormes explosões iluminaram o céu na manhã de sábado, quando os militares israelenses disseram que estavam "operando poderosamente em todas as dimensões para alcançar os objetivos da guerra", com "forças terrestres... expandindo suas operações".
Segundo autoridades palestinas, centenas de edifícios foram destruídos por ataques aéreos e de artilharia.
Mas os militares israelenses relataram que seus caças atingiram 150 alvos subterrâneos, incluindo túneis e outras infraestruturas.
Tanques e tropas israelenses também atravessaram a fronteira e entraram em confronto com combatentes do Hamas.
O braço militar do grupo disse que estava combatendo tropas israelenses na cidade de Beit Hanoun, no nordeste, e na região central de Bureij. O Hamas diz que também lançou ataques com foguetes contra Israel.
Na manhã de sábado, Rushdi Abu Alouf, jornalista da BBC baseado na cidade de Khan Younis, no sul de Gaza, descreveu "cenas de caos completo" no terreno.
O jornalista disse que o bombardeio no norte foi de uma escala que ele nunca tinha visto antes.
Ele acrescentou que houve menos ataques nas áreas ao sul da faixa, mas o medo tomou conta de centenas de milhares de pessoas que ali se refugiaram.
Por sua vez, o fotógrafo Shehab Younis publicou um vídeo no Instagram mostrando um homem gravemente ferido sendo retirado às pressas de um prédio para ser transportado na traseira de um caminhão, na ausência de ambulâncias.
Younis disse à BBC em mensagem de voz que a situação era "catastrófica" e que as pessoas não conseguiam entrar em contato com serviços de emergência devido a problemas de conectividade.
William Schomburg, chefe da subdelegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Gaza, disse que os hospitais trabalhavam 24 horas por dia para cuidar das vítimas.
"Pude visitar diferentes hospitais, incluindo o hospital Al-Quds, e as cenas são difíceis de descrever", disse.
A agência da ONU para os refugiados palestinos (Unrwa), que presta assistência a mais de 600 mil das 1,4 milhões de pessoas que fugiram das suas casas, disse que perdeu a maior parte do contato com as suas equipes durante o que descreveu como a "pior e mais intensa noite" dos bombardeios.
3. Qual foi a reação à escalada do conflito?
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse estar surpreendido com a escalada do conflito, especialmente depois de um crescente apelo internacional por um cessar-fogo diante da necessidade de ajuda humanitária para Gaza.
"Nos últimos dias me senti encorajado pelo que parecia ser um consenso crescente na comunidade internacional (...) sobre a necessidade de pelo menos uma pausa humanitária nos combates", disse Guterres num comunicado no sábado.
"Infelizmente, em vez da pausa, fui surpreendido por uma escalada sem precedentes de bombardeios e por seus impactos devastadores, minando os referidos objetivos humanitários", acrescentou.
Na sexta-feira, a ONU aprovou uma resolução apelando por uma "trégua humanitária", que foi apresentada pela Jordânia em nome dos países árabes e que obteve 120 votos a favor, incluindo Brasil e países como França e Bélgica, 14 contra e 45 abstenções.
Israel rejeitou veementemente a proposta.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha também apelou pela suspensão dos ataques de Israel, bem como à libertação dos reféns em Gaza.
"Dois milhões de civis ficaram presos em Gaza sem ter para onde ir", disse a organização. É um "fracasso catastrófico que o mundo não deveria tolerar", continuou a sua declaração.
"A prioridade absoluta é a preservação da vida, e isso significa permitir entregas sustentadas de ajuda humanitária e acesso a agências de ajuda", diz a o órgão em declaração pouco usual.
O comitê, guardião das convenções de Genebra, raramente se expressa publicamente sobre o curso de uma guerra e geralmente opta por comunicações privadas com os envolvidos.
No sábado, centenas de milhares de pessoas se reuniram em cidades ao redor do mundo para pedir um cessar-fogo.
Houve protestos em locais como Londres, Paris, Roma, Copenhague e Bagdá.
Em Istambul, na Turquia, o Presidente Recep Tayyip Erdoğan dirigiu-se a centenas de milhares de manifestantes e disse que Israel estava cometendo "crimes de guerra".
O mandatário também criticou líderes das potências ocidentais por não intervirem por uma pausa nas hostilidades.
Sem mencionar o nome do presidente turco, Netanyahu chamou de "hipócritas" aqueles que acusam o seu exército de cometer crimes de guerra.
"Somos o exército mais moral do mundo", assegurou.
Israel decidiu retirar os seus diplomatas da Turquia na tarde de sábado.