3 questões-chave que explicam a vitória de López Obrador na eleição presidencial do México

Candidato da esquerda venceu a disputa com mais da metade dos votos e uma ampla vantagem sobre os concorrentes.

2 jul 2018 - 10h37
(atualizado às 10h52)
Andrés Manuel López Obrador, presidente eleito do México, já era apontado como favorito na campanha, mas venceu com margem ainda maior
Andrés Manuel López Obrador, presidente eleito do México, já era apontado como favorito na campanha, mas venceu com margem ainda maior
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Poucos duvidavam de que desta vez - em sua terceira tentativa - Andrés Manuel López Obrador conseguiria se eleger presidente do México.

As pesquisas já o colocavam na liderança durante a campanha, mas sua vitória, com mais de 53% dos votos, acabou sendo mais expressiva do que se imaginava.

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"As mudanças serão profundas, mas estarão de acordo com a ordem legal estabelecida. Haverá liberdade de negócios, liberdade de expressão, de associação e de crenças", disse ele no primeiro discurso após a eleição.

Trata-se do primeiro presidente de esquerda do país em décadas.

Comemorações pela vitória do candidato: Pesquisa indica que ele foi eleito com mais da metade dos votos
Foto: AFP / BBC News Brasil

Na reta final da campanha, os candidatos Ricardo Anaya, da coalizão Pelo México à Frente, e José Antonio Meade, da coligação Todos pelo México, aspiravam apenas disputar o segundo lugar.

Pela contagem rápida, Anaya obteve pouco mais de 22% dos votos e Meade, pouco menos de 16%. Os dois reconheceram rapidamente sua derrota e o triunfo de AMLO, iniciais pelas quais Andrés Manuel López Obrador é conhecido.

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Mas quais foram os pontos decisivos para que ele conseguisse chegar à Presidência do México?

Especialistas consultados pela BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, apontam as três principais:

1. Mais pragmático, mais conciliador

"AMLO tem um mérito indiscutível. Ele e sua equipe passaram anos insistindo em criar uma organização de base e têm conseguido manter uma estrutura que está desafiando e derrotando os outros partidos", diz Sergio Aguayo, cientista político do Colégio de México (Colmex), instituição de ensino superior mexicana voltada ao estudo das ciências humanas e sociais.

Além disso, o sucessor de Enrique Peña Nieto adotou um discurso de tom mais conciliador e pragmático nesta campanha, diz José Luis Berlanga, especialista em teoria política da Universidade de Monterrey (Udem).

"Desta vez, ele propôs um movimento 'abraça-tudo'. Em sua aliança havia espaço para todos os que quisessem se somar, de todas as cores e sabores", comenta Berlanga.

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Foi por isso que ele conseguiu passar imagem menos ideologizada e mais moderada.

AMLO agregou apoiadores anteriormente impensáveis na sua campanha e esse é considerado um de seus trunfos
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Pessoas que antes seriam impensáveis uniram forças a sua campanha.

Entre os grandes exemplos está o empresário Alfonso Romo, que se declarava de oposição a AMLO e agora será seu chefe de gabinete.

Sua coordenadora de campanha, Tatiana Clouthier, é outro exemplo.

Ela é filha de Manuel Clouthier, que foi candidato à presidência pelo Partido da Ação Nacional (PAN) em 1988. Ela mesma militou no partido de direita até 2005.

Mas a maior polêmica foi causada pela coalizão formada com o Partido do Encontro Social (PSE), de raízes evangélicas, explica Berlanga.

Insegurança e corrupção estão entre as queixas atuais dos mexicanos, que veem o novo presidente como possibilidade real de mudança
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Muitos consideram a aliança entre AMLO e o PES antinatural.

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"Embora ainda seja preciso ver como funcionará no governo, como candidato isso o beneficiou, ampliou os votos", diz ele.

O sociólogo Roger Bartra, mais crítico em relação a AMLO, disse que o presidente eleito "deu uma guinada tão grande para a direita que se aproximou do antigo Partido Revolucionário Institucional (PRI)".

O Partido Revolucionário Institucional governou o México durante 77 dos últimos 89 anos, intercalados com apenas dois governos do PAN.

"Essa aproximação com o antigo PRI o ajudou a captar a simpatia de membros insatisfeitos com a virada tecnocrática do partido atual", opina Bartra, acrescentando que AMLO é uma "nova encarnação da tradição latino-americana do populismo".

2. Voto de punição

"Há uma revolta generalizada no México, especialmente por causa da insegurança e pela corrupção nos diferentes níveis do governo. Isso contribuiu para a crise do governo de Ernesto Peña Nieto (a quem AMLO substituirá)", explica Bartra.

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Nos últimos seis anos, grandes escândalos de corrupção vieram à tona no país.

Um que prejudicou especialmente Peña Nieto foi o da "Casa Branca", uma propriedade avaliada em US$ 7 milhões (R$ 26,9 milhões) que pertence a sua mulher, Angelica Rivera.

A mansão foi vendida pelo Grupo Higa, que recebeu contratos de obras públicas na época em que Peña Nieto era governador do Estado do México.

A violência no país, por sua vez, continua aumentando. O ano de 2017 foi o mais sangrento nas últimas décadas, com mais de 29 mil assassinatos.  

"Para os eleitores, ele representa a possibilidade de punir aqueles que agiram mal e tiveram um desempenho incorreto", diz especialista
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O especialista da Universidade de Monterrey observa que frente a essa saturação do governo, visto como corrupto, "uma parte dos cidadãos percebe em AMLO a possibilidade de uma mudança real".

Além disso, a imagem que eles têm de AMLO é de um político honesto, acrescenta.

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Em certa medida, ele também simboliza o político antissistema. Sempre esteve distante de Peña Nieto, mantendo um discurso muito crítico e duro contra o governo e os partidos mais tradicionais, explica o especialista.

"Ele capitalizou esse sentimento de raiva e, para os eleitores, representa a possibilidade de punir aqueles que agiram mal e tiveram um desempenho incorreto", diz ele.

3. Guerra entre o PRI e o PAN

Os especialistas concordam que AMLO foi quem se beneficiou com a guerra entre o PRI e o PAN.

Ainda que não esteja claro por que essa briga começou, sabe-se que os dois partidos estiveram próximos durante os seis anos de Peña Nieto e que em algum ponto começaram uma batalha que ainda não terminou.

Bartra disse que o entendimento entre os partidos se deu quando parte do PAN rompeu um acordo pelo qual Margarita Zavala seria candidata à Presidência.

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"Ela era uma candidata extremamente fraca - como foi visto mais tarde, quando renunciou à disputa. Mas, neste entendimento, o PRI tinha a possibilidade de vencer as eleições."

Ao entrar na corrida eleitoral, Ricardo Anaya - que era visto como um candidato chances de vencer - conseguiu arruinar o plano, avalia o especialista.

Ricardo Anaya, que também disputava a presidência, reconheceu rapidamente a vitória de AMLO
Foto: AFP / BBC News Brasil

"A ala do PAN (partido de Anaya) que era próxima ao PRI ficou indignada, e houve um confronto muito forte, em que alguns saíram (do partido)."

Assim, o governo e o PRI concentraram sua batalha não contra López Obrador, como se esperava, mas contra Anaya, que passou a ser o principal inimigo.

"E nisso eles cometeram um erro terrível, porque quanto mais lutavam contra Anaya e usavam a Procuradoria contra ele, mais AMLO crescia. O cálculo deu errado", diz Bartra.

Para Berlanga, a ruptura entre o PRI e o PAN ocorreu provavelmente nas eleições para o Estado do México e Coahuila, em 2017 - o PRI tomou a região do PAN, na avaliação deste último.

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O processo continuou escalando até que Anaya ameaçou investigar Peña Nieto e levá-lo à prisão caso descobrisse algo contra ele.

Seja como for, os analistas concordam que quem ganhou foi AMLO.

Além disso, a briga dificultou o "voto útil", o voto em que o cidadão escolhe um candidato não necessariamente por ser o seu favorito, mas para evitar que outro, que considera pior, vença.

No caso do México, uma parte dos seguidores dos candidatos do PRI e do PAN já não estava disposta a votar no candidato que estava em segundo lugar devido à forte tensão entre os dois lados.

Sentimento de revolta com a situação atual do país e de esperança dos eleitores ajudaram na eleição de AMLO, analisa especialista
Foto: AFP / BBC News Brasil

Mistura de revolta e esperança

Berlanga e Aguayo concordam que, apesar de parte dos mexicanos ter votado movida pelo sentimento de revolta, também foi motivada pela esperança.

Mas uma esperança menos ingênua ou irracional do que a experimentada em 2000, diz o pesquisador da Colmex.

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"Sabe-se que AMLO não é uma cura milagrosa, mas acredita-se que ele levará os grandes problemas nacionais mais a sério", disse.

O novo presidente tomará posse no dia 1º de dezembro.

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