6 incógnitas sobre explosões de pagers e walkie-talkies no Líbano

Depois de milhares de pagers e walkie-talkies terem explodido em dois incidentes distintos no Líbano, os detalhes de como essas ações foram feitas ainda são investigados.

22 set 2024 - 18h42
(atualizado às 19h00)
Los beepers explotaron el martes y los walkie-talkies el miércoles.
Los beepers explotaron el martes y los walkie-talkies el miércoles.
Foto: AFP / BBC News Brasil

Depois de milhares de pagers e walkie-talkies terem explodido esta semana no Líbano, ferindo milhares de pessoas e matando pelo menos 39, os detalhes de como essa operação foi feita ainda estão sendo apurados.

O grupo armado Hezbollah, cujos membros e sistemas de comunicação foram atacados, culpou Israel, que não comentou sobre o assunto.

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A BBC seguiu as pistas sobre o que aconteceu em Taiwan, passando pelo Japão, Hungria, Israel e de volta ao Líbano.

Estas são as questões sem resposta deixadas pelos ataques sem precedentes que abalaram a sociedade libanesa.

1. Como se infiltraram nos pagers?

Segundo algumas especulações iniciais sugeriam, os pagers, também chamados no Brasil de "bipe" e usados no passado para troca de mensagens, teriam sido alvos de um complexo ataque de hackers que os fez explodir. Porém, os especialistas rapidamente descartaram essa teoria.

Para gerar danos na escala que causaram, provavelmente foram equipados com explosivos antes de chegarem às mãos dos membros do Hezbollah, dizem os especialistas.

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Imagens dos restos quebrados dos pagers mostram o logotipo de um pequeno fabricante de eletrônicos de Taiwan: Gold Apollo.

A BBC visitou os escritórios da empresa, localizados em um grande parque empresarial num subúrbio de Taipei.

O fundador da empresa, Hsu Ching-Kuang, pareceu surpreso. Ele negou que a empresa tenha algo a ver com a operação.

"Vejam as fotos do Líbano", disse ele aos repórteres do lado de fora dos escritórios de sua empresa. "Eles não têm nenhuma marca que diga 'Made in Taiwan'. Nós não fabricamos esses pagers", ele insistiu.

Em vez disso, apontou para uma empresa húngara: BAC Consulting.

Hsu afirmou que há três anos licenciou a marca Gold Apollo para a BAC, permitindo que eles usassem o nome em seus próprios pagers.

Acrescentou que as transferências de dinheiro da BAC foram "muito estranhas" e que houve problemas com os pagamentos, que chegaram do Oriente Médio.

2. O que uma empresa húngara tem a ver com isso?

A BBC foi à sede da BAC Consulting, localizada numa zona residencial da capital húngara, Budapeste.

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O endereço parecia ser compartilhado por outras 12 empresas e ninguém no prédio sabia dizer sobre a BAC Consulting.

As autoridades húngaras observam que a empresa, que foi constituída pela primeira vez em 2022, era simplesmente um "intermediário comercial sem local de produção ou operação" no país.

Um post da BAC, publicado no LinkedIn, lista oito organizações com as quais afirma ter trabalhado, incluindo o extinto Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DfID) do Reino Unido.

O Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido, que assumiu as responsabilidades do DfID, disse à BBC que estava investigando o caso. Mas com base nas conversas iniciais, afirmou não ter qualquer relação com a BAC.

O Hezbollah prestou homenagem aos seus membros mortos no ataque
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O site da BAC nomeou uma pessoa como diretora executiva e fundadora: Cristiana Bársony-Arcidiacono.

A BBC fez diversas tentativas de contatá-la, sem sucesso. No entanto, a NBC News publicou que conversou com a empresária e que ela disse: "Eu não faço os pagers. Sou apenas a intermediária".

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Então, quem está realmente por trás da BAC Consulting?

O New York Times noticiou que a empresa era, na verdade, uma fachada para a inteligência israelense.

O meio de comunicação, citando três autoridades israelenses, indicou que duas outras empresas de fachada foram criadas para ajudar a esconder as identidades das pessoas que realmente produziam os pagers: agentes de inteligência israelenses.

A BBC não conseguiu verificar essa informação de forma independente, mas sabemos que as autoridades búlgaras começaram a investigar outra empresa ligada à BAC.

A emissora búlgara bTV informou na quinta-feira que US$ 1,8 milhão relacionados aos ataques aos dispositivos no Líbano passaram pela Bulgária e foram depois enviados para a Hungria.

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3. Como os walkie-talkies foram interceptados?

As origens dos aparelhos de rádio que explodiram na segunda onda de ataques são menos claras.

Sabemos que pelo menos alguns dos que explodiram eram do modelo IC-V82 produzido pela empresa japonesa ICOM.

Esses dispositivos foram adquiridos pelo Hezbollah há cinco meses, segundo uma fonte de segurança que falou à agência de notícias Reuters.

Os walkie-talkies que explodiram foram descontinuados há dez anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Anteriormente, um executivo de vendas da afiliada da ICOM nos EUA disse à agência de notícias AP que os aparelhos de rádio que explodiram no Líbano pareciam ser produtos falsificados que não foram fabricados pela empresa, acrescentando que as versões eram fáceis de encontrar na Internet.

Demorou alguns segundos para a BBC encontrar ICOM IC-V82 à venda em mercados virtuais.

A ICOM afirmou em comunicado que parou de fabricar e vender aquele modelo há quase uma década, em outubro de 2014, e disse que também interrompeu a produção das baterias necessárias ao seu funcionamento.

A empresa informou que não terceiriza a fabricação no exterior e que todos os seus rádios são produzidos em uma fábrica no oeste do Japão. De acordo com a agência de notícias Kyodo, o diretor da ICOM, Yoshiki Enomoyo, sugeriu que as fotos dos danos ao redor do compartimento da bateria dos walkie-talkies explodidos sugerem que eles podem ter sido equipados com explosivos.

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4. Como os dispositivos foram detonados?

Os vídeos mostram as vítimas colocando a mão nos bolsos segundos antes de os dispositivos explodirem e causarem caos nas ruas, empresas e residências em todo o país.

As autoridades libanesas concluíram que os dispositivos foram detonados por "mensagens electrônicas" que lhes foram enviadas, de acordo com uma carta da missão libanesa na ONU, revelada pela Reuters.

Citando autoridades norte-americanas, o New York Times disse que os pagers receberam mensagens que pareciam vir de líderes do Hezbollah antes de serem detonados. As mensagens parecem ter ativado os aparelhos, informou o veículo.

Ainda não sabemos que tipo de mensagem foi enviada aos walkie-talkies.

5. Outros dispositivos foram sabotados?

Esta é a pergunta que muitos no Líbano fazem agora, paranóicos quanto à possibilidade de outros dispositivos, como câmeras, telefones ou computadores portáteis, também poderem ter sido equipados com explosivos.

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O exército libanês está nas ruas de Beirute usando um robô eliminador de bombas controlado remotamente para realizar explosões controladas.

Os funcionários da BBC no Líbano foram orientados a não usar seus telefones ou câmeras.

"Todo mundo está em pânico (...) Não sabemos se podemos ficar perto de nossos laptops, de nossos telefones. Tudo parece um perigo agora e ninguém sabe o que fazer", disse uma mulher, identificada como Ghida, a um correspondente da BBC.

Membros do Hezbollah foram mortos nas explosões
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

6. Por que o ataque aconteceu agora?

Existem várias teorias sobre o motivo pelo qual os dispositivos explodiram esta semana.

Uma delas é que Israel escolheu este momento para enviar uma mensagem devastadora ao Hezbollah, depois de quase um ano de escalada de hostilidades transfronteiriças, durante o qual o Hezbollah disparou foguetes contra ou em torno do norte de Israel.

A outra é que Israel não pretendia implementar o seu plano nesta altura, mas foi forçado a fazer isso depois de temer que essa conspiração estivesse prestes a ser descoberta.

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De acordo com o veículo americano Axios, o plano original era que o ataque do pager fosse a abertura de uma guerra total como forma de tentar paralisar os combatentes do Hezbollah.

Mas garante que quando Israel soube que o Hezbollah tinha ficado desconfiado, decidiu lançar o ataque.

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