Em Gaza, uma faixa de terra que se está se transformando rapidamente num gigantesco terreno baldio, poucos organismos de ajuda internacional ainda conseguem operar. As Nações Unidas estão entre eles.
A UNRWA — a agência da ONU que dá assistência a refugiados palestinos — foi fundada em 1949, trabalhando na Faixa de Gaza, Cisjordânia, Síria, Jordânia e no Líbano, cuidando de 700 mil palestinos que foram forçados ou fugiram de suas casas com a criação do Estado de Israel à época.
Nos últimos dias, Israel acusou funcionários da UNRWA de envolvimento nos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023. O Hamas matou 1.300 pessoas, a maioria delas civis, em uma ofensiva sem precedentes e fez outras 250 pessoas reféns.
A denúncia desencadeou uma investigação interna, demissões e reações internacionais. O secretário-geral da ONU, António Guterres, se disse "estarrecido" com a acusação e pediu uma apuração rápida.
Guterres afirmou que qualquer empregado da agência que comprovadamente tenha "participado ou auxiliado" no episódio de 7 de outubro será demitido e encaminhado para uma denúncia criminal.
Mark Regev, conselheiro do governo de Israel, disse à BBC que "pessoas recebendo salários" da UNRWA se envolveram no ocorrido em 7 de outubro e que professores que trabalham em escolas da agência "celebraram abertamente" os ataques do Hamas.
Diversos governos ocidentais, como os de Alemanha, EUA e Reino Unido, anunciaram a suspensão de repasses financeiros para a agência. Israel pede o fim das operações da agência em Gaza após o encerramento da atual guerra.
Já países como Irlanda e Noruega afirmaram que vão manter a ajuda. Representantes desse último disseram que "é necessário distinguir o que indívíduos talvez tenham feito e o trabalho que a agência faz".
Philippe Lazzarini, chefe da agência da ONU, diz que a assistência vital de que dependem 2 milhões de habitantes de Gaza pode estar prestes a terminar, agravando a situação na região.
Ele diz que seria "imensamente irresponsável sancionar uma agência e toda uma comunidade que ela serve por causa de alegações contra alguns indivíduos".
A missão cuida atualmente do acolhimento de desabrigados em meio ao conflito e distribui a única ajuda que Israel permite. A contraofensiva matou mais de 26 mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza sob controle do Hamas.
A UNRWA emprega, só em Gaza, 13 mil pessoas. Fornece infraestrutura e ferramentas para o dia a dia da região, com a administração de instalações médicas e educacionais, incluindo centros de formação de professores e quase 300 escolas primárias, bem como produz livros didáticos que educam os jovens palestinos — mas o material é alvo de críticas por seu conteúdo (leia mais abaixo).
E também vem sendo atacada por vários lados ao longo dos anos. A sua própria existência é criticada por Israel por consolidar o estatuto dos palestinos como refugiados, encorajando as esperanças de um direito de regresso à terra de onde foram expulsos em 1948.
Críticas de Israel
Governos israelenses há muito tempo acusam a agência de perpetuarem opiniões anti-Israel em seus manuais e ensinamentos.
Em 2022, o órgão de vigilância israelense IMPACT-se disse que o material educacional da UNRWA ensinou aos alunos que Israel estava tentando "apagar a identidade palestina, roubar e falsificar a herança palestina e apagar a herança cultural de Jerusalém", acrescentando que a agência promoveu "o antssemitismo, ódio, intolerância e falta de neutralidade".
A Comissão Europeia identificou o que chamou de "material antissemita" nos livros escolares, "incluindo até incitação à violência".
O Parlamento Europeu apelou repetidamente para que o financiamento da UE à Autoridade Palestina fosse condicionado à remoção de tais conteúdos.
A UNRWA afirmou anteriormente que os relatórios feitos sobre o seu material educativo eram "imprecisos e enganosos" e que muitos dos livros em questão não eram utilizados nas suas escolas.
Em 2018, a administração de Donald Trump, um firme defensor do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, cessou totalmente o apoio financeiro à UNRWA, chamando o órgão de "irremediavelmente falho".
Agora, à medida que vários governos ocidentais congelam o seu financiamento, a agência enfrenta novamente problemas potencialmente graves — com implicações significativas para os 5,3 milhões de refugiados palestinos registrados nela.
Os EUA, um dos países que decidiram pela suspensão, são o seu maior doador, contribuindo com cerca de US$ 340 milhões (equivalente a R$ 1,6 bilhão) em 2022. A Alemanha, que também suspendeu o financiamento, vem a seguir, tendo enviado US$ 162 milhões (correspondente a R$ 796 milhões) naquele ano.
Para os aliados ocidentais de Israel, esta é uma oportunidade para mostrar compreensão e apoio ao país, mantendo ao mesmo tempo a pressão sobre o seu governo para controlar a ofensiva.
Apesar da pausa no financiamento, o Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, fez questão de salientar que as violações cometidas por alguns funcionários "não deveriam punir toda a agência", que, acrescentou, "ajudou a salvar literalmente milhares de vidas em Gaza".
O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel rotulou a UNRWA de "o braço civil do Hamas" e disse que a agência não deveria ter um papel na Faixa de Gaza pós-conflito. Mas há dúvidas sobre quem ocuparia o papel de auxílio à população local em uma terra devastada.