A onda de prisões de ativistas e críticos do governo Maduro que eleva tensão política na Venezuela

ONGs venezuelanas afirma que 'padrão de perseguição política' a opositores está piorando em ano eleitoral.

17 fev 2024 - 14h59
(atualizado às 15h10)
Manifestante em Caracas pede libertação de Rocío San Miguel
Manifestante em Caracas pede libertação de Rocío San Miguel
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Onde está Rocío?"

Esta pergunta se espalhou nas redes sociais nos últimos dias e refere-se ao paradeiro da venezuelana Rocío San Miguel, ativista de direitos humanos e conhecida opositora do governo de Nicolás Maduro.

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Ela foi presa em 9 de fevereiro, mas só dois dias depois é que o procurador-geral do Estado, Tarek William Saab, confirmou a sua detenção.

O procurador apresentou a acusação de que a advogada teria participado de uma suposta conspiração para atacar e colocar em risco a vida do presidente venezuelano.

Na terça (13), Rocío compareceu a um tribunal para ouvir as acusações de traição à pátria, formação de quadrilha, terrorismo e associação criminosa.

Ciretora da ONG Control Ciudadano, Rocío não foi autorizada a se comunicar com seus advogados.

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Quatro dias depois da prisão, sua equipe finalmente soube onde ela estava, em Helicoide, uma prisão do Serviço Nacional Bolivariano de Inteligência (SEBIN).

Também haviam sido presos a filha, dois irmãos, o ex-marido e outro ex-companheiro da ativista. Na terça (13), quatro deles foram libertados da prisão, mas com a proibição de sair do país ou de falar com a imprensa, além da imposição de comparecer periodicamente em tribunal.

Mas Alejandro González De Canales, ex-companheiro de Rocío, continua detido.

Tanto Rocío como Alejandro estão incomunicáveis desde a sua prisão. Não se sabe como está a saúde deles, que tampouco puderam contar com defesa privada.

A ativista Rocío San Miguel foi presa e acusada de participar de conspiração contra Maduro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Várias ONG venezuelanas denunciam que as detenções recentes fazem parte de um "padrão de perseguição política" que se intensificou nas últimas semanas.

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Só neste ano, segundo a ONG Provea, 36 conhecidos opositores ao governo venezuelano foram presas, sem contar as pessoas próximas a Rocío.

Na quinta-feira (15), o governo determinou que todos os funcionários do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos que atuam na Venezuela deixem o país dentro de três dias.

O chanceler Yván Gil acusou o escritório da ONU de se dirigir à Venezuela com uma "atitude colonialista, abusiva e violadora da Carta das Nações Unidas"

Tudo isso em um ano em que, embora ainda sem data definida, está prevista a realização de eleições presidenciais — que estão gerando um cabo de guerra nas negociações realizadas em Barbados entre o governo Maduro e a oposição para que o pleito seja organizado de forma livre e justa.

Para grupos de direitos humanos, mais que um cenário de progresso, essa preparação está se mostrando um retrocesso, simbolizado pela desqualificação da candidata da oposição, María Corina Machado.

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Os Estados Unidos relaxaram suas sanções e depois as impuseram novamente, como reflexo dos altos e baixos políticos.

Em entrevista ao jornal O Globo na terça-feira (13), Celso Amorim, assessor internacional da Presidência brasileira, afirmou sobre o país vizinho que o "recrudescimento da repressão, se confirmado, é um fato que nos preocupa porque apostamos no diálogo".

Amorim reconheceu também que a piora da repressão "pode afetar" as eleições previstas na Venezuela esse ano.

O caso de Rocio

Nicolás Maduro no centro, discursando; o procurador-geral Tarek William Saab à esquerda; e Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional, à direita
Foto: EPA / BBC News Brasil

Em 9 de fevereiro, Rocío estava no aeroporto de Maiquetía, nos arredores de Caracas, quando foi detida — não se sabe por qual órgão de segurança.

No dia 11, o procurador-geral Saab, denunciado pela oposição como aliado de Maduro, confirmou a prisão da ativista.

Na rede social X, Saab escreveu que ela estava "supostamente ligada e citada no complô e no plano de assassinato chamado Brazalete Blanco, cujo objetivo era atacar a vida do Chefe de Estado Nicolás Maduro e de outros funcionários de alto escalão".

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Ela também foi acusada pela suposta relação com ataques a diversas unidades militares do país.

Saab assegurou que o procedimento estava de acordo com o estabelecido "pela Constituição, pelas leis da República e pelas normas nacionais e internacionais de proteção dos Direitos Humanos".

Rocío conta com uma medida cautelar de proteção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) desde 2012.

Essa organização condenou "o desaparecimento forçado da ativista" e pediu ao Estado venezuelano que "assegure o respeito pelas suas garantias processuais e pela presunção de inocência".

O Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos também exigiu a "libertação imediata" da ativista.

"Neste caso específico, o procurador [Saab] é coparticipante num desaparecimento forçado. Isso nunca tinha acontecido antes", disse Óscar Murillo, diretor da ONG Provea, à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).

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A operação 'Brazalete Blanco'

O caso de Rocío San Miguel está ligado, segundo fontes do governo, à operação Brazalete Blanco, uma suposta conspiração baseada em Táchira, um Estado no oeste da Venezuela que faz fronteira com a Colômbia.

A primeira vez que esse suposto complô foi mencionado amplamente foi em janeiro, quando Nicolás Maduro falou dele na sua mensagem anual à Assembleia Nacional, controlada pelo chavismo.

Maduro afirmou que o objetivo da operação era atentar contra sua vida, bem como a do governador de Táchira, Freddy Bernal, e do ministro da Defesa, Vladimir Padrino López.

Tanto Saab quanto Padrino López afirmaram que existem conspirações contra o governo desde 2023, razão pela qual falam em uma "conspiração contínua".

Foram emitidos vários mandados de prisão, inclusive contra Sebastiana Barráez, jornalista especializada em assuntos militares, e Tamara Suju, advogada e defensora dos direitos humanos — embora ambas estejam fora do país.

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Ano eleitoral

María Corina Machado está impedida de concorrer à presidência
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Para o diretor do Centro de Direitos Humanos da Universidad Católica Andrés Bello, Eduardo Trujillo Ariza, o fato deste ano ser previsto como um ano eleitoral traz "um aumento do conflito político na Venezuela".

"A perseguição por motivos políticos na Venezuela se intensificou e há um padrão disso", ele pontua.

Ariza aponta como evidências disso recentes ataques às sedes de partidos políticos de oposição e a prisão de pessoas do círculo de María Corina Machado.

Em 26 de janeiro, o Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela (TSJ) decidiu que Machado está inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos, apontando inconsistências na declaração de bens dela.

Vários membros do partido de Machado, Vente Venezuela, estão entre os acusados de terem conspirado contra Maduro na operação Brazalete Blanco. Pelo menos três deles foram presos.

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Machado afirma que os acontecimentos recentes fazem parte de uma campanha para intimidá-la e reprimir qualquer oposição a Maduro, que está no poder desde 2013.

Para Óscar Murillo, está em curso uma "política de fechamento do espaço cívico".

Diosdado Cabello, um dos principais porta-vozes do partido no poder, diz por sua vez que as ONG participam de conspirações.

"Eles são usados pelos EUA como mecanismo de financiamento para atividades de subversão, desestabilização e perseguição contra governos que não estão ligados a eles", acusou Cabello, nome importante do chavismo.

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