A pouco conhecida história de como os EUA levaram as primeiras armas nucleares à península da Coreia

O governo americano foi o primeiro a violar o acordo de paz entre as Coreias, que proibia a chegada de novos armamentos à região.

1 abr 2018 - 14h45
(atualizado às 15h24)
Kim Jong-un disse que a Coreia do Norte sempre desejou a desnuclearização da península
Kim Jong-un disse que a Coreia do Norte sempre desejou a desnuclearização da península
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Estamos comprometidos com a desnuclearização da península da Coreia, em sintonia com a vontade do outrora presidente Kim Il-sung e do secretário Kim Jong-il."

As palavras do líder norte-coreano, Kim Jong-un, durante encontro com o presidente da China, em Pequim, surpreenderam muita gente. Apesar dos gestos de aproximação da Coreia do Norte - que tem reuniões previstas com os presidentes da Coreia do Sul e dos Estados Unidos -, a comunidade internacional ainda está cética.

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Mas como começou a corrida armamentista na península coreana?

A insegurança atual está diretamente relacionada a um episódio pouco conhecido hoje em dia: a chegada à península coreana das primeiras armas nucleares norte-americanas.

Uma nuclearização que, como destaca o jornalista norte-americano Walter Pincus, ocorreu em clara violação ao acordo que pôs fim aos conflitos da Guerra da Coreia.

Kim Jong-un falou em livrar a península da Coreia de armas nucleares, durante encontro com presidente chinês Xi Jinping, em Pequim
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

'Segredo sujo'

"Muitos americanos criticam a possível reunião entre Trump e Kim Jong-un com o argumento de que a Coreia do Norte violou vários acordos de não propagação de armas", disse Pincus num artigo publicado no jornal The New York Times.

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"Mas estes céticos deveriam se lembrar que foi os Estados Unidos que romperam o Acordo de Armistício da Coreia, de 1953, quando o governo Eisenhower enviou, em 1958, as primeiras armas nucleares para a Coreia do Sul."

De acordo com o ex-repórter do The Washington Post, em meados da década de 1960, o arsenal nuclear dos EUA na península coreana já somava 900 projéteis de artilharia, bombas táticas, foguetes, mísseis antiaéreos e minas terrestres.

"Havia, inclusive, projéteis nucleares para canhões baseados na Coreia do Sul", diz Pincus, que está escrevendo um livro sobre o tema.

Tudo isso em violação clara do acordo assinado entre as tropas das Nações Unidas, comandadas pelos EUA, e os exércitos da China e da Coreia do Norte - que proibia expressamente a chegada de novos tipos de armas e munições à península.

Segundo Joseph Bermudez Jr., especialista do Instituto Coreia-EUA, da Universidade John Hopkins, foi justamente o temor da chegada de armas americanas que permitiu a assinatura do armistício.

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Desde então, o "perigo de que armas norte-americanas pudessem ser usadas contra o regime do Norte orientou o pensamento do país e suas ações estratégicas", afirma.

E a chegada de armas nucleares à Coreia do Sul - onde permaneceram até 1991- muito provavelmente fortaleceu o desejo de Pyongyang de providenciar seu próprio arsenal atômico.

A Coreia do Norte argumenta que, para se proteger da ameaça de um ataque pelos Estados Unidos, precisa de armas nucleares próprias
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Ogivas por soldados

No final da década de 1950, a Coreia do Norte ainda estava muito distante de conseguir desenvolver armas nucleares. Mas o governo dos EUA estava inquieto com os custos de proteger a Coreia do Sul contra o Norte utilizando soldados norte-americanos.

A lógica do governo Eisenhower foi a de que o envio de armas nucleares à península possibilitaria reduzir o número de soldados americanos na Ásia e o apoio financeiro dos EUA às tropas sul-coreanas, que alcançava US$ 650 milhões por ano.

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Foi esta a decisão que o presidente tomou, embora documentos da época revelem que assessores do Departamento de Estado deixaram claro que a estratégia resultaria na "violação" dos termos do armistício assinado cinco anos antes.

O Pentágono, porém, insistiu que o envio do armamento era "essencial" do ponto de vista militar e argumentou que a Coreia do Norte havia violado o acordo ao adquirir novos aviões e armas de artilharia.

"É possível argumentar que a violação dos comunistas ao parágrafo 13, especialmente no que se refere a aviões, nos liberam para ignorar suas restrições", diz um memorando do dia 28 de novembro de 1956.

'João Honesto' e canhões

O documento se refere a uma discussão sobre o possível envio à Coreia do Sul do sistema de mísseis terra-terra MGR-1 (conhecido como "Honest John", ou "João Honesto"), assim como canhões de 280 mm, as primeiras armas com capacidade nuclear consideradas pelo Departamento de Defesa americano.

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"De qualquer maneira, essas armas não devem ser consideradas atômicas, porque, quando não estão acompanhadas de ogivas nucleares, seu uso seria potencial, não real", argumentou o Pentágono.

Em 24 de dezembro de 1957, o exército dos Estados Unidos recebeu a autorização para levar os dois tipos de armas para a Coreia do Sul, embora o anúncio público de sua chegada à península tenha ocorrido em 28 de janeiro de 1958.

"Um porta-voz do Exército dos EUA se recusou a dizer quantos canhões haviam chegado e se estavam acompanhados de ogivas nucleares", recorda Pincus. Desde então, "os Estados Unidos se esqueceram desta história e os políticos americanos só culpam a Coreia do Norte por não respeitar os acordos", aponta.

"Mas se é verdade que Pyongyang é pouco confiável, os líderes norte-coreanos certamente se lembram do que aconteceu na década de 1950", concluiu o jornalista, que já venceu um Pulitzer, o principal prêmio do jornalismo.

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Os EUA retiraram suas armas nucleares da Coreia do Sul em 1991
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

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