Boko Haram favorece abrigo à Al-Qaeda, diz especialista
Demonstrando total incapacidade de solucionar o sequestro de mais de 200 meninas de uma escola de Chibok, o governo nigeriano, finalmente, passará a contar com ajuda internacional; mobilização acontece após intensa campanha nas redes sociais
O grupo Boko Haram, até então pouco conhecido fora da Nigéria, chamou a atenção de todo o mundo após o sequestro de mais de 200 estudantes da única escola ainda em funcionamento no estado de Borno, na noite de 14 de abril.
Acredita-se que o grupo tenha dividido as meninas entre seus integrantes, que teriam se separado e entrado na floresta Sambisa, onde o Boko Haram fica baseado, próximo à fronteira com Camarões. O líder do grupo, entretanto, divulgou um vídeo há uma semana, onde dizia que venderia as meninas, cristãs e muçulmanas, na fronteira do Chade e Camarões, por 12 dólares cada.
A falta de atitude do governo nigeriano e o aparente descaso, inicialmente, manifestado pelas principais lideranças mundiais desencadearam protestos em todo o mundo e campanhas em redes sociais, com a adesão de personalidades, como a primeira-dama Michelle Obama e a jovem paquistanesa Malala, que viu a morte de perto ao desafiar os talibãs.
O professor do Ibmec e mestre em Diplomacia e Negociações Estratégicas, Dorival Guimarães Pereira reforça as denúncias feitas pela comunidade internacional.
“O governo nigeriano não tem demonstrado capacidade de lidar com o problema, seja pela composição do governo (cuja presença de representantes muçulmanos é grande), seja pelas ameaças que o próprio grupo impõe ao Estado, ao norte do país, de população majoritariamente muçulmana e que já adota a sharia”, explica.
Mas o que explicaria a total falta de envolvimento de potências mundiais detentoras de especialistas altamente qualificados e tecnologia desenvolvida?
Publicidade
De acordo com Pereira, o aparente descaso da comunidade internacional tem razões econômicas: “(A falta de envolvimento) é relacionada à baixa influência do país no sistema internacional, ao mesmo tempo em que revela um desinteresse dos parceiros comerciais em pressionar o governo para mudanças, notadamente por receio em fechar às portas ao crescente mercado consumidor do país”.
Por outro lado, destaca o professor, a ausência da imposição de mudanças, principalmente no que diz respeito à atuação do grupo terrorista Boko Haram, justifica a existência de um quadro de total instabilidade na região e consequentemente da dificuldade de a Nigéria alcançar “o pleno desenvolvimento”, apesar da ampla produção de petróleo e derivados.
E não para por aí. Tamanha falta de estabilidade apenas aumenta o risco de grupos extremistas, como o Boko Haram, alcançarem o poder e fundarem um Estado fundamentalista, o que, explica o professor, favorece o abrigo a outros grupos extremistas religiosos, como Al-Qaeda.
1 de 28
A ex-ministra da Educação da Nigéria e a vice- presidente da divisão da África do Banco Mundial participam de marcha organizada pelas mães das adolescentes sequestradas, em Abuja, em 30 de abril
Foto: AFP
2 de 28
Homem pede a libertação das estudantes sequestradass pelo Boko Haram, em Lagos, em 1º de maio
Foto: AFP
3 de 28
Sul-africanos protestam contra o rapto de centenas de estudantes na Nigéria pelo grupo extremista islâmico Boko Haram, durante uma marcha ao Consulado da Nigéria em Joanesburgo, na África do Sul, em 8 de maio
Foto: AP
4 de 28
Mulher participa de protesto exigindo a libertação das adolescentes sequestradas na aldeia de Chibok, em 14 de abril. No cartaz é possível ler a mensagem: "Já chega. Os sequestros precisam parar"
Foto: Reuters
5 de 28
Pessoas participam de protesto exigindo a libertação de meninas sequestradas na aldeia de Chibok, em Lagos, em 5 maio
Foto: Reuters
6 de 28
Manifestantes marcham em apoio às meninas sequestradas por membros do Boko Haram em frente à Embaixada da Nigéria, em Washington, em 6 de maio
Foto: Reuters
7 de 28
Ativista segura um cartaz com a frase: "E se isso acontecesse nos Estados Unidos?" durante uma manifestação em frente à embaixada da Nigéria em Washington, EUA, em 6 de maio
Foto: AFP
8 de 28
Foto mostra quatro alunas da escola secundária de Chibok que conseguiram fugir do grupo Boko Haram
Foto: AP
9 de 28
Vídeo mostra o líder do grupo extremista islâmico Boko Haram Abubakar Shekau. Ele ameaçou vender as centenas de estudantes sequestradas no norte da Nigéria por cerca de R$ 26 cada
Foto: AFP
10 de 28
Mulheres e crianças que sobreviveram a ataques do Boko Haram se abrigam em uma Igreja Católica em Wada Chakawa, na Nigéria, em 31 de janeiro de 2013
Foto: AP
11 de 28
Armas, munições e equipamentos do grupo Boko Haram apreendidos pela polícia são colocados em exposição em um quartel da Nigéria, em 1º de março de 2012
Foto: AP
12 de 28
Boko Haram exibe cadáveres de vítimas na cidade de Damaturu, na Nigéria, após uma série de ataques que deixaram ao menos 69 mortos, em novembro de 2011
Foto: AP
13 de 28
Menina muçulmana passa por uma casa queimada após ataque dos extremistas islâmicos do Boko Haram em Maiduguri, em 28 de janeiro
Foto: AP
14 de 28
Nigerianos se reúnem em torno de um carro queimado fora da Igreja Batista da Vitória em Maiduguri, em 25 de dezembro de 2010. Membros do grupo Boko Haram atacaram a igreja na véspera de Natal, matando o pastor, dois membros do coro e duas pessoas que passavam pelo local
Foto: AP
15 de 28
A ativista paquistanesa Malala segura um cartaz com a mensagem: "Tragam de volta as nossas meninas". Hashtag foi usada quase duas milhões de vezes durante 1 mês após o sequestro
Foto: Facebook
16 de 28
A primeira-dama americana Michelle Obama se manifestou na campanha "Bring back our girls". "Tal como milhões de pessoas em todo o planeta, meu marido (Barack Obama) e eu estamos indignados e arrasados em razão do sequestro de duzentas meninas nigerianas, retiradas de seus aposentos escolares, no meio da noite", afirmou a primeira-dama americana
Foto: Twitter
17 de 28
Mulheres francesas levantam cartazes onde se lê: "Traga de volta as nossas meninas", durante uma manifestação perto da Torre Eiffel, em Paris, na terça-feira, 13 de maio
Foto: AP
18 de 28
As ex-primeiras-damas francesas Carla Bruni-Sarkozy e Valerie Trierweiler se uniram a políticas e artistas durante uma manifestação perto da Torre Eiffel, em Paris, para pedir ajuda política do governo francês pela busca das meninas sequestradas na Nigéria no mês passado
Foto: AP
19 de 28
A ex-primeira-dama francesa Valerie Trierweiler segura um cartaz onde se lê: "Traga de volta as nossas meninas", durante manifestação em Paris, na terça-feira, 13 de maio
Foto: AP
20 de 28
As ex-primeiras-damas francesas Carla Bruni-Sarkozy (esquerda) e Valerie Trierweiler (direita) acompanhadas de políticas e artistas em Paris pedem ajuda do governo na busca das jovens sequestradas na Nigéria
Foto: AP
21 de 28
As ex-primeiras-damas francesas Carla Bruni-Sarkozy (esquerda) e Valerie Trierweiler (direita) acompanhadas de políticas e artistas de seguram uma bandeira onde se lê: "Líderes, tragam de volta as nossas meninas", durante uma manifestação perto da Torre Eiffel, em Paris, nesta terça-feira, 13 de maio. As mulheres se reuniram para pedir os líderes do governo na ajuda da busca das mais de 200 estudantes que foram sequestradas por militantes do Boko Haram em uma escola secundária em Chibok, nordeste da Nigéria em abril
Foto: AP
22 de 28
A ex-primeira-dama francesa Valerie Trierweiler segura um cartaz onde se lê: "Traga de volta as nossas meninas", durante manifestação em Paris, na terça-feira, 13 de maio
Foto: AP
23 de 28
A ex-primeira-dama francesa, Carla Bruni-Sarkozy (centro), entre as políticas Nathalie Kosciusko-Morizet e Valerie Pécresse, durante a manifestação "Bring Back our girls", em Paris, nesta terça-feira, 13 de maio. Mulheres francesas se reuniram para pedir aos líderes do governo francês ajuda na busca das mais de 200 estudantes que foram sequestrados por militantes do Boko Haram em uma escola secundária em Chibok, nordeste da Nigéria em 14 de abril
Foto: AP
24 de 28
A atriz Julie Gayet (direita) e a diretora Lisa Azuelos seguram um cartaz onde se lê "Tragam de volta as nossas meninas" no tapete vermelho no 67 º Festival de Cannes em Cannes neste sábado
Foto: Reuters
25 de 28
A atriz Julie Gayet (direita) e a diretora Lisa Azuelos seguram um cartaz onde se lê "Tragam de volta as nossas meninas" no tapete vermelho no 67 º Festival de Cannes neste sábado; as meninas foram sequestradas no dia 14 de abril em uma escola da Nigéria pelo grupo Boko Haram
Foto: Reuters
26 de 28
Celebridades posam ao lado da atriz Selma Hayek Pinault para a exibição de Saint-Laurent no 67º Festival Internacional de Cinema de Cannes, no sul da França, neste sábado, 17 de maio
Foto: AP
27 de 28
A atriz e produtora Salma Hayek segura um cartaz no Festival de Cannes onde se lê "Tragam de volta as nossas meninas"; ela posa no tapete vermelho do evento neste sábado
Foto: Reuters
28 de 28
A atriz Salma Hayek, centro, segura um cartaz com o pedido "tragam de volta as nossas meninas", uma campanha que tem sido realizada por diversas celebridades ao redor do mundo, em que pedem a libertação de cerca de 300 estudantes nigerianas sequestradas pelo grupo extremista islâmico nigeriano Boko Haram; a atriz participa do Festival Internacional de Cinema em Cannes, sul da França, neste sábado; da esquerda para a direita os diretores Paul Brizzi, Roger Allers, Joan C. Gratz e Gaetan Brizzi
Foto: AP
O surgimento de uma mobilização mundial
Publicidade
Enquanto os líderes das principais potências econômicas permaneciam em completo silêncio, milhares de pessoas foram às ruas e às redes sociais para cobrar as autoridades, e exigir que as meninas fossem soltas. A campanha mundial ganhou as ruas de Nova Yorque, Los Angeles e Londres, além de cidades africanas e páginas no Facebook e no Twitter.
Enquanto os pais das estudantes sequestradas marchavam em Lagos, na Nigéria, segurando cartazes e entoando exigências, Michelle Obama retuitava a hashtag #BringBackOurGirls e Malala dava uma corajosa entrevista à emissora de tv CNN, em que chamava as meninas sequestradas de suas irmãs e acusava o Boko Haram de “ter medo do poder das mulheres”.
Até mesmo a atriz Angelina Jolie, embaixadora da Boa Vontade do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, se manifestou, convocando todos a lutar contra à impunidade. "Estes homens pensam que podem abusar destas meninas desta forma, vendê-las, estuprá-las, considerá-las como se fossem sua propriedade, porque muitas pessoas fizeram o mesmo no passado sem serem punidas"
Diante de tamanha mobilização, o presidente nigeriano veio à público, três semanas após o crime, para prometer que resgatará as meninas, e que punirá os seqüestradores, sem, no entanto, detalhar quando e como o faria. Goodluck Jonathan declarou ainda que o sequestro das mais de 200 estudantes representa um marco para a escalada contra o terrorismo na Nigéria.
Publicidade
O movimento também ganhou adesão do Reino Unido, China, França e Estados Unidos, que se comprometeram a enviar especialistas para ajudar o governo nigeriano a encontrar as adolescentes.
Washington prometeu ajudar a Nigéria nas áreas de inteligência, investigação, negociação envolvendo reféns, e assistência às vítimas. Membros das Forças Armadas serão enviados ao país e homens do FBI se unirão ao grupo, caso seja necessário. Tecnologia de vigilância aérea e via satélite não deverá ser oferecida, por ora.
A Grã-Bretanha, por sua vez, prometeu fornecer apoio em planejamento, e a França se limitou a informar que prestará assistência nas buscas.
Um conflito religioso
Esse ataque, um dos mais audaciosos protagonizados pelo grupo fundamentalista Boko Haram, expôs ao mundo os conflitos religiosos existentes na Nigéria e as ações de uma organização terrorista que dissemina o medo e o terror em nome de uma suposta “guerra santa”.
Publicidade
“O grupo é reconhecido por boa parte da comunidade internacional como terrorista, valendo-se do uso da força ou ameaça de violência, a fim de suscitar o terror, contra alvos não combatentes, com objetivo de influenciar uma mudança político-religiosa e na vida da população”, conta Pereira.
A organização, conhecida por efetuar sequestros, liquidar vilas inteiras com metralhadoras pesadas e veículos blindados, assassinar cristãos moderados e provocar atentados a bomba contra igrejas e locais públicos, já havia atacado outra escola na cidade de Yobe, em março. Mas, diferentemente do que aconteceu na cidade de Chibok, eles pouparam as estudantes, embora tenham matado 29 homens.
Mesmo com toda a repercussão gerada a partir do sequestro das estudantes, o Boko Haram, que na língua árabe significa “Educação ocidental é pecaminosa”, não se intimidou e matou cerca de 300 pessoas na primeira semana de maio, na cidade nigeriana de Gamboru Ngala, perto da fronteira com Camarões. Mercados, escritórios de alfândega, delegacias e lojas foram queimadas, na ocasião.
Há quem acredite que a ameaça representada pelo Boko Haram desaparecerá apenas quando o governo reduzir a pobreza crônica e estabelecer um sistema de educação sólido e de qualidade que ganhe o apoio dos muçulmanos.
Publicidade
Para Dorival Guimarães Pereira, tão importante quanto à educação é a contenção da criminalidade. "É necessário um trabalho de política pública para controlar a violência; é uma questão política e de força militar".