Pessoas com albinismo enfrentam preconceito e morte na Tanzânia. Recentemente, uma nova campanha foi lançada para tentar pôr fim a sequestros e assassinatos que aterrorizam os cerca de 30 mil albinos que vivem no país. A BBC conversou com alguns deles.
O pescador Mtobi Namigambo vive na ilha de Ukerewe, na Tanzânia. Situada a três horas de distância de Mwanza, segunda maior cidade do país, a ilha remota já foi tido como um santuário para albinos, mas hoje a situação mudou.
Um dos filhos de Namigambo, May Mosi, com quatro anos de idade, é albino. Quando tinha três meses de idade, escapou de uma tentativa de sequestro.
"Tinha ido pescar no lago. (Minha esposa e as crianças) estavam sozinhas na casa quando foram atacadas", conta o pai.
"Ela pulou pela janela e correu com May, em busca de um local seguro, deixando as outras duas crianças para trás - ela não sofreram nada".
"Os agressores estavam à procura de May", diz a esposa do pescador. "Meu marido estava fora pescando e eles sabiam disso. Por isso vieram. Após eu pular pela janela, eles ainda vieram atrás de mim e eu gritei por socorro. Só desistiram quando eu acordei os vizinhos".
Comércio Lucrativo
O albinismo é um distúrbio congênito caracterizado pela ausência de pigmento na pele, cabelos e olhos devido a uma deficiência na produção de melanina pelo organismo. Em alguns casos, o distúrbio também provoca problemas de visão.
Ele é raro, afetando uma em cada 17 mil pessoas aproximadamente.
No Brasil, por exemplo, haveria (embora não haja dados oficiais) entre 10 mil e 12 mil pessoas com albinismo. Entre elas está o compositor e multi-instrumentista Hermeto Paschoal, reverenciado por músicos de jazz em todo o mundo.
Pouco presente no mundo ocidental, o albinismo é comum na África Subsaariana. Na Tanzânia e em outros países africanos, especialmente no leste do continente, albinos sofrem perseguições.
Em algumas regiões, são tidos como demoníacos e perigosos. Na Tanzânia, alguns acreditam que poções feitas utilizando partes dos corpos dos albinos trariam sorte e riqueza.
Como resultado, mais de 70 albinos foram mortos no país nos últimos três anos. Segundo grupos que fazem campanha em defesa dos albinos, apenas dez pessoas foram presas em consequência desses assassinatos.
No caso mais recente, em maio deste ano, uma mulher foi morta a golpes de machado.
Campanhas
Nos últimos anos, houve várias iniciativas para tentar conscientizar a população e romper preconceitos e superstições em torno do albinismo.
Em 2012, na África do Sul, uma modelo albina foi destaque no continente quando desfilou pelas passarelas da Africa Fashion Week.
Na Tanzânia, o governo também lançou campanhas de conscientização, mas o problema persiste, especialmente em regiões remotas como a ilha Ukerewe, onde vivem o menino May e sua família.
"Nós apelamos ao governo por mais iniciativas para educar a comunidade aqui (na ilha)", diz Namigambo, pai de May. "No passado, as autoridades faziam seminários sobre albinismo. Faziam muita diferença, mas agora não mais", ele comenta.
A ONG Under the Same Sun (em tradução livre, Sob o Mesmo Sol), que atua junto à população albina da ilha, diz que o lugar não é tão seguro como alguns imaginam.
Alfred Kapole, presidente da sucursal regional da Tanzania Albinism Society, nativo da ilha, foi obrigado a fugir para Mwanza.
"Ele é um dos primeiros albinos cujo caso chegou aos tribunais após um líder local ter tentado matá-lo para ficar com seu cabelo", diz Vicky Ntetema, diretora da ONG Under the Same Sun.
Ntetema explica que esse tipo de experiência é comum entre albinos no país.
Clientes Ricos
No centro da cidadezinha de Sengerema, a 60 km de Mwanza, uma estátua mostra um casal que não tem albinismo segurando um bebê albino. A mãe da criança coloca na cabeça do filho um chapéu de abas largas, para protegê-lo do sol. O monumento também traz 139 nomes de pessoas albinas que foram mortas, atacadas ou cujos corpos foram roubados de covas.
Um representante da sociedade de albinos de Sengerema, Mashaka Benedict, disse à BBC que mesmo pessoas com certo nível educacional acreditam que partes dos corpos dos albinos podem trazer riqueza.
"Se isso é verdade, por que não somos ricos?", ele pergunta.
E acrescenta: pessoas importantes estão por trás do "comércio da morte". É por isso que pouquíssimas foram presas, acusadas ou condenadas, ele diz.
"Como poderia um pobre oferecer US$ 10 mil por um pedaço de um cadáver? Os envolvidos são empresários e políticos ".
A polícia, por sua vez, diz que faz o que pode.
"São casos complicados porque a maioria dos incidentes ocorre em regiões remotas onde não há eletricidade, por exemplo", diz o chefe de polícia de Mwanza, Valentino Mlowola. "Isso dificulta a identificação dos infratores durante a noite".
"Investigamos cada caso e cada alegação, mas não é simples".
Apesar das dificuldades, ativistas persistem na luta para combater o preconceito e a ignorância. Em um evento organizado recentemente para promover os direitos dos albinos, uma artista com albinismo cantava: "Estamos sendo mortos como animais. Por favor, reze por nós".