Centenas de pessoas enfrentaram a chuva que caiu na noite desta segunda-feira em Johannesburgo para presenciar a homenagem feita pelo arcebispo e Nobel da Paz Desmond Tutu a seu amigo Nelson Mandela. Sob um toldo armado na área externa da Fundação Nelson Mandela, Tutu comandou uma cerimônia marcada por suas conhecidas anedotas e referências à reconciliação entre brancos e negros promovida pelo ex-presidente sul-africano.
“A química deste país foi afetada pelos atos de Mandela. Ele foi magnânimo em vez de espalhar ódio. Ele foi como um mágico com uma varinha, tornando todos nós em um único povo multicolorido”, discursou sob os aplausos de uma plateia que representava exatamente o tom de sua fala.
Há quatro dias, quando Mandela morreu, Desmond Tutu era um homem irreconhecível. Com voz praticamente inaudível, ele fez seu primeiro comentário sobre a morte do amigo em uma cerimônia na Cidade do Cabo e questionava o futuro da África do Sul. "Eu tenho esperança de que amanhã o sol vai nascer novamente. Talvez não tão brilhante como ontem, mas vai nascer”, disse à época.
Passado o luto inicial, Tutu voltou a ser o personagem um tanto folclórico, que dança animadamente ao som de músicas da sua terra e conta piadas ao grande público como se estivesse em uma conversa ao pé do ouvido.
“Outro dia estava em São Francisco e uma mulher veio me chamar. ‘Arcebispo Mandela!’. Ela estava querendo ganhar dois pelo preço de um”, disse, arrancando risadas e deixando clara a indissociável relação entre os dois. Logo em seguida, quase como galanteando a plateia, voltou a citar o amigo. “Vocês sabiam que são incríveis? E nós não sabíamos disso até esse cara (Mandela) nos mostrar o que é tão óbvio”, disse.
Tutu é considerado uma figura histórica tão importante quanto Mandela. Partiu dele a primeira grande manifestação popular pelo fim da segregação racial ainda durante o Apartheid. Em 1989, o religioso levou mais de 20 mil sul-africanos para as ruas da capital para protestar contra a ação da polícia, que havia matado 23 negros uma semana antes. Começava ali uma série de manifestações que ganharia, gradativamente, mais adesões e repercussão e levaria ao fim do regime no ano seguinte. Mandela, por sua vez, só viria a ser libertado da prisão em 1994.
O assédio a Desmond Tutu é tão grande que até sua mulher, Nomalizo Leah Shenxane, é alvo de tietagem. Ao fim da cerimônia, ela circulava com dificuldade pelas galerias da fundação por causa dos pedidos de fotos. “A minha luta é a luta de Mandela e de meu marido. Como posso me incomodar por ser tão querida pelo meu povo?”, indagou ao repórter do Terra.
O próprio Tutu explica melhor o que significa essa luta para ele. “Naquela época nós tínhamos policiais subindo em árvores para espiar as casas e checar se a Lei da Imoralidade (que considerava crime uma pessoa branca ter relações sexuais com uma pessoa de raça diferente) estava sendo cumprida. Hoje, casais de raças diferentes andam por aí empurrando carrinhos de bebê. Acho que isso é bom sinal, não?”.